No tocante à prova de labor rural, tem em vista a dificuldade de trabalhadores rurais comprovarem todo o período de atividade no campo, o Supremo Tribunal de Justiça adotou a solução pro misero, que conta com apreciação de prova material em conjunto com prova testemunhal produzida.
Esse foi o entendimento da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ao negar provimento à apelação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra a sentença, do Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Boa Vista/RR, e julgar procedente o pedido para conceder o benefício de salário-maternidade rural a uma segurada especial indígena, menor de dezesseis anos.
Ao analisar a hipótese, o relator, desembargador federal João Luiz de Souza, destacou que “tendo em conta as atividades rurícolas e de caça e pesca dos indígenas, o INSS vem reconhecendo seus direitos previdenciários na qualidade de segurados especiais. Entretanto, com base no Decreto 3.048/99, na Lei 8.213/91 e no art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, um dos requisitos impostos para filiação ao Regime de Previdência Social é ter a idade mínima de dezesseis anos.”.
Questão controversa, no que diz respeito ao caso, à possibilidade de reconhecimento da condição de segurado especial à indígena menor de dezesseis anos dada a inconstitucionalidade do trabalho aos menores de dezesseis anos.
De acordo com o magistrado, a questão deve ser analisada com observância da legislação referente aos direitos indígenas e com importância às peculiaridades culturais e sociais da comunidade citada. Salvaguardados na Lei 6.001/73, que dispõe sobre o Estatuto dos Índios, a eles são extensíveis as condições do Regime Geral de Previdência Social, sem prejuízo de suas especiais condições sociais, econômicas, culturais e de trabalho.
Consta dos autos que foi realizada perícia antropológica para esclarecimento sobre costumes da aldeia à que pertence a autora. Nos termos da referida perícia, o número de mulheres das etnias Macuxi e Wapixana que trabalham em atividade agrícola em regime de economia familiar é elevado, e as meninas são envolvidas na produção por volta dos seis anos de idade. A perícia constatou, ainda, que a vida sexual das meninas, na comunidade da autora, é iniciada precocemente logo após a primeira menarca, sendo comum a gestação antes dos dezesseis anos de idade.
Ficou entendido pelo relator que, “embora haja a proibição do trabalho de menores de 16 anos na Constituição Federal, in casu, não se pode interpretar a norma em desfavor das índias Macuxi e Wapixana, pois, é próprio dos usos e costumes daquela comunidade o exercício precoce de atividades laborativas, devendo ser adaptadas as normas à cultura indígena. Ademais, a vedação do art. 7º, XXXIII da CF/88 (na redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20, de 1998) é norma de garantia do trabalhador e visa a proteção da criança, não podendo ser usada em seu desfavor para impedir o reconhecimento de um direito, quando comprovado que, a despeito da norma protetiva, tenha o menor efetivamente trabalhado”.
Ainda segundo o relator, a autora comprovou sua condição de segurada especial durante o período de carência (10 meses antes do parto) mediante prova material, e o parto em data não alcançada pela prescrição impõe a manutenção da sentença que deferiu o pedido de concessão do benefício de salário-maternidade.
O Colegiado, acompanhando o voto do relator, negou provimento à apelação do INSS.
Processo n° 0005023-83.2011.4.01.4200/RR
Data do julgamento: 19/06/2019
Data da publicação: 08/07/2019