O presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, desembargador Luiz Alberto Gurgel de Faria, suspendeu a liminar que determinava nova correção das provas de todos os candidatos da subseção Judiciária de Fortaleza reprovados na segunda fase do Exame da OAB. A 4ª Vara Federal do Ceará havia determinado que a Fundação Getúlio Vargas fizesse nova correção dos exames. A Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal do Ceará em 4 de janeiro. A OAB recorreu e derrubou a liminar nesta terça-feira (18/1), até o exame do mérito do processo.
Em seu despacho, o desembargador acatou o argumento de que uma nova correção das provas poderia “causar lesão à ordem pública” devido aos transtornos que poderia passar a OAB na tentativa de cumprir a decisão judicial. O presidente do TRF-5 diz ainda que a Ordem precisaria mobilizar toda sua estrutura para corrigir as provas de candidatos reprovados.
Luiz Alberto Gurgel de Faria afirmou também que a decisão poderia causar insegurança nestes mesmos candidatos reprovados, uma vez que, “diante da situação indefinida que se lhes apresentará, principalmente se levado em consideração que um novo Edital (2010.3) já foi publicado, de modo que o cronograma de aplicação das provas e divulgação dos resultados da próxima avaliação da OAB há de ser preservado e cumprido sem qualquer interferência, sob pena de ocorrência de eventual tumulto, tendo em vista a abrangência nacional de tal Exame”.
A Subseção Judiciária de Fortaleza compreende os municípios de Acarape, Aquiraz, Aracoiaba, Aratiba, Apuiarés, Barreira, Baturité, Capistrano, Caridade, Cascavel, Caucaia, Chorozinho, Eusébio, Fortaleza, General Sampaio, Guaiúba, Gauramiranga, Horizonte, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape, Mulungu, Ocara, Pacajus, Pacatuba, Pacoti, Palmácia, Paracuru, Paraipaba, Paramoti, Pentecoste, Pindoretama, Redenção, São Gonçalo do Amarante, São Luís do Curu, Tururu e Umirim.
O Exame 2010.2, o 42º da história da OAB, culminou com a reprovação de 88% dos 107 mil candidatos. Cerca de 47 mil candidatos chegaram à segunda fase. A correção da prova foi alvo de críticas tanto de professores de cursinhos preparatórios quanto de estudantes. O posicionamento deles foi endossado pelo MPF. Na Ação Civil Pública, o órgão alegou que a correção careceu de objetividade e de justiça, além de não ter respeitado o gabarito. O autor do processo chegou a pedir que o resultado da segunda fase não fosse divulgado. O Conselho Federal decidiu publicá-lo sem aguardar a manifestação do juiz da causa. Em vez de divulgá-lo na sexta-feira (14/1) como previsto, antecipou para quarta-feira (12/1).
Para o MPF, a banca examinadora não observou o Provimento 136, de 2009, que disciplina, dentre outros pontos, o que deve ser avaliado na correção. “Na prova prático-profissional”, estabelece o artigo 6º, parágrafo 3º, do dispositivo, “os examinadores avaliarão o raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada”.
No entanto, a FGV mudou, no meio da prova, os critérios de correção com a intenção de torná-la menos subjetiva. “Não possui, pois, qualquer respaldo jurídico a realização, no curso do Exame e sem prévia ciência dos interessados, de uma modificação interpretativa e operacional dessa ordem, impactando justamente sobre os critérios de correção da prova prático-profissional estipulados no início do procedimento examinatório”, concluiu o juiz federal substituto que responde pela 4ª Vara Federal, Marcus Vinícius Rebouças.
Rebouças acolheu o argumento do autor do MPF. “Mostra-se, a meu sentir, robustamente intuitivo que a mecânica de correção particularmente adotada pela FGV, em descompasso com a sistemática estatuída, pode, em tese, ter contribuído, de fato, para a reprovação de muitos candidatos”.
