TRF-2 exige depósito R$ 18 milhões para liberar bens

Vitório Tedeschi, empresário preso em agosto de 2005 na Operação Roupa Suja acusado de fraudar licitações para a venda de insumos usados na produção de remédios e retrovirais (coquetel de remédios contra a AIDS), se mostrou disposto a depositar em juízo o valor pago por órgãos públicos nas nove licitações fraudadas, para desbloquear seus bens móveis e imóveis sequestrados judicialmente.

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) concordou com o pedido e apresentou o valor da fatura: R$ 18,3 milhões. A conta é maior do que o pretendido pelo empresário condenado a 19 anos e um mês de reclusão, porque o desembargador federal Abel Gomes somou aos valores pagos pelos órgãos públicos nas licitações fraudadas as multas impostas na sentença judicial. Na totalização, porém, não consta a possível correção monetária dos últimos seis anos.

O empresário, que entre os bens arrestados tem um apartamento na Avenida Vieira Souto avaliado, segundo sua advogada Ilcelene Valente Bottari, em mais de R$ 30 milhões, ainda não decidiu se aceita depositar o que foi determinado.

Tedeschi e seu sócio Altineu Pires Coutinho (pai do deputado estadual Altineu Côrtes Freitas Coutinho, do PR-RJ), também condenado a 13 anos, estavam entre os 12 presos da operação promovida pelo Ministério Público Federal e a Polícia Federal. Foram acusados de formarem duas quadrilhas responsáveis pelas fraudes nas licitações para aquisição dos insumos e também de serviços de lavanderia de hospitais da cidade do Rio de Janeiro, o que motivou o nome “Roupa Suja”.

Dois processos
Em setembro daquele mesmo ano, os procuradores da República Carlos Alberto Aguiar e José Augusto Simões Vagos denunciaram 28 envolvidos nas fraudes. Entre os acusados estavam nove empresários, alguns de seus prepostos, quatro servidores da Secretaria Municipal de Saúde do Rio, um da Fundação Oswaldo Cruz, o presidente do Laboratório Estadual Iquego (laboratório oficial do estado de Goiás), Darci Accorsi e um de seus assessores.

Como os dois empresários foram os que mais tempo permaneceram presos, em dezembro de 2005 o juiz da 4ª Vara Federal Criminal promoveu o desmembramento do processo originário (2005.51.01.515714-0) de forma a permitir maior agilidade do julgamento dos dois. Eles foram soltos posteriormente por decisão do Superior Tribunal de Justiça. Outro desmembramento, em janeiro de 2006, foi da acusação contra o chinês Gao Jingdong, dono da empresa Xiamen Mchen, fornecedora de insumos hospitalares. Este, atualmente na China, mesmo citado por edital, jamais se manifestou nos autos nem constituiu advogado, o que fez com que a Ação Penal fosse suspensa.

No processo principal ficaram, portanto, 25 réus. A sentença foi dada em janeiro passado pelo juiz auxiliar da 4ª Vara, Vlamir Costa Magalhães, que absolveu das acusações sete dos réus, entre os quais quatro servidores da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Entre os 18 condenados, as penas maiores foram para Flávio Garcia da Silva, gerente da Brasilvit, firma de Tedeschi, 8 anos, 4 meses detenção e 10 anos de reclusão, além de 332 dias-multa, e Accorsi, o presidente do Laboratório Iquego, 9 anos 6 meses reclusão, além de 310 dias multa e da perda do cargo público. O dia-multa foi estipulado em dois salários mínimos vigentes na época dos fatos.

A todos os condenados foi dado o direito de recorrer em liberdade, exceção apenas ao empresário Premanandam Modapohala, proprietário das empresas Aroubindo e AB Farmoquímica, condenado a 5 anos e 9 meses de detenção. Durante a tramitação do processo, ele teve autorização para viajar ao exterior e jamais se reapresentou, estando em local desconhecido. Isto fez o juiz Costa Magalhães decretar sua prisão levando em conta a sua “notória intenção de escapar da aplicação da lei penal e o reiterado desrespeito determinações deste Juízo”.

Duas sentenças
Na Ação Penal contra Tedeschi e Coutinho (2005.51.01.523708-0) houve duas sentenças condenatórias, uma vez que o TRF-2 anulou a primeira decisão, de agosto de 2006, por entender que ela “não enfrentava, de fato, todas as imputações feitas e as teses defensivas em relação a elas, bem como não explicitou a situação dos bens que, inclusive, estavam submetidos a arresto cautelar”, como afirmou o relator do caso no TRF-2, desembargador federal Abel Gomes.

