TJ/RS: Inválidos dispositivos da lei municipal sobre aplicativos de transporte

O Órgão Especial do TJ/RS julgou parcialmente procedente ação que questionava a constitucionalidade de artigos da Lei Municipal de Porto Alegre que trata dos aplicativos de transporte de passageiros remunerado. Foram considerados inconstitucionais 18 dispositivos. A decisão é desta segunda-feira (24/6).
Caso
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) foi proposta pelo Partido Novo contra os artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 9º, 11, inciso II, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, 13, caput e parágrafos 1º e 2º, 14, 17, inciso II, 22,25,34 e 39, da Lei Municipal de POA nº 12.162/2016.
A legislação dispõe sobre o serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros na categoria “Aplicações de Internet”, bem como as alterações sofridas em razão da edição da Lei Municipal nº 12.423/2018.
Segundo o autor, as normas impõem a necessidade de autorização e validação para a prestação do serviço, compartilhamento de dados e informações, instituição da Taxa de Gerenciamento Operacional (TGO), vedação ao pagamento em dinheiro, seguro RCF-V, limite de idade veicular, exigência de emplacamento em Porto Alegre para exercício da atividade e vistoria pela EPTC, violando dispositivos das Constituições Federal e Estadual. Destaca também que os motoristas que se utilizam de aplicativos prestam modalidade de serviço de transporte disciplinado pela Lei Federal nº 12.587/2012, que instituiu a política de Mobilidade Urbana, sendo diferenciado dos demais serviços de transporte, por ser individual e privado.
A ação foi proposta em 2017. Na ocasião, a Desembargadora do Órgão Especial Ana Paula Dalbosco concedeu liminar suspendendo os artigos questionados pelo Partido Novo, até o julgamento do mérito.
Após o ajuizamento da demanda, foi publicada a Lei Municipal 12.423/2018, a qual revogou alguns dispositivos da Lei 12.162/2016, em especial os artigos 11, inciso II, alínea “c” e 13, bem como alterou a redação dos artigos 9º, para possibilitar o pagamento do serviço também por meio de dinheiro.
Voto da Relatora
A relatora do processo, Desembargadora Marilene Bonzanini, julgou parcialmente procedente a ação, considerando inconstitucionais algumas das normas questionadas pelo Partido Novo.
A magistrada destacou que “a qualificação de um serviço como de interesse público não significa torna-lo serviço público em sentido estrito”.
A julgadora considerou que a subordinação do exercício do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros à prévia autorização do poder público local, a ser concedida pela EPTC, com necessidade de renovação anual, por meio de vistoria, bem assim a eventual imposição de sanção aos particulares que forem flagrados exercendo a referida atividade sem autorização, “não conflita com valores sociais do trabalho, muito menos viola os princípios da livre iniciativa e concorrência”.
“É da qualificação de uma atividade como de interesse público que surge a necessidade de prévia autorização para que os particulares possam realizá-la. Autorização essa que não está relacionada, como pretende fazer crer o proponente, com a concessão de serviços públicos, porque de tal não se trata, mas radica no poder de polícia.”
Com relação à Taxa de Cobrança de Gerenciamento (TGO), a magistrada afirmou a constitucionalidade destacando que foi instituída em razão do poder de polícia previsto, relativo à fiscalização do serviço dentro do limite territorial.
“Quanto maior a quantidade de viagens a ser fiscalizada, maior será o custo do trabalho em averiguar o cumprimento das normas aplicadas à espécie.”
Sobre o compartilhamento de dados, a relatora afirmou que a privacidade é protegida constitucionalmente. Além disso, “a transmissão dessas informações particularizadas ao poder público viola a proporcionalidade pois não é adequada ao fim que se destina, consistente na regulamentação do serviço de transporte em si, entre outros”.
