A juíza Cláudia Rocha Welterlin, quando titular da Vara do Trabalho de Itajubá, reconheceu a relação de emprego entre um trabalhador rural e um fazendeiro, após 30 anos de serviços.
Na petição inicial, o trabalhador alegou que foi admitido em 15/1/1990, quando ainda era menor de idade, para receber um salário mínimo mensal, sendo dispensado sem justa causa em 25/2/2020. Segundo ele, apesar de estarem presentes todos os pressupostos caracterizadores da relação de emprego, sua carteira de trabalho não foi anotada pelo empregador. Em defesa, o fazendeiro negou a prestação de serviços pelo autor, assegurando ter firmado com ele somente um contrato de locação de uma casa, dentro de sua fazenda, localizada no município de Brazópolis-MG.
No entanto, ao examinar as provas, a julgadora se convenceu de que a relação existente entre as partes era de emprego.
Provas – No caso, por ter sido negada a prestação de serviços, foi considerado que o ônus da prova era do trabalhador quanto à existência dos pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego, o que se verificou com base na prova oral, segundo a sentença.
Com efeito, em depoimento pessoal, o fazendeiro disse que o reclamante residia com a família numa casa de sua propriedade, localizada dentro da fazenda, desde 1982, aproximadamente. Conforme relatou o fazendeiro, o reclamante nunca trabalhou para ele, apenas alugou sua casa e trabalhou “avulso” para outras pessoas. Porém, não soube indicar quem eram essas pessoas. Segundo o reclamado, há na fazenda de seis a oito casas, das quais cinco estão locadas.
O fazendeiro afirmou ainda que sua propriedade conta apenas com um empregado. No entanto, a juíza não acreditou nessa versão, tendo em vista a demanda de serviços. É que, ainda que metade das terras tenha sido vendida há quatro anos, como foi relatado, sobrariam cerca de 100 hectares. E o próprio fazendeiro disse que, quando possuía 210 hectares, teve lavoura de café, depois passou para banana e, após a venda de parte das terras, ficou apenas com o gado. “Foge ao razoável e leva este juízo a firmar seu total descrédito quanto à veracidade da alegação contida na defesa de inexistência do vínculo empregatício”, ponderou a julgadora.
Por sua vez, testemunha indicada pelo trabalhador relatou que ele trabalhou na fazenda, “roçando pasto, fazendo cerca, limpando valeta e o que mais fosse preciso fazer”. Disse que “o autor não trabalhava para outras pessoas, apenas para o reclamado”. Outra testemunha demonstrou que o réu tinha por costume manter trabalhadores sem registro. Ela contou que trabalhou na fazenda de 1990 até 2000, sem anotação na carteira de trabalho, e permaneceu morando no local até 2007, quando se casou. Fazia de tudo e, quando foi admitido, era menor de idade, sendo o salário entregue diretamente a seu pai.
Sobre o reclamante, a testemunha afirmou que também “era menor de idade quando começou a trabalhar para o réu e, como seu pai já havia falecido, o salário era entregue a seu irmão”. Conforme o depoimento, o reclamante não estudava na época, mas somente trabalhava.
A prova testemunhal produzida pelo fazendeiro não convenceu a julgadora. Uma das testemunhas disse que, há 15 anos, o réu tem apenas um empregado. Contudo, a testemunha ouvida tinha registro no ano de 2015, mesma época em que outro trabalhador citado em depoimento prestava serviços na fazenda. “Da forma tendenciosa como narrou os fatos, tudo indica que foi orientada a direcionar a sua fala em prol dele, sem qualquer compromisso com a verdade, o que evidentemente não pode prevalecer”, entendeu a juíza.
Por fim, contribuiu para a conclusão alcançada o fato de outra testemunha indicada pelo réu, cuja contradita foi acolhida pelo juízo, já ter entrado em confronto físico com o reclamante, sendo considerado por este como inimigo. Por esse motivo, a juíza considerou que a testemunha não teria isenção de ânimo para depor. No entender da julgadora, ficou evidente que a estratégia utilizada pelo reclamado foi a de tentar desacreditar as testemunhas trazidas pelo autor.
Princípio da primazia da realidade – “Não restam dúvidas de que o reclamante efetivamente prestou serviços para o réu na condição de empregado, impondo-se o reconhecimento da relação de emprego entre ambos, uma vez presentes os elementos típicos desta e ante o princípio da primazia da realidade que domina o Direito Laboral”, concluiu a juíza, arrematando que “houve inequívoca a integração da atividade desenvolvida pelo autor na atividade rural do reclamado, a atender necessidade normal e permanente, indissociável do empreendimento e essencial à consecução dos fins perseguidos”.
Pressupostos legais – Na decisão, a magistrada explicou que o vínculo de emprego como trabalhador rural se caracteriza quando reunidos os pressupostos dos artigos 2º e 3º da Lei nº 5.889/1973, ou seja, “sempre que alguém realizar trabalho por conta alheia com pessoalidade, em propriedade rural que explore atividade econômica, com onerosidade, não eventualidade e subordinação”.
De acordo com a juíza, a existência ou não da relação de emprego depende da forma como o trabalho é prestado. Isso porque o contrato de trabalho é um contrato realidade, sendo necessário o preenchimento dos pressupostos fáticos alinhados no artigo 2º da lei. Já o artigo 4º equipara ao empregador rural a pessoa física ou jurídica que, habitualmente, em caráter profissional, e por conta de terceiros, execute serviços de natureza agrária, mediante utilização do trabalho de outrem.
“À semelhança do contrato de trabalho previsto na CLT, o contrato de trabalho rural exige, para a sua configuração, o preenchimento de determinados requisitos, a saber: a prestação laboral por pessoa física em propriedade rural, de natureza não eventual e em caráter pessoal, mediante pagamento de salário e sob dependência de empregador rural”, explicitou, destacando que a identificação da natureza de uma relação jurídica não se detém apenas nos seus elementos formais. “A relação de emprego se configura sempre que estiverem reunidos os pressupostos dos artigos supramencionados, independentemente do nome jurídico dado ao ajuste e até contrariamente à intenção inicial das partes”, arrematou.
Com esses e outros fundamentos, a magistrada terminou por reconhecer a versão do trabalhador como verdadeira e condenou o fazendeiro a anotar a CTPS do reclamante no período reconhecido como de trabalho. Ele foi condenado também a cumprir obrigações pertinentes ao contrato de trabalho, como pagar aviso-prévio, férias, acrescidas do terço constitucional, 13º salários, FGTS com 40%, além de determinar entrega de guias, inclusive do seguro-desemprego.
Os julgadores da Quarta Turma do TRT de Minas confirmaram a decisão, mas deram “parcial provimento ao recurso do reclamado para declarar a prescrição trintenária dos depósitos do FGTS anteriores a 4/3/1991”, e, ainda, por maioria de votos, absolver testemunha da obrigação de pagar multa por litigância de má-fé a que havia sido condenada. O processo foi enviado ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) para julgamento do recurso de revista.
Processo n° 0010152-80.2021.5.03.0061