Por Gláucia Milício
Com duas décadas de existência, o Superior Tribunal de Justiça conseguiu firmar o seu papel ao mostrar que não foi criado para ser uma terceira instância dentro do Judiciário brasileiro. Criado pela Constituição de 1988 e instalado em 1989, o tribunal responsável por julgar matéria de ordem infraconstitucional já contabiliza mais de 2,8 milhões de processos julgados.
E, agora, para comemorar o 20º aniversário do tribunal, a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) lançou, em sua sede, na segunda-feira (1º/6), a 103º edição da Revista do Advogado, dedicada exclusivamente ao aniversário da corte superior. O coquetel de lançamento da revista contou com a presença do presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, e dos ministros Luiz Fux, Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Mauro Campbell Marques e Humberto Martins, além de outras personalidades da advocacia.
A revista reúne artigos de personalidades do Direito em cerca de 20 temas. Para falar da jurisprudência criminal no STJ, a Aasp convidou criminalistas renomados no mundo jurídico para debater o tema na capital paulista antes do lançamento da publicação. Dentre eles, Antonio Ruiz Filho Alberto Zacharias Toron e Eduardo Augusto Muylaert.
O criminalista Antonio Ruiz Filho falou da criação do tribunal, das ferramentas elaboradas recentemente como forma de desafogar o tribunal e da independência e coragem do juiz. Ele fez um paralelo desses dois atributos para indagar como a jurisprudência no país poderia evoluir. Nesse sentido, o advogado citou dois posicionamentos do STJ que se encaixam, segundo ele, nesses quesitos.
De acordo com o criminalista, ao julgar um Habeas Corpus que pedia trancamento de ação penal por causa da equiparação do crime de descaminho aos demais crimes tributários, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, “certamente influenciada por sua larga experiência como advogada da área criminal”, propôs uma nova discussão sobre o tema.
Ruiz Filho disse que ela pontuou a decisão, que ao final daquele julgamento, tornou-se majoritária e inovadora. A ministra entendeu que os dois tipos penais, tanto a sonegação quanto o descaminho têm como bem jurídico tutelado a ordem tributária. E que se há previsão da causa da extinção da punibilidade do artigo 34 da Lei 9.249/95 para a sonegação fiscal, evitá-la no crime de descaminho representaria uma quebra lógica do sistema. Assim, a ministra equiparou os dois crimes para o acusado pedir o esgotamento da esfera administrativa.
Ainda segundo o advogado, o crime de descaminho nada mais é que sonegação fiscal relativa a casos de comércio exterior. Ou seja, quando há falta de pagamento pelo imposto devido na entrada ou na saída do produto.
Outro julgado importante, segundo Ruiz Filho, foi sobre o prazo para interceptações telefônicas. O advogado destaca que o tema se tornou muito importante depois das famigeradas operações da Polícia Federal. Ele ressalvou, contudo, que quanto a esse tema os tribunais têm ficado aquém do que se esperaria.
O advogado explica que a Lei em vigor 9.296/1196, que trata das interceptações telefônicas, é extremamente clara e não permite nenhuma interpretação extensiva em relação ao prazo de interceptação telefônica.
Segundo ele, a lei diz que o prazo máximo para interceptação é de 30 dias, mas que o próprio Supremo Tribunal Federal acabou por admitir que as interceptações telefônicas podem durar por tempo indefinido, desde que os juízes fundamentem a decisão e as prorrogações. “Isso não está previsto em lei. A intimidade, a possibilidade de se ter privacidade na conversa telefônica é garantida constitucionalmente. A interceptação será sempre uma exceção a regra”, disse o advogado.
Ele também acrescentou que o que tem ocorrido é a utilização exagerada das interceptações e a banalização das renovações de prazo. Ruiz Filho destacou que novamente o STJ inovou em um voto do ministro Nilson Naves no Habeas Corpus 16.686. O ministro foi seguido pelos demais ministros da 6ª Turma.
Naves concedeu a ordem para anular as provas constituídas por meio de escutas telefônicas fora dos 30 dias concedidos pela lei em vigor. “O acórdão é extenso e rico, merece ser lido na íntegra por quem tenha interesse pela matéria”, ressaltou o advogado.
Por fim, ele finalizou a sua palestra dizendo que as decisões apontadas enaltecem o Superior Tribunal de Justiça e devem servir de farol para o enfrentamento de tantas questões “intricadas e complexas que todos os dias chegam em quantidade, aos gabinetes de cada ministro”.
Inovações
O criminalista Alberto Toron também apontou inovações na jurisprudência do STJ em relação às prisões preventivas. “O tribunal começou a garimpar esse terreno difícil, numa sociedade sedenta que reclama da frouxidão do sistema penal. Esse tribunal teve o cuidado de dizer que não basta a condição de reincidente ou portador de maus antecedentes para se decretar a prisão. É preciso ter os pressupostos cautelares”, ressaltou o advogado.
Toron ressaltou, ainda, que o STJ ao editar a Súmula 9, que reconhecia a validade do artigo 594 do Código de Processo Penal, foi firme em não admitir preventivas decretadas sem a demonstração da necessidade. “Foi um clarão em termos de renovação e de respeito à liberdade do cidadão”, destacou.
O artigo 594, que foi revogado pela Lei 11.719/08, dizia: “O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto”.
“O STJ também entendeu que a pedra angular da prisão preventiva é a verificação sempre da sua necessidade. Com esse entendimento, enfraqueceu a concepção autoritária do Código de Processo Penal que veio do Estado Novo, período getulista”, disse Toron.
Ainda durante a palestra, o advogado também defendeu o instituto do quinto e disse que os advogados não podem apenas reclamar de uma falha ou outra do STJ. E sim apontar soluções.