O ex-empregado da construtora cumpria jornadas extensas em obra de usina hidrelétrica e ficava confinado em alojamento.
Uma construtora foi condenada a indenizar por danos morais um ex-empregado que trabalhou em obra de usina hidrelétrica em Angola, na África, cumprindo jornadas extensas, sem opção de lazer e submetendo-se a confinamento em alojamento.
Ao examinar o caso na 5ª Vara do Trabalho de Uberlândia, a juíza Sheila Marfa Valério não teve dúvida de que as condições de trabalho contribuíram para o quadro depressivo que acometeu o reclamante durante o contrato de trabalho. O fato de a empregadora não ter tomado atitudes eficientes no sentido de reduzir os riscos ambientais, tampouco implementar medidas necessárias para evitar o agravamento da doença psiquiátrica, foi levado em consideração na decisão.
Na reclamação trabalhista (ajuizada antes de entrar em vigor a Lei nº 13.467/17, conhecida por “lei da reforma trabalhista”), o ex-empregado relatou que viveu em condições desumanas, sem possibilidade de deixar o local da obra, tendo em vista que o deslocamento era impossível em razão da grande distância até a cidade. Segundo ele, a jornada de trabalho era excessiva e sequer saía do seu quarto nos fins de semana. O contexto o fez mergulhar em uma depressão. Em defesa, a empresa sustentou que não foi provada a ocorrência de doença que tivesse se desenvolvido durante o período de prestação de serviços e, se havia doença, era preexistente.
Perícia médica constatou que o empregado teve um quadro depressivo leve e concluiu que as condições de trabalho contribuíram para tanto. Embora não tenham sido o fator exclusivo ou determinante para a doença psiquiátrica, atuaram como “concausa”, o que, segundo a juíza, também é considerado na responsabilização por danos, pois equiparado ao acidente de trabalho, conforme inciso I do artigo 21 da Lei nº 8.213/1991.
Testemunha ouvida por carta precatória esclareceu que o autor trabalhava na área comercial da usina hidrelétrica localizada em Angola. Ambos moravam em alojamento no canteiro de obras, protegido pelo exército angolano. Segundo o relato, a jornada de trabalho era longa, de cerca de 12 horas de segunda a sábado e de 10 horas aos domingos e feriados. Ao final do mês, era apresentado um controle de frequência previamente preenchido com a jornada contratual.
Ainda de acordo com a testemunha, os trabalhadores permaneciam no canteiro de obras em razão de uma série de fatores, como riscos de eventuais doenças (malária, febre tifóide, doença causada pelo vírus ebola), guerra civil (até mesmo minas espalhadas no perímetro externo das obras), e distância de centros urbanos que pudessem oferecer alguma forma de lazer. No perímetro do alojamento, era feita a aplicação de veneno buscando oferecer alguma proteção contra doenças.
Na avaliação da julgadora, os motivos alegados para o desencadeamento da doença ficaram provados, justificando a condenação da empregadora. “Na hipótese de doença ocupacional, decorre da constatação de concausa (ainda que de natureza leve) para o agravamento da doença e da conduta culposa da empregadora quanto à observância das normas de higiene, saúde e segurança do trabalho”, registrou, chamando a atenção para o fato de a empresa não ter demonstrado que teria adotado medidas de higiene e segurança do trabalho, de modo a não contribuir para o agravamento da doença que acometeu o ex-empregado.
“É razoável deduzir que para o homem médio, ficar tanto tempo afastado da família e dos amigos, possa gerar um quadro de depressão, sendo normal e aceitável para a maioria das pessoas”, registrou na sentença. Para a julgadora, cabia à empresa investir em atividades recreativas e de entretenimento, o que não fez. Ao contrário, elementos dos autos sinalizaram que nem com os meios de informática os trabalhadores poderiam contar. Nesse sentido, a própria testemunha indicada pela reclamada disse que, nos finais de semana se deslocava até o escritório, porque lá a internet era mais rápida e queria falar com a família.
Outro ponto que chamou a atenção da juíza foi que, apesar de testemunhas se referirem a psicóloga, contradizendo-se quanto à disponibilidade da profissional para atendimento, o certo é que ela não desempenhou papel proativo. Não havia atividade entre os empregados que visasse a prevenir/reduzir o quadro de ansiedade que o isolamento prolongado dos entes queridos pode causar.
A perícia médica apontou também que o trabalhador está incapaz temporariamente, o que, segundo a juíza, não deixa dúvida sobre os reveses por ele sofridos em razão da doença no decorrer do contrato de trabalho.
Por tudo isso, a magistrada identificou a culpa da empresa, caracterizada por conduta negligente, uma vez que nada fez para evitar o agravamento da doença, bem como o dano e o nexo concausal. Com base em diversos critérios, determinou que a ex-empregadora responda pelos danos de ordem moral provocados ao autor, arbitrando indenização no valor de R$ 10 mil. A decisão garantiu ao trabalhador ainda o pagamento de indenização pelo período de estabilidade, consistente no pagamento de 12 meses de salário (R$ 128.041,20); indenização correspondente a cobertura do seguro de vida em grupo, no valor de R$ 320.103,00, e multa do artigo 477 da CLT, na ordem de um salário-base (R$ 10.670,10). Há recurso aguardando julgamento no TRT mineiro.