Com relação à disponibilização no aplicativo de determinadas funcionalidades aos condutores dos veículos e exigência de emplacamento no Estado, a Desembargadora destaca que “o Município restringiu indevidamente tal liberdade, ditando como todos os aplicativos devem operar”. Para ela, a intervenção estatal deve ser mínima, preservando ao máximo a liberdade de iniciativa.
“Foge do controle estatal a forma como a atividade econômica será desenvolvida por cada empresa operadora do aplicativo. Há, pois, excesso no normativo municipal.”
Sobre exigência de emplacamento no Estado, “flagrante” é a sua inconstitucionalidade, por limitar injustificadamente a liberdade de trabalho e a livre iniciativa, além de contrariar a livre concorrência, afirma a relatora.
“O que se observa é o fim meramente arrecadatório do requisito, sem apresentar qualquer relação com a finalidade da própria norma municipal que busca regulamentar o serviço, em afronta ao princípio da razoabilidade.'”
No quesito Exigência de seguro contra danos a terceiros e idade veicular, a magistrada ressalta que é inconstitucional pois a norma federal estabelece a contratação dos seguros APP e DPVAT. A lei de POA acrescenta o seguro RCF-V como requisito para a prestação do serviço, o que restringe a atividade econômica para além do que foi estipulado no plano federal.
Sobre a idade veicular, ela frisa que tal exigência é desproporcional. “Se o veículo passará por vistoria anualmente, momento em que são averiguados parâmetros de segurança, conforto e higiene, não há justificativa para estabelecer previamente um patamar em relação ao seu tempo de utilização.”
Assim, conforme o voto da relatora: foram extintos em parte, sem resolução de mérito, por perda do objeto, os arts 9º, 11, II, “c” e 13, da Lei Municipal 12.162/2016 e foram declarados inconstitucionais os artigos 3º, 5º, parágrafo 1º, incisos VIII, X e XI e parágrafo 4º, art. 11, inciso II, alíneas ¿a¿ e ¿b¿, arts 14 e 17, inciso II, da Lei Municipal nº 12.162/2016.
Voto Divergente
O Desembargador Francisco José Moesch, proferiu voto divergente da relatora. Ele destacou o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 449 e do Recurso Extraordinário nº 1054110, pelo Supremo Tribunal Federal, no dia 8/5/2019. Na ocasião foram aprovadas as seguintes teses: 1- “A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência”; 2- “No exercício de sua competência para a regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal (Constituição Federal, art. 22, inciso XI)”.
O magistrado divergiu da relatora considerando também inconstitucionais, além dos já mencionados na decisão da Desembargadora, o art. 2º que determina que a exploração do serviço de transporte por aplicativo dependerá de autorização prévia da EPTC; o artigo 4º, que prevê a Taxa de Cobrança de Gerenciamento (TGO); o art. 22 que prevê infração para motorista que executar o serviço sem autorização; e o art. 39 que dispõe que a autorização para exploração do serviço será válida, inicialmente, por até 18 meses.
No primeiro ponto, o Desembargador Moesch afirmou que a exigência de autorização prévia e de vistoria do veículo acaba por equiparar a atividade de transporte privado individual à atividade de transporte público individual. Ressaltou que o Município ultrapassou os limites que o poder público tem de regular e fiscalizar a atividade econômica.
“Muito embora o Município tenha competência para regular e fiscalizar a prestação do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiro, ao subordinar o exercício de atividade privada à prévia autorização de poder público local e exigir vistoria dos veículos, acaba por violar os princípios da livre iniciativa e livre concorrência.”
Decisão
O voto divergente do Desembargador Moesch foi acompanhado pela maioria dos Desembargadores do Órgão Especial.
Assim, fica declarada a inconstitucionalidade dos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, parágrafo 1º, incisos VIII, X e XI, e parágrafo 4º, 11, inciso II, alíneas “a”, “b” e “d”, 14, 17, inciso II, 22 e 39, todos da Lei Municipal de POA nº 12.162/2016.
Processo nº 70075503433


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