Na segunda sentença, em julho de 2009, o julgamento acabou sendo mais pesado. Na primeira, Coutinho, recebeu pena de seis anos de reclusão e pagamento de 216 dias-multa pelos crimes de corrupção. Na nova, como o juiz levou em conta fatos não considerados na anterior, a condenação por estes crimes aumentou para sete anos, quatro meses e 20 dias de reclusão e 280 dias-multa. Já no caso de Tedeschi ocorreu o inverso e a pena de oito anos, 10 meses de reclusão e pagamento de 336 dias-multa caiu para sete anos, quatro meses e 20 dias de reclusão e pagamento de 280 dias multa.

A Apelação Criminal não tinha modificado as penas da segunda sentença, o que fez com que os réus ingressassem com Embargos de Declaração alegando, entre outras queixas, o chamado reformatio in pejus, ou seja, um prejuízo aos acusados em recurso impetrados pela sua defesa. Isto levou o desembargador Abel Gomes, ao julgar os Embargos, rever a posição que tomara na Apelação Criminal mantendo a pena mais alta para Coutinho. Ele, nos Embargos de Declaração, manteve “toda a fundamentação e classificação jurídica dos crimes dada na segunda sentença e no voto-condutor, mas, a fim de não incorrer no reformatio in pejus” adotou a pena menor pelos crimes de corrupção ativa.

Com isto, Coutinho está condenado em 13 anos, sendo quatro anos e oito meses de detenção e oito anos e quatro meses de reclusão; pagamento de 280 (duzentos e oitenta) dias-multa no valor unitário de três salários-mínimos e pagamento de 2% do valor dos contratos relativos aos pregões 173/2004 do Ministério da Saúde — compra de pulverizadores e nebulizadores; 7/2005 do INCL e 1/2005 do INTO.

Para Tedeschi a pena não sofreu modificação: 19 anos e um mês — sendo nove anos e cinco meses de detenção e o restante de reclusão — e pagamento de 280 dias-multa no valor unitário de três salários-mínimos, mais 2% do valor dos nove contratos relativos aos pregões fraudados.

Em todo o processo, como frisou no voto o relator da Apelação Criminal, ficou claro que “o acusado Vittorio Tedeschi foi apontado como um dos líderes de quadrilha formada, sobretudo, para fraudar licitações públicas, sendo sempre um dos principais beneficiários do esquema criminoso. Para tanto, ainda em resumo da denúncia, deixaria a maior parte da execução dos crimes a cargo de seus subordinados, mais ainda evidenciando ser o mentor intelectual dos crimes”.

Superfaturamento
Os dois empresários, sócios em algumas empresas, com base nos autos, além dos crimes de corrupção e formação de quadrilha — classificada pelo relator como “organização criminosa” —, “foram condenados por terem violado o princípio da isonomia que rege as licitações, fazendo ajustes sobre os vencedores de certames e elevando preços arbitrariamente, inclusive com pagamento de vantagem a agentes públicos”.

Eles, portanto, feriram os artigos, 90 (frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação) e 96, inciso I (fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente: I — elevando arbitrariamente os preços) da Lei 8.666/93, que rege as licitações públicas.

Um exemplo claro deste tipo de “entendimento” que os empresários faziam ocorreu na licitação do Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe) para a compra de Ganciclovir. Houve um entendimento entre as firmas Brasvit Indústria e Comércio Ltda, de Tedeschi, e a Pharmanostra Comercial Ltda., dos empresários Ronaldo Alexandre Fonseca e César Augusto Alexandre Fonseca. Pelo entendimento, a Pharmanostra não daria preço baixo, permitindo que a Brasvit ganhasse a licitação e esta garantiria à concorrente o fornecimento de 50% da encomenda, pelo preço conquistado no pregão. Com a ausência de concorrência, o preço cobrado foi elevado. O insumo que poderia ser comprado pelo laboratório estatal a R$ 3,3 mil o quilo, acabou sendo adquirido por R$ 7,6 mil, isto é, 130% mais caro.

Embora sócio de Tedeschi em empresas que forneciam insumos para a fabricação de medicamentos, Coutinho tinha maior participação nas fraudes dos preços para lavagem da roupa hospitalar. Ele é apontado como o coordenador dos acertos praticados por lavanderias que contavam com o beneplácito até do Sindicato de Empresas de Lavanderia do Rio de Janeiro (Sindilav).

