TRF4: Estado não pode negar pagamento de tratamento fora do domicílio para pacientes do SUS com base unicamente em falta de verba orçamentária

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou que o Estado de Santa Catarina não pode mais indeferir os pedidos de Tratamento Fora do Domicílio (TFD) interestaduais para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) que cumpram os requisitos legais pertinentes com base unicamente na falta de verba orçamentária do Estado. O acórdão da Turma Regional Suplementar de Santa Catarina ainda ordenou que o Estado catarinense pague à família de uma menor de idade, que sofria de insuficiência renal crônica, os valores desembolsados em diversas viagens, entre 2008 e 2009 de Biguaçu (SC) a Porto Alegre (RS), para a realização de tratamento da doença que não haviam sido pagas na época. A decisão foi tomada de forma unânime em sessão de julgamento do dia 16/10.

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, em maio de 2014, uma ação civil pública (ACP) contra a União Federal e o Estado de Santa Catarina.

O processo surgiu a partir de uma representação feita junto ao órgão ministerial pela mãe da menor J.L.R., residente de Biguaçu. Ela alegou que, embora lhe tenha sido autorizado o TFD pela Secretaria de Estado da Saúde de SC, em abril de 2007, para atendimento ambulatorial em Porto Alegre, foram-lhe negados os pagamentos referentes às viagens realizadas no período entre 2008 e 2009 do tratamento. O não pagamento teria sido justificado por indisponibilidade de recursos financeiros do órgão executor da política sanitária, no caso, o Estado catarinense.

Conforme os atestados médicos apresentados na ação, a menor apresentou diagnóstico de insuficiência renal crônica e passou por tratamento com diálise peritoneal ambulatorial contínua no Hospital Santa Casa de Misericórdia na capital gaúcha, inclusive sendo necessária a realização de transplante renal, sendo doadora a própria mãe da jovem.

O processo buscava garantir o pagamento das despesas de TFD a todos os usuários do SUS que cumprissem os requisitos legais pertinentes, independentemente da organização administrativa e da disponibilidade de recursos do órgão executor da medida.

O MPF também requisitou a condenação dos entes demandados a revisarem as negativas de pagamento de TFD interestadual e intraestadual por alegação de indisponibilidade de recursos a usuários do SUS, no âmbito do Estado de SC, para que efetuassem os pagamentos, inclusive em favor da menor J.L.R.

O autor da ACP argumentou que as demandas se fundamentavam pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso aos serviços de Saúde estabelecidos pela Constituição Federal.

O juízo da 2ª Vara Federal de Florianópolis, em outubro de 2016, negou o pedido genérico de condenação dos órgãos executores do SUS a disponibilizar TFD a pacientes que atendam requisitos legais, independentemente da existência de disponibilidade orçamentária do órgão.

No entanto, sobre o requerimento específico em favor da menor J.L.R., a Justiça Federal condenou o Estado de SC a reembolsar a família dela, com juros e correção monetária, das despesas efetuadas com as viagens que não haviam sido pagas para o tratamento.

O MPF e o Estado de SC recorreram da sentença ao TRF4.

O órgão ministerial reafirmou os pedidos que foram negados pelo primeiro grau, defendendo que as demandas não representam intervenção indevida do Poder Judiciário no mérito administrativo de ações do Executivo, mas, uma determinação para que o Executivo cumpra política pública previamente estabelecida, não havendo quebra ao princípio constitucional de separação dos poderes.

Já o Estado de SC requisitou que o tribunal reconhecesse a prescrição com relação às parcelas devidas à J.L.R. e ainda afirmou que houve falta de provas nos autos dos supostos valores não pagos.

A Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do TRF4 decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do MPF e negar provimento à apelação do Estado de SC.

Dessa forma, o colegiado manteve a determinação do pagamento para a menor e a mãe dela e, além disso, ordenou a revisão de todos os pedidos referentes ao TFD interestadual cuja negativa se deu em razão da ausência de disponibilidade orçamentária no período dos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ACP até a data presente, bem como, a partir da publicação do acórdão, que o Estado de SC deixe de indeferir pedidos desse tipo com base unicamente na indisponibilidade orçamentária.

O relator do processo na corte, desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, ressaltou que “o Manual de Normatização do TFD do Estado de SC estabelece que enquanto o fluxo intraestadual (no mesmo Estado) corre junto à Secretaria Municipal de Saúde da residência do paciente, que arca com a ajuda de custo/diárias, o fluxo interestadual (entre diferentes Estados) tem procedimento junto à Gerência Regional de Saúde (GERSA), de responsabilidade do Estado de SC, que é quem paga as respectivas despesas”.

O magistrado explicou que cabe ao Estado-Membro o pagamento dos custos de deslocamento entre diferentes Unidades da Federação e, “ao deixar de adimplir tais valores sob o argumento de ausência de verba para tanto, configurada está omissão apta de correção via ACP. Não é lícito ao Estado, ao dar cumprimento à legislação que não contém expressa limitação financeira, estabelecer baliza de existência de disponibilidade orçamentária, limitação essa contida apenas no âmbito administrativo, especialmente levando em conta a discricionariedade dos entes em alocar recursos em seus planos orçamentários e a própria ideia de fundamentalidade do direito à saúde”.

Em seu voto, Brum Vaz esclareceu que “o parcial provimento do recurso diz respeito, unicamente, à responsabilidade do Estado de SC quanto ao pagamento das despesas no fluxo interestadual. Assim, o Estado deverá elaborar, no prazo de 180 dias do presente julgamento, um plano de adimplemento dessas verbas, com previsão de pagamento não superior a 2 anos, estabelecida multa diária por descumprimento no valor de R$ 100,00”.

Quanto a negativa da apelação do Estado de SC que buscava a impugnação do pagamento da verba à menor, o relator manteve a sentença de primeira instância pelos seus próprios fundamentos, que estabeleceram ser de responsabilidade do Estado o reembolso das despesas para a família da jovem.


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