A 11ª Câmara condenou o Condomínio Agrícola Canaã, ligado à Cocal Comércio Indústria Canaã Açúcar e Álcool Ltda., de Paraguaçu Paulista, a pagar R$ 45 mil de indenização por danos morais a uma trabalhadora rural que atuava no corte e cultivo da cana-de-açúcar. Desse total, R$ 30 mil se referem ao assédio moral de caráter misógino praticado por um fiscal agrícola, e R$ 15 mil em decorrência do agravamento do quadro de depressão sofrido pela trabalhadora. A empresa também foi responsabilizada, entre outros, pelos honorários do perito médico, no valor de R$ 2,5 mil.
De acordo com os autos, a trabalhadora foi vítima do temperamento rude do fiscal da fazenda, que além de impor trabalho em dias de chuva com raios e trovões, proferia constantemente ofensas verbais contra a mulher, chamando-a de “biscate”, e que ia para a roça “atrás de macho” (o que foi confirmado por testemunhas), além de se referir a ela como alguém que “tinha problemas de cabeça”.
Para o relator do acórdão, desembargador João Batista Martins César, comprovados os vários atos de violência psicológica contra a honra, a vida privada, a imagem, dignidade e a intimidade da trabalhadora, ficou configurado mais que um simples assédio moral, mas a prática de misoginia, ou seja, práticas “discriminatórias e opressoras pelo fato de a trabalhadora ser mulher”, e por isso, entendeu necessário aumentar o “módico” valor da indenização de R$ 12 mil, arbitrado originalmente pelo Juízo da Vara do Trabalho de Rancharia, que julgou o caso.
Segundo o relator, “é dever do Estado Brasileiro efetivar os direitos das mulheres, protegendo-as contra atos de discriminação, inclusive os que ocorrem no local de trabalho, onde são frequentemente coisificadas e ofendidas”. E acrescentou: “o comportamento sexual inadequado é o principal instrumento de ofensas às mulheres, notadamente em razão da padronização de mecanismos de insultos que são mantidos em razão de uma cultura de passividade, mansidão, que é imposta às mulheres, que devem sofrer caladas”.
A decisão colegiada unânime ressaltou a gravidade das práticas discriminatórias relatadas nos autos e lembrou que “cabe às autoridades públicas atuarem de forma a eliminar todas as formas de discriminação contra a mulher praticada por quaisquer pessoas, organização ou empresa, conforme compromisso assumido pelo Brasil, signatário das Recomendações da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará, de 1994) e da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW,1979), ratificada pelo por meio do Decreto 4.377, de 13.9.2002. Ressaltou, também que “o empregador é responsável por manter um ambiente de trabalho íntegro e saudável (art. 7º, XXII, e 200, VIII, da CF) e responde, independentemente de culpa, pelos atos praticados por seus empregados (art. 932, III, e 933 do CC)”. Importante lembrar que no caso dos autos, a empresa “sequer alegou ter atuado de qualquer forma para coibir ou punir a prática”.
O acórdão também afastou a justa causa aplicada pela empresa em virtude de abandono de emprego, e condenou a reclamada a pagar as verbas rescisórias normais, bem como entregar documentos necessários para levantamento do FGTS e habilitação ao seguro-desemprego. Segundo o relator, “não há falar em abandono de emprego e a autora não poderia ter sido dispensada (sequer sem justa causa) porque estava doente”.
Segundo os autos, a empresa havia encaminhado telegrama à trabalhadora, que se encontrava doente, para endereço diverso daquele que ela morava ao tempo do desligamento, e por não ter resposta, decidiu pela dispensa por justa causa, em virtude de suposto abandono de emprego. Em razão do reconhecimento de que as agressões agravaram o quadro de depressão da trabalhadora, o colegiado entendeu que era necessário condenar também a empresa por dano moral por doença ocupacional (R$ 15 mil) e, bem assim, salários e demais direitos que lhe seriam assegurados até 12 meses após a alta médica, em virtude da garantia de emprego prevista para quem permanece afastado do trabalho por mais de 15 dias por acidente do trabalho (ao qual se equipara a doença ocupacional), nos termos do artigo 118 da Lei 8.213/91.
O condomínio foi condenado também em diferenças de horas in itinere (de percurso), sendo liberado imediatamente, em tutela de urgência, o depósito recursal efetuado pela empresa, no valor original de R$ 9.828,51, a favor da trabalhadora, em razão, principalmente, do estado de pandemia da covid-19. Por fim, houve condenação de ofício em diversas obrigações de caráter preventivo para evitar atos discriminatórios contra as mulheres trabalhadoras na empresa, como a promoção, todos os anos, no mês de março, de campanhas sobre o tema assédio moral e misoginia, notadamente sobre a forma de tratamento às mulheres, direcionadas aos seus empregados e prestadores terceirizados, bem como aos chefes para que orientem e reprimam esses comportamentos discriminatórios. As campanhas deverão ser orientadas por profissionais integrantes do Serviço Especializado em Engenharia, Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) e pelos profissionais da CIPA (Comissão interna de prevenção de acidentes), com o respectivo registro no livro correspondente; no referido mês de março, os recibos de pagamentos deverão consignar frases sobre a prevenção ao assédio moral e à misoginia. O descumprimento das obrigações resultará em multa diária de R$ 300,00, por determinação descumprida, a ser revertida à reclamante. Para o relator do acórdão “a lesão extrapola o âmbito individual e atinge a coletividade de empregados da empresa”, o que justifica as medidas determinadas.
Processo 0010404-56.2017.5.15.0072
Fonte: TRT/15 – Região de Campinas