Este, em carta endereçada às suas associadas, comentando a proposta de dividirem entre si os hospitais do Rio, advertiu: “Qualquer acordo só é bom quando todos ficam satisfeitos (…). Querer uma divisão baseada em quilos é irreal e absurda (…). Minha sugestão é que todos apresentem suas pretensões, informem o que tem e gostariam de manter, descubram o que desejam a LÓGICA e a PROLAV, e, aí sim, iniciem as negociações com o objetivo de chegar-se a um meio termo bom e justo para todos.” Lógica e Prolav eram duas outras empresas do esquema de fraude nas licitações, cujos donos também foram denunciados.

Os donos de lavanderia, em 28 de junho de 2005, reuniram-se no restaurante Rei do Bacalhau, na Ilha do Governador (Zona Norte do Rio) para discutirem o pagamento de propina (R$ 20 mil de cada empresa) solicitado por servidores da Secretaria Municipal de Saúde, que ameaçavam retaliarem aquelas que não pagassem, de acordo com o MPF. O que eles não sabiam é que o encontro foi acompanhado e fotografado por agentes da Polícia Federal.

O encontro
Os detalhes deste encontro foram repassados em juízo por Antônio Augusto Meneses Teixeira, empregado de Coutinho na empresa Brasil Sul. Segundo ele, Coutinho “estava na reunião do Rei do Bacalhau e presenciou os debates sobre o pagamento ou não do valor exigido pelo servidor público (…) que diante da exposição de José Otávio [José Otavio Kudsi Macedo, um dos acusados, dono da lavanderia Ferlim], que apresentou as retaliações que as empresas poderiam vir a sofrer, caso não efetuassem o pagamento, todos os representantes das empresas que se encontravam no restaurante concordaram com o pagamento, inclusive Altineu”.

Três dias após esta reunião no Rei do Bacalhau, foi elaborado parecer, datado de 1º de julho de 2005, no qual houve a justificativa pela prorrogação dos contratos de lavanderia dos hospitais pelo prazo de um ano, com um aumento do preço de 4%, o que foi aprovado pelo então subsecretário municipal de Saúde.

O esquema de acerto entre as lavanderias que atendiam aos Hospitais do Rio de Janeiro ficou provado não apenas nas escutas telefônicas feita pela Polícia Federal — cujas autorizações judiciais foram dadas e renovadas por seis juízes diferentes —, mas também em documentos apreendidos na sede da Brasil Sul, de Coutinho, quando da Operação Roupa Suja. Tal documentação foi citada na sentença da 4ª Vara Federal e reprisada no voto do desembargador-relator, nos seguintes termos:
“Toda esta realidade emanada das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas é confirmada pelo farto material advindo da busca realizada na sede da empresa Brasil Sul, em que se logrou apreender os documentos importantes (cf. anexos I/IV) que, em suma, revelam:

I — o resultado da licitação da Secretaria Municipal de Saúde, em que se denota que as empresas Lido, Brasil Sul, Prolav, Lógica, Acqualimp, São Sebastião e Ferlim dominam o serviço de lavanderia prestado a hospitais públicos do município do Rio de Janeiro, tendo vencido 30 licitações, sempre com preços muito assemelhados;

II — fac-símile sugerindo um “acordo possível, viável e justo” com as empresas Brasil Sul, São Sebastião, Ferlim, Lógica, Prolav, Lido e Acqualimp, finalizado com a seguinte menção: “a decisão é dos senhores: aumentar o peso e faturamento ou perder muito dinheiro com disputas que afetarão também as áreas Federal e Estadual” (vide fls. 4615/4617);

III — tabela de 2003, contendo o campo denominado “Lotes”, onde são distribuídos os hospitais públicos por empresa (Brasil Sul, São Sebastião, Ferlim, Lógica, Prolav, Lido e Acqualimp); o campo “Quilos”; o campo “Preço cotado” (variando entre 3.62 a 3.66 por quilo); e o campo denominado “Preço de cobertura”, onde há anotações sugerindo “Não cotar”. São referidas licitações de trinta e um hospitais. Vide rf. fls. 4619/4621;

IV — tabelas contendo preços dos serviços prestados, por hospital, pelas empresas Brasil Sul, Lógica, Ferlim, Lido, Acqualimp, São Sebastião e Prolav. Na planilha referente à empresa Lido consta a seguinte observação: “a Brasil Sul dará cobertura no Marcílio Dias retirando ou trocando a proposta”.

