A 5ª Vara Federal de Caxias do Sul condenou um vereador de Caxias do Sul a três anos de reclusão, à perda do cargo público e ao pagamento de R$ 50 mil de indenização, pelo crime de induzir e incitar a discriminação e o preconceito de procedência nacional, no caso, contra o povo baiano. A sentença foi proferida pelo juiz federal substituto Julio Cesar Souza dos Santos, no dia 17/12.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o vereador teria gerado humilhação, constrangimento e vergonha ao povo nordestino, ao proferir discurso na Câmara de Vereadores, durante sessão ordinária, com transmissão ao vivo pela TV Câmara (canal próprio com alcance mundial na internet pelo Youtube), bem como no site camaracaxias.rs.gov.br, tendo alcançado grande repercussão também nas redes sociais. Segundo a denúncia, o vereador teria sugerido contratar argentinos, em detrimento daqueles a quem referiu-se como “aquela gente lá de cima ”, além de afirmar sobre os baianos que a “única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor”, e acrescentado “deixem de lado, aquele povo que é acostumado com carnaval e festa pra vocês não se incomodar”.
A defesa argumentou que haveria excesso de acusação (na medida em que a denúncia teria deixado de especificar o verbo nuclear da conduta que teria sido praticada pelo réu, se preconceito ou discriminação). Alegou também que a fala do acusado estaria abarcada pela imunidade parlamentar e que ele se dirigiu a seus eleitores agricultores, produtores e empresas agrícolas, para agradá-los. Defendeu que não haveria dolo, uma vez que a intenção do réu não foi a de ofender, sendo pessoa de pouca instrução e que não dominaria o uso de figuras de linguagem. Por fim, salientou que o réu se retratou e desculpou-se pelo ocorrido e, ainda assim, sofreu um massacre digital e social e foi alvo de ameaças.
Preliminarmente, o juiz Julio Cesar dos Santos afastou a tese de imunidade parlamentar, explicando que já consta em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que a imunidade prevista na Constituição Federal se limita à circunscrição do município; entretanto, no caso, as declarações tiveram grande repercussão nacional. Além disso, as afirmações não tinham nenhuma relação com projeto de lei ou função parlamentar, tendo sido “lançadas na forma de discurso avulso, eivado de conteúdo discriminatório. Tais declarações desbordam até mesmo do regular direito à liberdade de expressão”, esclareceu o magistrado.
Ao analisar o mérito, Santos concluiu que o parlamentar estava incitando diretamente a diferença de tratamento em razão da procedência nacional, que agricultores e empresas agrícolas gaúchas deixassem de contratar trabalhadores provenientes da região nordeste do Brasil, notadamente do estado da Bahia. A contraposição entre argentinos (limpos, trabalhadores e corretos) e baianos (por consequência, sujos, preguiçosos e incorretos), teria o nítido intuito de menosprezar as pessoas nascidas naquela região.
Além da discriminação em razão da procedência nacional, o magistrado observou que o réu também incitou a discriminação de religião e raça ao falar que “a única cultura que eles tem é viver na praia tocando tambor”. “O tambor é um símbolo da diáspora negra no Brasil e tem papel sagrado no exercício de religiões de matriz africana” explicou.
O magistrado reconheceu a ocorrência de discriminação múltipla, pois a fala do acusado seria “dolosamente dirigida para induzir e incitar a discriminação e o preconceito em razão da procedência nacional, da raça e da religião”.
Santos considerou tratar-se o caso de discurso de ódio, que surge quando o pensamento se materializa na palavra publicada e se espalha de maneira rápida e abrangente, pois, nas redes sociais, “uma informação pode atingir milhares de pessoas em questão de minutos, ecoando falas discriminatórias que, não raro, inflamam radicais que encontram uma falsa legitimidade em figuras públicas – muitas vezes detentoras de mandatos eletivos. (…) Como todo direito fundamental, a liberdade de expressão não é absoluta e ilimitada, encontrando limites na proteção de outros direitos também fundamentais, no caso, da dignidade humana”, acrescentou o juiz.
No que se refere ao dolo, no caso, Santos concluiu estar comprovado, tendo sido o discurso do acusado realizado de forma consciente e espontânea. E, com relação ao suposto excesso de acusação argumentado pela defesa, o magistrado observou no discurso proferido pelo acusado expressões e falas que configuram a prática de preconceito, e também a incitação de práticas discriminatórias contra pessoas originárias dos estados do nordeste do Brasil.
O vereador foi condenado à pena de três anos e 20 dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 30 salários mínimos, mais 86 dias-multa. Também foi decretada a perda do cargo público e fixada em R$ 50 mil a indenização pelos danos morais coletivos.