O tráfico privilegiado, figurada criada pela Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), não configura crime hediondo, de acordo com entendimento da 5ª Câmara Criminal do Tribiunal de Justiça de Minas Gerais. O desembargador Alexandre Victor de Carvalho explica que o tráfico privilegiado merece resposta penal menos gravosa porque se considera que o agente se envolveu ocasionalmente com essa espécie delitiva, não é reincidente, não ostenta maus antecedentes, não se vincula a qualquer organização criminosa. A decisão, polêmica, não foi unânime. Para o desembargador Adilson Lamounier, a referida lei não retirou o tipo “hediondo” do crime de tráfico privilegiado.
O relator, desembargador Alexandre Victor de Carvalho, entende que a análise da redação literal do artigo 44 da Nova Lei de Drogas, que rege especificamente o crime de tráfico de drogas, é considerado pela Constituição Federal como delito equiparado a hediondo. Porém, a redação do parágrafo 4º, teve a intenção de dar um tratamento especial a uma hipótese que difere completamente da incriminação contida no caput e no parágrafo 1º do artigo 33.
Portanto, “como também não resta afetado o artigo 2º, caput e parágrafo 2º, da Lei dos Crimes Hediondos, pela singela razão de que a figura privilegiada de tráfico, prevista na moldura do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, não retrata crime similar a hediondo, mas sim tipo penal incriminador não etiquetado como tal, extraindo-se essa conclusão pelo princípio da legalidade”.
No caso concreto, um homem foi preso com 46 gramas de cocaína. Quando percebeu a viatura em sua direção tentou engolir a droga. Já dentro do veículo policial, tentou subornar os agentes para que não o levasse para a delegacia. Com base nestes fatos, ele foi denunciado pela prática do delito previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006 (tráfico de drogas) e no artigo 333 do Código Penal (corrupção ativa).
Em sua defesa, o acusado disse que é viciado e que a droga que era para consumo próprio, no carnaval que estava próximo. Ele disse ainda que não queria frequentar diariamente a favela, por isso a compra em grande quantidade. Contra a acusação de corrupção, afirmou que depois de tentar ingerir a droga para não ser preso, se entorpeceu e já não poderia responder por si.
Ao decidir, o desembargador afirma que um laudo pericial não comprovou a composição da substância encontrada com o homem, entretanto, o magistrado aponta que estudos indicam que 0,2 a 1,5 gramas de cocaína pura seria uma dose fatal. Mas, a quantidade encontrada não leva a conclusão de tráfico e nem de simples consumo. Ele destaca ainda, que “não é pela quantidade de droga, em si, que se define, neste caso, a sua destinação”.
E fixou a pena no seu grau mínimo. Estabeleceu o regime aberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, considerando a análise favorável das circunstâncias judiciais e o quantum de pena aplicado. “O artigo 2º, caput, e parágrafo 1º, da Lei 8.072/90, com a redação modificada pela Lei 11.464/07, e o artigo 44 da Lei 11.343/06 não são ofendidos pela fixação do regime aberto para o recorrente”, justificou.
Ao concluir seu voto, o desembargador deu parcial provimento ao recurso da defesa, mantendo a condenação pelo tráfico, para abrandar o regime prisional e substituir a pena reclusiva de um dos crimes por duas restritivas de direitos. A desembargadora Maria Celeste Porto seguiu o voto do relator.
Voto vencido
O desembargador Adilson Lamounier foi o voto vencido no julgamento, porque, apesar de concordar com o voto do relator em manter os crimes de tráfico de drogas e corrupção ativa, discorda ao entender que o crime de tráfico é grave e de grande desvalor para a sociedade.
Para ele, é certo que a Lei 11.343/2006 instituiu a figura do tráfico privilegiado, que leva em conta como causa de diminuição de pena a conduta do agente primário e de bons antecedentes e que não se dedique às atividades criminosas, nem integre organização criminosa. Porém, ela não retirou o caráter hediondo do delito, apenas tem como objetivo abrandar a pena daquele que, pela primeira vez, ou em caso isolado, pratica o comércio ilícito, oferecendo a este uma verdadeira “nova oportunidade” para não reincidir na prática.
“Lembremos de alertar que a causa de diminuição prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/06, apenas abranda a punição do traficante, mas o delito pelo agente cometido continua a ser equiparado a hediondo, pois a conduta é tipificada no artigo 33, caput, e no parágrafo 1º, que assim são considerados. Os que escapam à denominação de equiparados a hediondos são as figuras do artigo 33, parágrafo 2º e 3º”, cita o doutrinador Guilherme de Souza Nucci, através do desembargador em sua decisão.
Por fim, o desembargador afirma que os antecedentes do réu “não retiram o caráter hediondo do crime de tráfico, cabível a ele todas as disposições contidas na Lei 8.072/90, inclusive no tocante ao regime de cumprimento de pena, que deverá ser iniciado no regime fechado, diante da previsão contida no parágrafo 1º do artigo 2º da referida lei”.