Sequestro de bens
A sentença de primeira instância, segundo destacou o desembargador-relator, “ratificou o sequestro de todos os bens abrangidos pelas decisões cautelares nesse sentido já prolatadas anteriormente pelo Juízo. Na mesma oportunidade, foi decretada a perda em favor da União de todos os bens apreendidos e sequestrados que tenham sido adquiridos, pelos réus e pelas empresas que possuem, segundo referência nos autos, após dezembro de 2004. E, ainda, foi decretado de ofício o sequestro dos bens apreendidos remanescentes (adquiridos anteriormente a dezembro de 2004), desde que já não estivessem abrangidos por decisões cautelares no mesmo sentido”.

Na Apelação, a 1ª Turma do TRF-2 manteve esta decisão “considerando que os fatos remontam a 2004, e que não se está diante de valores para perdimentos que estejam a essa altura líquidos, é preciso realmente que se mantenha a cautela sobre os bens dos acusados para que não venham a ser dilapidados, frustrando, assim, o perdimento”. Desta forma, manteve-se “o sequestro de todos os bens imóveis e dos valores em contas e aplicações financeiras dos acusados e de empresas por eles titularizadas, adquiridos posteriormente a 2004”.

O voto do relator, aprovado à unanimidade, também reafirmou “o sequestro de todos os bens móveis, inclusive obras de arte, joias, automóveis e ações, sem o mesmo limite temporal do parágrafo acima, mantendo-se apenas a liberação de uma conta corrente para a movimentação e manutenção ordinária dos acusados, afeta aos ganhos obtidos com suas atividades profissionais ou econômicas lícitas, desenvolvidas da data do recebimento da denúncia para cá. Quanto a valores mantidos em contas correntes e aplicações financeiras, esclareça-se que devem ser sequestrados todos aqueles que já existiam desde o ano de 2004”.

Nos Embargos de Declaração, a defesa de Tedeschi, na época a cargo do advogado Arthur Lavigne, alegou que foram “restringidos direitos que valem mais que o valor total de todas as licitações supostamente fraudadas”. Por isto que seu antigo defensor, mesmo que em Embargos de Declarações, reivindicou que fosse calculado um valor máximo a ser restituído pelos condenados ao erário, propondo que ele correspondesse às quantias despendidas pelos laboratórios em cada uma das licitações consideradas fraudulentas, “independentemente do custo dos produtos adquiridos”.

O pedido, embora impróprio em Embargos de Declarações — “uma vez que não se trata de omissão ou contradição do julgado” — foi acatado pelo desembargador-relator no que ele denominou de “Questão de Ordem de Ofício”. Para ele, a medida é adequada “tanto à continuidade das atividades empresariais dos acusados quanto aos fins da medida cautelar, de ressarcimento do prejuízo causado pelo crime, até porque o depósito em dinheiro já facilitaria a própria execução dessa parte do julgado”.

Ele, porém, não se limitou ao valor nominal dos contratos firmados cinco anos atrás, após as licitações fraudadas, que totalizariam R$ 17.124.078,29. A este valor acrescentou as multas de 2% determinadas na sentença pelos crimes previstos nos artigos 90 e 96, inciso I da Lei 8.666/93, totalizando mais 4%. Somou ainda os 280 dias-multa a que os dois réus foram condenados individualmente, no valor de três salários mínimos cada dia-multa, o que correspondeu ao total de R$ 457,8 mil para cada um deles. Com isto, o depósito judicial estipulado pelo desembargador atingiu os R$ 18.392.740,89 no total.

Se, por um lado, o cálculo foi feito com os valores despendidos pelos órgãos públicos, sem se ater ao preço real dos produtos fornecidos, por outro ele não levou em conta a correção monetária dos seis anos decorridos desde a data dos pagamentos. Pela decisão adotada pela 1ª Turma do TRF-2, se o depósito for feito em conta judicial remunerada à disposição da 4ª Vara Federal Criminal, o sequestro e arresto dos bens de todos os acusados serão levantados.

No início da semana, a advogada Ilcelene dizia que ainda não havia decidido junto com seu cliente se o pagamento será realmente feito. Alegava, que o que foi determinado “é muito superior aos valores totais das licitações. Não foram descontados os serviços realmente prestados. Até hoje não se quantificou o prejuízo, porque afinal de contas os serviços foram prestados”. Garantiu, porém, que será necessário “liberar bens para que este depósito se torne realidade” uma vez que, por conta do próprio sequestro, seu cliente não dispõe de valor tão alto.

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