Com base no preceito constitucional que elegeu a família como base da sociedade, a Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) deu provimento a recurso de uma empregada pública que após ter sua cessão para a Eletronorte, em Brasília, renovada por sete anos seguidos para acompanhar seu marido, foi convocada para retornar a seu local de origem, em Boa Vista (RR). Com a decisão, a empregada deveria ser transferida em definitivo para a capital federal. Relator do caso, o juiz convocado Denilson Bandeira Coelho frisou que “não parece razoável afastar a reclamante da convivência com o seu marido e a filha do casal de 10 anos, quebrando a unidade familiar, para transferi-la para cidade com a qual ela se desvinculou completamente”.
A trabalhadora conta, na inicial, que foi admitida pela Boa Vista Energia S/A, mediante aprovação em concurso público, para o cargo de analista econômico-financeira. Diz que, com o intuito de acompanhar seu marido, requereu transferência para Brasília, para trabalhar na Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), integrante, segundo ela, do mesmo grupo econômico, uma vez que ambas são controladas pela Eletrobras. Em janeiro de 2010 ela teve acolhido o pleito e, desde então, a cessão vinha sendo prorrogada anualmente, até que, em junho de 2017, a Boa Vista Energia negou a renovação e determinou seu retorno para a capital de Roraima.
Ela afirma que a determinação de retorno não teve qualquer motivação e diz que a medida atingiria seu núcleo familiar, uma vez que cercearia seu convívio com o marido e com a filha do casal, de dez anos de idade. A cessão, que inicialmente era provisória, tornou-se, no seu entendimento, definitiva, diante do longo período em que permaneceu e Brasília, onde chegou a adquirir casa própria.
Em defesa, as empresas alegaram que as sucessivas prorrogações não conferem direito à trabalhadora de permanecer atuando em local diverso daquele para o qual foi contratada, principalmente em respeito ao princípio do concurso público. Disseram, ainda, que a determinação de retorno decorreu de processo de reestruturação administrativa e de pessoal por que passam as empresas, por ordem da holding Eletrobras. Por fim, afirmaram que o cancelamento da cessão estaria dentro do poder diretivo do empregador, não cabendo interferência do Poder Judiciário.
O juiz de primeiro grau concedeu inicialmente medida cautelar, mas no mérito negou o pleito da trabalhadora e cassou a liminar. Diante da decisão negativa, a trabalhadora recorreu ao TRT-10.
Grupo econômico
Da leitura das autos, frisou inicialmente o relator do caso, não resta dúvida de que a Boa Vista Energia e a Eletronorte, à época dos fatos, integravam o mesmo grupo econômico, sendo controladas e submetidas à holding Eletrobras, sendo assim solidariamente responsáveis pela obrigações decorrentes das relações de emprego que constituírem.
Preceitos trabalhistas
A trabalhadora foi cedida para a Eletronorte em janeiro de 2010, para acompanhar seu marido, que é empregado dessa empresa. Essa cessão foi renovada ano a ano até que houve negativa de renovação em junho de 2017. Segundo o relator, o instituto da cessão de empregado público tem caráter temporário e precário, uma vez que está fundamentado no poder discricionário das entidades públicas envolvidas, dependendo da concordância de cedente e cessionária, conforme critérios de conveniência e oportunidade da Administração.
Contudo, frisou o magistrado, essa regra não é absoluta e não afasta a incidência dos preceitos trabalhistas e constitucionais envolvidos, principalmente quando a cessão ocorre dentro de empresas integrantes de mesmo grupo econômico, em que existe, internamente, oportunidade de movimentação de empregados. Além disso, no caso concreto há comprovação de que a Eletronorte manifestou interesse na manutenção da cessão.
Família
A cessão foi renovada por mais de sete anos consecutivos, o que levou a trabalhadora a estabelecer domicílio com ânimo definitivo em Brasília, criando vínculos familiares e sociais, disse o relator. Quanto a esse aspecto, e levando em conta que a Constituição Federal, em seu artigo 226, elegeu a família como base da sociedade, com especial proteção do Estado, o relator considerou que “não parece razoável, nesse cenário jurídico, afastar a reclamante da convivência com o seu marido e a filha do casal de 10 anos, quebrando a unidade familiar, para transferi-la para cidade com a qual ela se desvinculou completamente”.
Estatuto do servidor
O magistrado lembrou, ainda, que a Lei 8.112/1990 (Estatuto dos servidores públicos federais) prevê a possibilidade de remoção do servidor público federal, a pedido, para outra localidade e independente do interesse da Administração, para acompanhar cônjuge ou companheiro deslocado no interesse da Administração, como foi o caso em análise. Nesse ponto, o relator salientou que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado pela ampliação do conceito de servidor público a fim de alcançar não apenas servidores da Administração direta, mas também aqueles vinculados à Administração indireta, como é o caso.
Concurso público
O preceito constitucional do concurso público não foi ferido, segundo o relator, uma vez que a autora da reclamação ingressou na Boa Vista mediante submissão a certame e foi cedida à Eletronorte em plena consonância com as normas internas da Eletrobras, grupo econômico ao qual pertencem as empresas.
Com esses argumentos, o relator votou pelo provimento do recurso, declarando nulo o ato administrativo que requisitou o retorno da trabalhadora para Boa Vista e determinando que as empresas providenciem, em até 15 dias, a transferência definitiva da empregada para os quadros da Eletronorte.
Tutela de urgência
Para evitar qualquer medida constritiva relativa a lançamento de faltas, suspensão de salários e de benefícios concedidos pela empregadora, o magistrado acolheu pleito da trabalhadora e concedeu antecipação dos efeitos da tutela.
Cabe recurso.
Processo nº 0001350-75.2017.5.10.0017
Fonte: TRT/DF-TO