Incorporadora vende imóvel que havia sido comprado por cliente, mas estava inadimplente e é condenada a devolver a propriedade ou entregar outra nos mesmos padrões, além disso, deverá pagar R$ 10 mil ao cliente a título de danos morais. A decisão é da Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso ao julgar Recursos de Apelação Cível interpostos tanto pelo cliente quanto pela construtora.
Inicialmente o cliente ingressou na 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá com ação de obrigação de dar coisa certa combinado com ação de indenização por danos materiais e morais contra construtora. Argumentou que adquiriu um apartamento da incorporadora para moradia, ainda na fase de obras, no valor de R$ 115 mil em janeiro de 2012. Relata que em março efetuou pagamento de R$ 3,6 mil de corretagem e R$ 41,4 mil como entrada. Alguns dias depois pagou mais R$ 14,9 mil e outros R$ 8,8 mil referente às parcelas vencidas entre fevereiro e setembro de 2012, totalizando a quantia de R$ 68,7 mil, ou 58,47% do valor do contrato.
Ele admite que “passou por grandes dificuldades financeiras que o levaram a deixar de cumprir com a totalidade dos pagamentos”, mas foi surpreendido ao descobrir que a unidade, objeto do contrato celebrado entre as partes, foi vendida pela incorporadora para um terceiro sem qualquer aviso prévio ou rescisão contratual. Sustentou que fez propostas para a quitação do débito, que se encontra no valor R$ 46,3 mil, porém a construtora não aceitou.
O cliente afirma que devido à impossibilidade de usufruir do “tão sonhado bem”, foi obrigado a alugar um apartamento próximo à obra no valor inicial de R$ 550, e atualmente corrigido para R$ 700. Por estes motivos, pleiteia R$ 46,3 mil, referente ao saldo devedor tido como incontroverso, a condenação da ré ao pagamento de danos materiais, restituição em dobro do valor pago a título de corretagem e indenização por danos morais.
A construtora por sua vez, sustentou que as condições de pagamento do imóvel foram escolhas do cliente, e, ao assinar o contrato de promessa de compra e venda, optou por quitar o imóvel com recursos próprios, mas de forma parcelada, e que os lançamentos estavam programados até o mês de janeiro de 2013 (considerando as parcelas faltantes), mas o comprador interrompeu os pagamentos ainda no mês de outubro de 2012.
Segue sustentando que a rescisão contratual ocorreu por culpa única e exclusiva do comprador, visto que nenhuma responsabilidade pode ser atribuída à vendedora, pugnando pelo total provimento do recurso para reformar a sentença.
O magistrado de piso julgou parcialmente procedente o pedido do cliente, e nos termos do Código do Consumidor, converteu a obrigação de dar coisa certa em perdas e danos, determinou que a construtora entregue ao comprador outro imóvel nos mesmos padrões contratado, o que deverá ser feito mediante pagamento do saldo devedor remanescente ou promova o reembolso dos valores pagos. E condenou a ré ao pagamento dos danos materiais no valor de R$ 19,4 mil correspondente aos aluguéis comprovadamente custeados, além de pagamento de indenização por danos morais em virtude dos transtornos decorrentes da indevida rescisão do contrato, no valor equivalente a R$ 5 mil.
Tanto cliente quanto a construtora apelaram ao Tribunal de Justiça para reforma da sentença. A turma julgadora formada pelos desembargadores Sebastião Barbosa Farias (relator), Nilza Maria Possas de Carvalho e Sebastião de Moraes Filho proveu ambos os pedidos.
A construtora alegou ausência de culpa na rescisão contratual e a consequente responsabilização, afirmou que sempre esteve disponível para renegociação do saldo devedor e que chegou a emitir novos boletos, enviou e-mail, entrou em contato telefônico e expediu telegrama e apesar de todos os alertas, o cliente manteve-se inerte aos pagamentos por cinco meses, quando colocou o imóvel novamente à venda e fechou negocio com um casal.
Diz que os recibos apresentados no valor de R$ 550 seriam referentes ao único contrato de aluguel juntado aos autos, contudo, se referem a período que não faz parte dos autos (outubro de 2011 a outubro de 2012), de modo que, pede pelo provimento do recurso para afastar a condenação ao pagamento da quantia de R$ 19,4 mil, por danos materiais.
Alternativamente, pugna pela minoração da condenação, para que sejam restituídos apenas os valores comprovadamente pagos até julho/2013, data do envio do telegrama ao comprador. Requer a reforma da sentença para que seja afastada a condenação de perdas e danos, além do pagamento de indenização por danos materiais e morais.
Já o comprador requer majoração dos danos morais para o valor de R$ 30 mil.
O relator da ação pondera que a construtora, deixou de comprovar que o cliente foi devidamente notificado antes da rescisão do contrato, pois o telegrama não foi entregue ao destinatário conforme comprovante dos Correios. O que tornou indevida a rescisão unilateral do contrato de compra e venda de imóvel promovida pela construtora, restando demonstrada sua responsabilidade quanto ao dano sofrido pelo comprador, em razão do erro cometido pela mesma suficiente para causar abalos na esfera psíquica do promissário comprador, gerando o dever de indenizar.
O desembargador considerou que o valor arbitrado na origem de R$ 5 mil comporta majoração para R$ 10 mil. “Quantia que reputo adequada para reparar o dano suportado pela parte autora sem culminar em enriquecimento indevido”, diz trecho do voto. O desembargador reconhece a falha na prestação do serviço (falta de notificação da rescisão contratual), mas pondera que o contrato de aluguel trazido aos autos é anterior ao contrato entabulado entre as partes, não tendo, portanto, o que falar em condenação em danos materiais. “Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo interposto pela construtora, para reformar o ato sentencial, afastando a condenação por danos materiais; e provejo parcialmente o recurso interposto pelo comprador, para reformar a decisão de Primeiro Grau para majorar a condenação a título de danos morais para R$ 10 mil, mantendo inalterados os demais termos da sentença”, conclui.
Veja o acórdão.
Processo nº 0034185-70.2014.8.11.0041