TRT/MS: Contrato de transporte de madeira é considerado terceirização de mão de obra

O Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região uniformizou sua jurisprudência acerca da definição da natureza jurídica de um determinado contrato, com o escopo de dirimir se era o caso de um contrato típico de transporte (CC, 730), ou de terceirização de atividades empresariais.

A Corte bem delimitou a abrangência da controvérsia, esclarecendo que não se travava de um contrato – genuíno e inquestionável – entre o Transportador Autônomo de Cargas – TAC e a Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas – ETC (Lei nº 11.442/2007), uma vez que, fosse o caso, além de a Suprema Corte já ter afirmado a sua constitucionalidade (ADC 48), faltaria competência à Justiça do Trabalho para solucionar a controvérsia.

Desse modo, restou esclarecido que a divergência residia em definir se o contrato em questão tinha natureza civil/comercial ou trabalhista. O mérito, em si, não trouxe grande novidade dogmática, uma vez ter decidido de acordo com o festejado princípio da primazia da realidade, segundo o qual o conteúdo da relação jurídica aferido em concreto tem o condão de prevalecer sobre a forma estampada em documentos.

O ponto alto da decisão foi o de ter esclarecido “as constantes fáticas do caso concreto que respaldaram a conclusão”, porquanto essa circunstância colabora sobremaneira para evitar a distorção e/ou manipulação do precedente firmado para outros casos que não guardem identidade fática suficiente à sua utilização. Importante ressaltar que “a súmula deve ser o resultado de análises de casos concretos, e não a fixação do entendimento do tribunal acerca de determinada questão, de acordo com os parâmetros que entende corretos. Os parâmetros indicados pelo caso concreto é que fixam a súmula, e não o contrário”.

O desvio de finalidade no emprego de precedentes, com a confusão entre ratio decidendi e obiter dictum ou a simples adoção a partir de uma premissa abstrata de interpretação maleável, não é um problema novo nesse mecanismo de julgamento. No âmbito do common law, chegou-se a dizer, não sem requintada ironia, que o critério consistia em afirmar que o fundamento constituía a ratio decidendi quando lhe interessava e o obiter dictum quando não Por isso, ao explicitar o contexto fático, o TRT da 24ª Região presta reverência ao art. 926, § 2º do CPC, dispositivo que busca tutelar os valores constitucionais de justiça (CF, 3º, I) e isonomia (CF, 5º, caput).

Trata-se de sofisticar e aprimorar o dever de compatibilização e observância dos precedentes – stare decisis et quieta non movere – como condição necessária de um Estado de Direito que preze pela segurança.
Fundamental, ainda, o tribunal ter esclarecido que não há necessidade de coincidência absoluta entre as circunstâncias fáticas do precedente e outras causas vindouras para que ele seja aplicável. Com extrema felicidade, o acórdão esclareceu que “a mesma ratio pode ser adotada para o contrato com outras transportadoras, desde que preponderem, no todo ou na essência, as mesmas constantes fáticas”. A mensagem é que se evite tanto a aplicação cega quanto o descarte imediato do precedente.

A Câmara dos Lordes advertiu que a aderência demasiadamente estrita a um precedente pode indevidamente restringir o desenvolvimento adequado do Direito.

Veja o acórdão:

Relator: Desembargador João Marcelo Balsanelli ARGUIÇÃO DE DIVERGÊNCIA. CONTRATO DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGA. ATIPICIDADE. DESCARACTERIZAÇÃO. NATUREZA CIVIL/COMERCIAL AFASTADA. TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA. CONSTATAÇÃO. INCIDÊNCIA DO INCISO IV DA SÚMULA 331 DO TST. TESE FIXADA DE ACORDO COM OS PRESSUPOSTOS FÁTICOS DOS PRECEDENTES QUE MOTIVARAM A DECISÃO (CPC, 926, §2º) – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE DE CARGA PACTUADO NO CASO CONCRETO.

1. O Direito do Trabalho pauta-se pelo “princípio da primazia da realidade”, segundo o qual a verdade factual impera sobre as formas.

2. Ainda que o negócio jurídico tenha aparência e título de “contrato de transporte”, oblitera-se a sua nomenclatura em prestígio à terceirização de mão de obra deveras ocorrida.

3. As constantes fáticas do caso concreto que respaldaram a conclusão foram as seguintes: I – Contratante detentora de parcela dos meios de produção; II – Contratante arca com parte significativa do custo operacional de realização da atividade; III – Contratante tem controle sobre o uso e a manutenção dos meios de produção; IV – Contratante impõe as suas regras quanto ao cumprimento da legislação ambiental, da segurança e saúde no trabalho e social; V – Contratante detém poder diretivo, com a faculdade de determinar a substituição de empregados; VI – Contratante mantém rigorosa e integral fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas e, VII – Contrato prevê a possibilidade de responsabilização subsidiária do contratante e possui cláusula assecuratória do direito de regresso em face do contratado.

4. A partir da exegese das premissas fáticas extraídas do caso concreto, fixa-se a seguinte tese: “O contrato firmado entre a empresa ELDORADO BRASIL CELULOSE S.A. e a empresa MA RIBEIRO DA SILVA TRANSPORTES – ME, para o transporte de madeiras, tem natureza de terceirização de mão-de-obra, no qual há incidência da Súmula 331, IV, do TST, com possibilidade de imputação, à tomadora dos serviços, de responsabilidade subsidiária pelos direitos trabalhistas devidos pela prestadora. A mesma ‘ratio’ pode ser adotada para o contrato com outras transportadoras, desde que preponderem, no todo ou na essência, as mesmas constantes fáticas”.

5. Arguição de divergência conhecida e tese prevalecente fixada. (TRT da 24ª Região; Processo: 0024109-21.2022.5.24.0000; Data: 11-08-2022; Órgão Julgador: Gabinete da Vice-Presidência – Pleno – relatoria nata da Vice-Presidência; Relator(a): JOAO MARCELO BALSANELLI)


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