Os candidatos pagam uma taxa de R$ 200 para participar do Exame da OAB. Sobre o tema, o juiz federal escreveu que “esses candidatos […] têm direito à recorreção de suas provas prático-profissionais, considerando-se, dessa feita, rigorosamente, os critérios estritamente delineados no artigo 6º, parágrafo 3º, do Provimento 136/2009”. Segundo Rebouças, a nova correção, “por mais trabalhosa ou onerosa que seja”, visa ao restabelecimento da legalidade e da segurança jurídica.
O MPF alegou que a análise dos espelhos divulgados revelou a inexistência de anotações quanto às pontuações obtidas na correção gramatical, raciocínio jurídico, capacidade de interpretação e exposição e técnica profissional.
Depois de uma série de complicações com os espelhos, o presidente da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, chegou a cogitar uma nova correção, em 8 de dezembro de 2010. Porém, voltou atrás com a justificativa de que os equívocos se deram em decorrência de erros de digitação dos pontos nos espelhos.
A decisão tem como intenção, como lembra Rebouças, examinar os elementos extrínsecos e formais do ato administrativo. Ele ressaltou que “caso o julgador substituísse os critérios de correção manejados pelos corretores por outros que ele próprio entendesse cabíveis, estar-se-ia diante de um agigantamento injustificado da função jurisdicional, haja vista que o juiz, atuando fora dos limites da legalidade lato sensu, estaria a usurpar função pertencente, com exclusividade, ao administrador, afrontando a separação tripartite dos poderes republicanos”.
Leia o despacho do presidente do TRF-5:
Em 18/01/2011 16:34
Despacho do Desembargador(a) Federal Presidente
[Guia: 2011.000060] (M5586)
DECISÃO
Cuida-se de pedido de suspensão de liminar concedida, em parte, pelo Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, nos autos da ação civil pública nº 0014822-16.2010.4.05.8100, para efeito de, no tocante ao Exame de Ordem Unificado 2010.2, compelir o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a Fundação Getúlio Vargas a:
1) recorrigirem, em prazo razoável, com base nos parâmetros do art. 6º, §3º, do Provimento nº 136/2009 da OAB, e dos itens 3.5.1.1 e 5.7 do Edital, as provas prático-profissionais de todos os candidatos1 que, aprovados na 1ª fase, foram reprovados na 2ª fase, mesmo que eventualmente tenham recorrido e, nesse caso, desde que seu recurso administrativo não tenha sido provido ou tenha sido provido com a concessão de pontuação insuficiente para assegurar sua aprovação no referido Exame; e
2) realizarem a divulgação dos espelhos de todas as provas recorrigidas e concederem prazo para a interposição de eventuais novos recursos administrativos, apreciando-os regularmente, com obediência, para tanto, no que for cabível, a liturgia operacional já disciplinada nos itens 5.1.1, 5.2, 5.2.1 e 5.3 do Edital, dentre outras normas porventura aplicáveis.
O requerente defende, em síntese, a ocorrência do efeito multiplicador da demanda, uma vez que o decisum impugnado abrirá precedente para o ajuizamento de ações semelhantes (individuais ou coletivas), o que causará indiscutível insegurança jurídica. Atenta, ainda, para a concretização de grave lesão à ordem pública, na sua feição administrativa, bem assim à ordem jurídica e econômica.
No tocante à ordem jurídico-administrativa, destaca a natural dificuldade para recorrigir as provas prático-profissionais de todos os candidatos reprovados no Exame, inclusive daqueles que, ao serem reprovados na primeira etapa, abstiveram-se de apresentar recurso administrativo no tempo oportuno e que, com o deferimento da liminar, valer-se-ão de tal faculdade, o que comprometerá o funcionamento regular da Ordem dos Advogados do Brasil.
