TRF1: Terras tradicionalmente ocupadas por indígenas não são passíveis de alienação ou desapropriação

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento ao recurso de dois fazendeiros contra a sentença, da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, que, em ação de indenização por desapropriação indireta em face da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai), objetivando o recebimento de indenização por desapropriação indireta das terras ocupadas pelos autores na Terra Indígena Escondido, com extensão de 7.900 hectares, no município de Cotriguaçu (MT), julgou improcedente o pedido. O entendimento da Turma foi o de que os títulos que comprovariam serem os autores donos das terras (dominiais) seriam inválidos por serem decorrentes da alienação de terras ocupadas “de forma imemorial, pelos indígenas do grupo Rikbaktsa, protegidas constitucionalmente desde 1934”.

Buscam os apelantes a condenação dos entes públicos, União e Funai, ao pagamento de perdas e danos consistentes no valor de mercado das terras que alegam serem de propriedade dos requerentes e que teriam sido esbulhadas e incorporadas à Terra Indígena Escondido, em favor dos Rikbaktsa.

Afirmam os recorrentes que adquiriram os títulos de propriedade de forma onerosa, com registro do título no órgão competente, assegurando-lhes o domínio das terras. Sustentam que a União teria violado o princípio do devido processo legal pela forma como expropriou terras deles. Acrescentam que a Funai teria atestado que na região não havia indígenas.

O relator, juiz federal convocado José Alexandre Franco, ao analisar a questão, explicou que as áreas em discussão foram originalmente alienadas pelo Governo do Estado de Mato Grosso na vigência da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela EC 1/69, mediante a “outorga de títulos definitivos de propriedade a terceiros particulares, havendo sucessivas alienações até a aquisição, pelos autores, em 28/09/1994”.

O magistrado destacou que foram anexados nos autos registros feitos pela perícia histórico-antropológica confirmando que as referidas áreas se inserem nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, ficando, assim, descaracterizado “aldeamento extinto”. “Os índios Rikbaktsa sempre exerceram ocupação do local, utilizando as terras para suas atividades produtivas, sendo também essenciais à preservação das condições necessárias à reprodução dessa sociedade, tanto do ponto de vista material como imaterial”, esclareceu o relator.

Portanto, sustentou o juiz federal convocado não haver dúvida de que a área de terras em questão, debatida nos autos, sempre foi ocupada por indígenas muito antes da titulação dada pelo Estado de Mato Grosso, não podendo, assim, cogitar sua caracterização como terras devolutas, de modo a se autorizar a apropriação dos terrenos pelos colonos e fazendeiros.

O relator explicou, também, que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas não são passíveis de alienação, sendo nula toda e qualquer outorga de títulos dominiais sobre os imóveis, uma vez que não perdem sua característica pela demora na sua demarcação, que tem efeito meramente declaratório.

Para concluir seu voto, o magistrado enfatizou que não se aplica ao caso a regra de direito privado por tratar-se de área constante como reserva indígena, devidamente demarcada desde 1994. Assim sendo, a nulidade dos títulos dominiais decorrente da aquisição ilegítima de imóveis afasta a incidência do instituto da desapropriação indireta. Isso porque¿”não está em jogo, propriamente, o conceito de posse nem de domínio no sentido civilista dos vocábulos por tratar-se do habitat de um povo”.

O Colegiado, acompanhando o voto do relator, negou provimento à apelação dos autores.

Processo: 0003431-73.2002.4.01.3600

Data do julgamento: 22/04/2020
Data da publicação: 23/4/2020


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