Foram quase três anos de uma rotina de humilhações sofridas por uma auxiliar de produção, que incluía perseguições no vestiário, no refeitório, na câmara fria e até no setor de Recursos Humanos, com chacotas sobre sua intimidade, palavras de baixo calão, ameaças com cunho sexual e questionamento sobre sua sanidade mental. A comprovação dessas práticas no cotidiano da empregada levou a Justiça do Trabalho a condenar um frigorífico do sul de Mato Grosso por assédio moral.
A indenização, fixada em 15 mil reais em sentença proferida na 1ª Vara do Trabalho de Rondonópolis, foi elevada para 50 mil reais no Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), após os desembargadores concluírem que a quantia inicial estava aquém do dano sofrido pela trabalhadora.
Ao aumentar o valor, os magistrados destacaram o fato da vítima se tratar de uma pessoa com mais de 50 anos de idade acometida de doenças psíquicas -situação que era do conhecimento da empresa – e de ter sofrido até mesmo agressão física da encarregada da equipe, além das inúmeras ofensas em relação à sua sexualidade.
A decisão levou em consideração, ainda, a gravidade da conduta não só dos colegas de trabalho, mas de seus superiores. Conforme ressaltou o desembargador Roberto Benatar, relator do recurso julgado na 2ª Turma do Tribunal, nenhuma providência foi adotada, “ao contrário, a prova testemunhal demonstra que as pessoas que mais deveriam zelar pelo bem-estar da autora na empresa (gerentes, assistente social e encarregada) também se arvoravam a destratá-la, desdenhando de sua situação de saúde, tratando-a ‘como doente e louca’”.
As testemunhas confirmaram que a auxiliar de produção era sistematicamente alvo de deboches e xingamentos como “mole, covarde e sapatão”. Também era comum os colegas e sua superior fazerem alusões explícitas e debochadas de práticas sexuais que ela deveria adotar, e que, em uma ocasião na qual um empregado a ameaçou de violência sexual, a trabalhadora sofreu um surto, correndo em direção à rodovia federal nas proximidades da empresa, onde foi encontrada tempos depois.
Por fim, em dezembro de 2008, após dois anos e sete meses dessa rotina, a trabalhadora se viu afastada do trabalho por ordens médicas e passou a receber sucessivos benefícios previdenciários, até a aposentadoria por invalidez, em março de 2015.
A situação, definida pelo desembargador como “verdadeiro terror psicológico”, foi agravada, segundo ele, diante do fato de que o frigorífico tinha conhecimento de que a trabalhadora era portadora de doenças psíquicas desde a sua admissão, como admitiu em sua defesa. Assim, “maior obrigação de tratá-la com todo respeito e urbanidade, de modo a proporcionar um ambiente de trabalho harmônico e acolhedor, contudo, contrariamente, ora agiu de forma omissiva, nada fazendo diante das informações da autora no que pertine à tais condutas ofensivas pelos empregados, ora de forma comissiva, dirigindo-lhe diretamente tratamento pejorativo e até agressão física (…)”, observou.
Ao votar pelo aumento do valor da indenização, o relator lembrou que esta deve ter efeito pedagógico e salientou se tratar de uma empresa de grande porte, com capital social estimado em 5,8 milhões de reais, de modo que a condenação em um valor modesto não propiciaria “a necessária reflexão quanto à gravidade da conduta adotada, antes incentivando a reincidência”. O entendimento do desembargador foi seguido pelos demais integrantes da 2ª Turma.