Aduz, em seguida, que a decisão atacada determina a recorreção das provas em prazo razoável, porém não define em que consiste essa razoabilidade. Por fim, no tocante ao dano financeiro, ressalta que a taxa de inscrição cobrada (R$ 200,00) não contempla os custos necessários à recorreção das provas, limitando-se a cobrir as despesas imprescindíveis à organização estrutural do Exame e das suas duas fases de aplicação, não dispondo a requerente, portanto, de condições financeiras para recorrigir ditas avaliações.
Passo a decidir.
A análise da questão a ser dirimida há de ser feita em perfeita sintonia com o objetivo da suspensão de segurança, que consiste em subtrair a eficácia de decisão desfavorável à Fazenda Pública quando presentes os seguintes requisitos: possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, nos termos do art. 4º da Lei nº 8.437/92. Destaque-se, outrossim, que o referido incidente processual não comporta o exame do mérito da controvérsia principal, o qual deverá ser promovido nos autos do feito originário ou mesmo em sede do recurso adequado. A medida excepcional, repita-se, deve ser manejada exclusivamente para se afastar a ameaça iminente de profunda lesão a um dos valores públicos tutelados por lei. Nesse sentido, vale transcrever a doutrina de Marcelo Abelha Rodrigues (in Suspensão de Segurança – Sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o Poder Público. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 96).
Nunca é demais repetir que o pedido de suspensão requerido ao presidente do tribunal não pretende a reforma ou anulação da decisão, o que significa dizer que, mesmo depois de concedida a medida, o conteúdo da decisão permanecerá incólume. As razões para se obter a sustação da eficácia da decisão não está no conteúdo jurídico ou antijurídico da decisão concedida, mas na sua potencialidade de lesão ao interesse público, como bem salientou o Min. Edson Vidigal no AgRg 39-SC (2003/018807-1) ao dizer que o “pedido de suspensão de liminar não possui natureza jurídica de recurso, ou seja, não propicia a devolução do conhecimento da matéria para eventual reforma.
Trata-se de um instrumento processual de cunho eminentemente cautelar, que tem por finalidade a obtenção de providência absolutamente drástica, excepcional e provisória. “No mesmo sentido, impõe-se conferir o magistério de César Arthur Cavalcanti de Carvalho (in O instituto da Suspensão da Decisão Judicial Contrária ao Poder Público – um instrumento de proteção do interesse público, Recife: Fundação Antônio dos Santos Abranches, 2008, p. 212), verbis: O presidente do tribunal não revoga ou modifica a decisão hostilizada, não realizando controle de legalidade ou justiça da decisão, mas sim assevera a presença do interesse público a impor a sustação. Trata-se de medida excepcional, drástica e provisória, aplicável obrigatoriamente de forma restrita.
Na hipótese de que se cuida, vislumbro a presença dos pressupostos legais. Com efeito, a possibilidade de grave lesão à ordem pública, aqui considerada na acepção ordem administrativa, decorre do desdobramento operacional do qual a Ordem dos Advogados do Brasil terá que se valer para recorrigir as provas prático-profissionais dos candidatos que foram reprovados no Exame, implicando, inquestionavelmente, transtornos de monta aos seus organizadores e ao funcionamento da Instituição, que se verá na tarefa de mobilizar toda uma estrutura para dar cumprimento à decisão judicial.
Afora isso, a insegurança dos candidatos que não obtiveram aprovação no Exame 2010.2 será patente, diante da situação indefinida que se lhes apresentará, principalmente se levado em consideração que um novo Edital (2010.3) já foi publicado3, de modo que o cronograma de aplicação das provas e divulgação dos resultados da próxima avaliação da OAB há de ser preservado e cumprido sem qualquer interferência, sob pena de ocorrência de eventual tumulto, tendo em vista a abrangência nacional de tal Exame.
À vista do exposto, DEFIRO a liminar para suspender os efeitos da medida concedida na Ação Civil Pública nº 0014822-16.2010.4.05.8100.
Comunique-se ao juízo a quo para cumprimento.
P. I.Recife, 18 de janeiro de 2011.
LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA
Presidente