O juiz Bruno Montenegro Ribeiro Dantas, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Natal, determinou a nulidade de processo administrativo instaurado pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran/RN) contra motorista que foi atuado por dirigir sob a influência de álcool tendo como fundamento a recusa do teste do bafômetro, sem outros elementos que demonstrassem o comprometimento da capacidade psicomotora do condutor.
A determinação atendeu a Mandado de Segurança impetrado pelo autor. A sentença também anulou os efeitos e penalidades decorrentes do processo administrativo, como a aplicação de multa, a suspensão do direito de dirigir, a anotação de pontuação e a entrega da CNH.
O caso
O autor alegou que, no dia 11 de fevereiro de 2012, foi indevidamente autuado pela Polícia Rodoviária Estadual por dirigir sob a influência de álcool, nos termos do artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, em virtude de ter optado por não realizar o teste de alcoolemia, muito embora não apresentasse sinais de embriaguez, conforme se observa no auto de infração.
O impetrante disse que foi instaurado Processo Administrativo sem observância do direito de ampla defesa, no qual foi proferida decisão, em março de 2013, a qual aplicou a penalidade de suspensão do direito de dirigir pelo prazo de 12 meses, tendo sido publicada em agosto de 2014. Assim, requereu, em sede de liminar, a invalidade/nulidade do ato coator, com a consequente suspensão da penalidade administrativa.
A liminar foi deferida parcialmente, considerando que o impetrante já teria cumprido o prazo da penalidade administrativa de suspensão do direito de dirigir.
Por sua vez, o Detran alegou que foi dado o direito de defesa ao impetrante e que a penalidade imposta não foi cumprida, pois o impetrante retirou a sua CNH do Detran, fazendo uso desta, a partir de então. Argumenta que o ato coator guardou conformidade com o disposto nos artigos 165 e 277 do Código de Trânsito Brasileiro, tendo o ente público agido no exercício regular de direito. O órgão de trânsito pediu ainda a revogação da decisão interlocutória, para que o autor cumpra a penalidade a ele imposta pelo Detran/RN.
Decisão
Ao analisar os autos, o juiz Bruno Montenegro aponta que o cerne da questão é a análise da existência de ilegalidade no processo administrativo no qual teria havido supressão do direito de defesa do impetrante e a aplicação de penalidade a este, a despeito da inexistência de provas de sua embriaguez.
O magistrado observou a redação dos artigos 165 e 277 do Código de Trânsito Brasileiro à época dos fatos e entendeu que “o condutor de veículo automotor que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar o seu estado”.
Bruno Montenegro afirma que em que pese a negativa do autor em se submeter ao teste do bafômetro, esse não se afigura como o único método hábil para atestar o estado de embriaguez. O juiz verificou que o auto de infração apenas faz menção à recusa em realizar o teste de alcoolemia, nada mencionando sobre as circunstâncias que levaram a suspeita acerca da influência de álcool que supostamente acometia o impetrante.
“O artigo 277, conforme já mencionado, elenca outros meios, além do teste de alcoolemia, aptos à verificação da influência de álcool no condutor, de modo que, em casos nos quais há a recusa de submissão ao teste do bafômetro, a Administração deve tomar especial cuidado na autuação, sob pena de infringir garantias e princípios constitucionais que desaguam, inevitavelmente, na nulidade do ato administrativo”, anotou.
O juiz destaca que apesar do relevante interesse na redução dos acidentes de trânsito causados pela embriaguez, não se pode superar as formalidades mínimas para a certificação do estado do condutor para a imposição da penalidade pertinente.
Bruno Montenegro entendeu que a recusa à realização do teste do bafômetro não se equipara à prova de embriaguez, pois os sinais de comprometimento da capacidade psicomotora poderiam facilmente ser verificados através de exame clínico ou constatação, pelo agente de trânsito, de um conjunto de sinais que comprovassem a situação da alteração do condutor.
Direito de não autoincriminação
O magistrado também teceu considerações sobre o exercício do direito de não autoincriminação, afirmando que ele não pode conduzir a qualquer prejuízo ou presunção em seu desfavor, desde que não haja outras provas de sua conduta ilícita.
“Um direito tutelado constitucionalmente e com lastro, inclusive, na Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, não pode ser tolhido peremptoriamente pela previsão, veja só, de uma punição decorrente do seu mero exercício. Esse cenário, a meu sentir, conduz ao pantanoso terreno da inconstitucionalidade, esvaziando o próprio direito e seus desdobramentos”.
O julgador observa que a penalidade prevista no tipo administrativo – multa e suspensão do direito de dirigir – é igual àquela aplicada para penalizar o condutor que comprovadamente conduz veículo sob influência de álcool ou substância psicoativa. “Diante disso, justificar a punição como meramente administrativa traduz situação teratológica. É dizer: tenho assegurado o direito à não autoincriminação. Entretanto, para exercê-lo, submeter-me-ei à severa punição, além de poder sofrer agravo em minha liberdade de locomoção”.
Processo nº 0853386-87.2015.8.20.5001