O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou que a União e o estado do Paraná, de forma conjunta, forneçam de maneira gratuita o medicamento Isodiolex, produzido à base de canabidiol, para o tratamento de crises de epilepsia de uma menina de cinco anos de idade que sofre de paralisia cerebral e de microcefalia. A decisão foi tomada por unanimidade pela Turma Regional Suplementar do Paraná em sessão de julgamento realizada na última semana (16/7) ao dar provimento a um recurso do Ministério Público Federal (MPF).
O MPF havia ajuizado, em julho de 2018, uma ação civil pública com pedido de antecipação dos efeitos da tutela na Justiça Federal paranaense (JFPR) contra a União e o estado do Paraná para que fornecessem gratuitamente o remédio à criança.
A menina tem cinco anos e mora em Itapejara d’Oeste, no Paraná. Ela tem sequelas neurológicas decorrentes do parto prematuro de 29 semanas. Além da microcefalia e paralisia cerebral do tipo espástico, também foi relatado que possui histórico de hidrocefalia e de colocação de válvula ventrículo peritoneal. Segundo o MPF, esse quadro médico faz com que ela sofra com constantes crises de epilepsia de difícil controle clínico desde os quatro meses de idade.
O juízo da 1ª Vara Federal de Pato Branco (PR) determinou que fosse feita perícia médica para verificar a indispensabilidade do tratamento bem como a sua urgência. O médico perito então confirmou a necessidade de utilização do remédio Isodiolex para a criança e que o mesmo não é substituível por outros de menor custo ou de efeitos semelhantes, não existindo equivalente na rede pública ou no Sistema Único de Saúde (SUS) que demonstre a mesma eficácia para controlar as crises convulsivas.
Em outubro de 2018, a Justiça Federal paranaense concedeu o pedido e determinou, de forma liminar, que a União e o estado do Paraná, de maneira solidária, fornecessem, no prazo de 30 dias, o medicamento na quantidade de seis frascos ao ano, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 em caso de descumprimento.
A União recorreu da decisão ao TRF4. No recurso, requisitou a suspensão da liminar, defendendo que o Isodiolex não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sendo vedado o fornecimento pelo SUS de qualquer remédio sem registro, ainda que o medicamento tenha autorização de importação pelo órgão de vigilância sanitária.
A Turma Regional Suplementar do Paraná do tribunal, em fevereiro deste ano, acatou os argumentos da União, dando provimento ao agravo de instrumento, e determinou a suspensão da liminar e da concessão do remédio à menina.
Dessa decisão, o MPF opôs o recurso de embargos de declaração, alegando contradição e obscuridade no acórdão da Turma, já que ele fundamentou-se na impossibilidade de fornecimento de medicamento sem registro junto à Anvisa, bem como na ausência de comprovação da eficácia do tratamento.
O autor da ação sustentou que tais razões contrariam as provas constantes nos autos, que demonstram que o remédio solicitado é adequado e necessário ao tratamento da enfermidade da criança.
A Turma, na última semana, decidiu, por unanimidade, dar provimento aos embargos de declaração, com efeitos infringentes, reformando o acórdão de fevereiro. Assim, se manteve a antecipação de tutela deferida pela primeira instância da Justiça Federal, obrigando novamente a União e o estado do Paraná a fornecer o Isodiolex gratuitamente à paciente.
O relator do caso, desembargador federal Luiz Fernando Wowk Penteado, ressaltou que “embora o medicamento não possua registro na Anvisa, em 2014, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2113 passou a autorizar o uso compassivo do canabidiol (CBD) para crianças e adolescentes portadores de epilepsias refratárias a tratamentos convencionais. Para serem submetidos ao tratamento com o canabidiol, os pacientes devem preencher critérios de indicação e contraindicação a ser avaliados pela Anvisa, a fim de possibilitar a permissão para o uso compassivo da substância. Na hipótese, a parte autora comprovou já possuir autorização de importação expedida pelo órgão, providência que supre a ausência de registro do medicamento”.
Em seu voto, Penteado reforçou que “a parte autora fez uso de todas as alternativas terapêuticas fornecidas pelo SUS, mas mostraram-se insuficientes para o controle adequado das crises convulsivas. Diante da ineficácia das medicações aplicadas, foi indicado o Isodiolex, tendo em vista que foi avaliado como eficiente em uso associado com outros anticonvulsivantes e imprescindível no atual momento”.
O magistrado complementou dizendo que “é com base nessa excepcionalidade do quadro clínico dos pacientes com epilepsia de difícil controle, que a jurisprudência tem entendido pela possibilidade de autorização de importação, pelos entes públicos, de medicamento não registrado na ANVISA. Assim, tenho que esse é o caso dos autos, pois a doença que acomete a menor é de extrema gravidade e agressividade, provocando convulsões diariamente, situação que coloca em risco sua integridade física, sendo que não existem outras linhas de tratamento específico para a doença, que permanece resistente mesmo depois de uma série de anticonvulsivantes”.
O desembargador concluiu afirmando que “nesse cenário, a excepcionalidade do caso concreto é inequívoca, pois foi autorizada a importação pela própria Anvisa e ficou demonstrada a imprescindibilidade do medicamento e a inexistência de outra alternativa terapêutica com a mesma eficácia, devendo ser reconhecido seu direito à tutela jurisdicional”.
A ação civil pública segue tramitando na JFPR e deve ter o seu mérito julgado pela 1ª Vara Federal de Pato Branco.
Processo nº 5041593-42.2018.4.04.0000/TRF