3ª Câmara do TRT-SC interpretou que deslocamentos constantes de jogadores e comissão técnica são inerentes à rotina de trabalho e permitem que responsabilidade de clube seja presumida
A Justiça do Trabalho de SC condenou a Chapecoense a indenizar em R$ 210 mil a ex-companheira do fisioterapeuta gaúcho Rafael Gobbato, uma das 71 pessoas que morreram no acidente aéreo que vitimou a maior parte da delegação do clube em novembro de 2016, nos arredores do aeroporto de Medellín, na Colômbia.
Em setembro do ano passado, a 1ª Vara do Trabalho de Chapecó negou o pedido, concluindo não haver provas de conduta dolosa ou culposa do clube na contratação da companhia aérea boliviana Lamia. No entendimento do juízo, também não seria possível presumir a responsabilidade do empregador pelo transporte da delegação.
“Em se tratando de acidente de transporte, indispensável verificar a conduta dolosa ou culposa da empregadora para ensejar sua obrigação pela reparação dos danos correspondentes”, apontou a decisão, observando que a atividade-fim do clube é estritamente desportiva.
Responsabilidade objetiva
Ao examinar o pedido de recurso, porém, os desembargadores da 3ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) entenderam que a alta frequência de viagens de jogadores e da comissão técnica permite circunscrever os deslocamentos dentro da dinâmica regular de trabalho, que passa a ser considerada mais arriscada, atraindo um grau maior de responsabilidade do empregador.
Em seu voto, a relatora do acórdão, desembargadora Quézia Gonzalez, lembrou que as delegações esportivas têm de realizar deslocamentos frequentes entre as sedes dos jogos, muitas vezes enfrentando trajetos longos e não abrangidos por rotas aéreas comerciais. Para a magistrada, os riscos inerentes a esse tipo de translado permitem concluir que o clube possui responsabilidade objetiva (que independe de comprovação de dolo ou culpa) pelo transporte da delegação.
“Não há como desprezar que a dinâmica laboral compreende ordinariamente o deslocamento por via aérea ou rodoviária, mesmo que não seja essa a natureza e a finalidade da atividade associativa”, afirmou a relatora, observando que Tribunal Superior do Trabalho (TST) vem adotando o posicionamento de que, ao fretar um serviço de transporte aéreo exclusivo, a empresa contratante equipara-se ao transportador.
A relatora também considerou inaplicáveis as alegações do clube de que o acidente teria sido causado por responsabilidade exclusiva de um terceiro e que também poderia ser considerado um caso fortuito.
“Não servem como excludentes de responsabilidade, pois integram o próprio risco acentuado previsto legalmente”, ponderou a magistrada, acrescentando que o enquadramento poderia ser feito no caso de os deslocamentos serem incomuns na rotina laboral.
Negligência
Mesmo interpretando que a responsabilidade do clube pode ser presumida, a relatora também disse estar convencida de que houve negligência por parte da direção da Chapecoense na contratação da Lamia, destacando que a companhia aérea não possuía autorização de voo no território nacional.
“Mesmo que seja a ré leiga no assunto, há que se considerar que as reiteradas rejeições às solicitações de voo no território nacional devem levantar suspeita ou, no mínimo, merecem ser consideradas como elemento relevante para amparar a decisão de contratar empresa sediada em país diverso da origem e do destino”, afirmou.
A indenização foi fixada em R$ 210 mil, que representava 50 meses de salário do trabalhador falecido. O valor será corrigido pela Taxa Selic do período.
Pane seca
A tragédia com o avião da Chapecoense teve repercussão mundial. O clube catarinense vivia o maior momento da sua história e tentava ganhar seu primeiro título internacional em Medellín, na Colômbia, enfrentando o Atlético Nacional pela Copa Sul-Americana.
As investigações apontaram que houve falta de combustível (pane seca) na aeronave, e que a tripulação também foi negligente com o sinal de alerta emitido 40 minutos antes da queda, já nos arredores do aeroporto colombiano. Seis pessoas sobreviveram.
Processo n° 0000236-13.2019.5.12.0038 (ROT)