A 2ª Turma de desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região manteve a condenação das empresas do grupo Virgolino ao pagamento de R$ 1,7 milhão por dano moral coletivo, decorrente de condições impróprias de higiene e segurança de 235 cortadores de cana.
A Agropecuária Nossa Senhora do Carmo e a Virgolino de Oliveira S/A Açucar e Alcool foram condenadas em 1ª instância pela Justiça do Trabalho de Itapira a pagar a indenização milionária, juntamente com a obrigação de encerrar a terceirização no corte de cana e respeitar os termos da Norma Regulamentadora (NR) nº 31, que regula o meio ambiente de trabalho rural.
Na época, a juíza Solange Denise Belchior Santaella considerou procedentes os pedidos feitos nos autos da Ação Civil Pública pelos procuradores Dimas Moreira da Silva, Ronaldo Lira e Nei Messias Vieira, do Ministério Público do Trabalho (MPT)
Em recurso, o grupo econômico questionou a sua legitimidade, já que a usina, que possui atividade industrial, não poderia se responsabilizar por trabalhadores rurais.
“Não há que se falar em ilegitimidade de parte, pois não há sequer controvérsia sobre a existência de grupo econômico entre as empresas, justificando a manutenção de todas no polo passivo, à luz do que dispõe o artigo 2º, parágrafo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho”, afirma o relator.
A empresa também questiona a legitimidade do Ministério Público do Trabalho e alega não ter praticado dano moral, e que “eventuais irregularidades cometidas podem ter a reparação perseguida pelos trabalhadores em reclamatórias trabalhistas individuais”.
“O dano moral aos trabalhadores é evidente e salta aos olhos, pois foram tratados de forma indigna e afrontosa aos mais básicos direitos dos cidadãos e dos trabalhadores, insculpidos na Constituição da República. A busca das recorrentes por lucro adicional, conduziu-as ao desprezo dos mais básicos princípios constitucionais, inclusive o da dignidade da pessoa humana. O descaso das recorrentes com aqueles que colaboravam com elas com o dispêndio de árdua mão-de-obra é notável e não pode, evidentemente, ser ignorado”, diz o acórdão.
A decisão prossegue, afirmando que “as condições sub-humanas às quais submeteram tais trabalhadores agrediu-lhes na essência, assim como seus familiares e toda a coletividade, como corretamente asseverou a origem. Aliás, tal conclusão nem ao menos demanda prova nesse sentido, pois a dor moral é presumível a partir do fato comprovado, considerando o conceito que se tem a respeito do que seja o homem médio. Exigir a prova da amargura ou do sofrimento dos trabalhadores (…) é um acinte ao bom-senso. Basta, à avaliação da gravidade dos fatos narrados, nos imaginarmos no árduo trabalho da lavoura canavieira, sem o equipamento necessário, sem água fresca e potável em quantidade suficiente, e transportados em condições sub-humanas”.
Por fim, o desembargador do TRT também destacou em seu voto que, “como visto nos presentes autos, o Ministério do Trabalho e Emprego, assim como o Ministério Público do Trabalho, vêm cumprindo suas funções institucionais, especialmente na tutela dos interesses coletivos e difusos.”
Conheça o caso – em diligência realizada em 2008, os fiscais de turma das fazendas contratadas pela Virgolino prestaram depoimento ao MPT, alegando que não tinham autonomia alguma, já que recebiam ordens do fiscal de frente da Agropecuária Nossa Senhora do Carmo, pertencente ao grupo econômico. Ele distribui o talhão de cana a ser capinado e monitora todo o serviço executado. Quando não aprovado o serviço, havia orientação para refazê-lo. Além da subordinação no padrão de qualidade do trabalho, a jornada dos trabalhadores também era controlada.
A fiscalização no escritório das empreiteiras constatou total controle econômico e gerenciamento por parte da Agropecuária. A empresa do grupo passava e-mails com a planilha da produção da quinzena, tanto para o corte de cana quanto para diárias, assim como para os descontos referentes aos equipamentos de proteção individual (EPI), óleo diesel fornecido para o transporte dos trabalhadores, entre outros itens.
De posse do valor fornecido na planilha, o empreiteiro emitia nota fiscal de prestação de serviço no valor exato correspondente ao material enviado pelo grupo econômico, o que demonstra, no entendimento do MPT, intermediação ilícita de mão-de-obra.
As irregularidades, no entanto, não se configuraram apenas pela falta de registro pelo real empregador, mas também pelo pagamento de remuneração inferior à diária mínima, pela não concessão de EPIs em perfeito estado de conservação, pela inexistência de instalações sanitárias separadas por sexo e de abrigos contra intempéries, pela ausência de água potável e fresca nos locais de trabalho, pela inexistência de material necessário à prestação de primeiros socorros, pela inexistência de bainhas para guarda e transporte de ferramentas de corte e pelo transporte de trabalhadores juntamente com ferramentas, em ônibus sem autorização do DETRAN.
A ação movida pelo procuradores objetivou o encerramento da terceirização ilícita e a melhoria das condições de trabalho dos cortadores de cana, e se mantém após a ratificação do Tribunal.