O Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) de Sorocaba, órgão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em decisão liminar contra o Estado de São Paulo, determinou que o ente público, seja diretamente ou por meio de escolas ou Diretorias de Ensino, deixe de fomentar a contratação de adolescentes para exercer atividades laborais proibidas para menores de 18 anos e/ou que estejam em situação de desvirtuamento de estágio. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
#ParaTodosVerem: foto em preto e branco exibe uma criança olhando pela fechadura
Na decisão, do juiz Valdir Rinaldi da Silva, coordenador do Jeia de Sorocaba, também foi imposto ao réu a obrigação de averiguar, por ocasião de pedidos de alteração de turno escolar, a regularidade de contratações apresentadas por estudantes e familiares e comunicar aos órgãos competentes em caso de suspeita de irregularidade.
A decisão deve ser divulgada em todas as escolas estaduais do Estado de São Paulo. A multa diária por descumprimento é de R$ 5.000,00 por obrigação, reversível ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
O procurador Gustavo Rizzo Ricardo ajuizou ação civil pública após constatar que escolas públicas estaduais da cidade de Porto Feliz (SP) estavam intermediando a contratação de estudantes para trabalhar em empresas da cidade, contudo, sem registro de menor aprendiz, com jornada de trabalho acima do permitido e estudando com atestados irregulares em todas as escolas do ensino médio da cidade.
A Diretoria de Ensino de Itu, responsável pela região, manifestou-se ao MPT, informando que as escolas estão inseridas em “contexto social/financeiro vulnerável”, e que “o salário do aluno tem sido a única fonte de renda para suprir carência alimentar” nas famílias, uma vez que muitos pais se encontram desempregados. Ainda pontuou que “existe um processo mais elaborado para contratação de menor aprendiz e que não são todos os alunos que conseguem aprovação”, ficando responsável por fomentar a contratação de estudantes da rede pública por empresas de Porto Feliz.
A investigação coletou uma série de solicitações para mudança de turno de alunos para o período noturno por conta da jornada de trabalho, e constatou que parte dos alunos trabalha em atividades proibidas pelo decreto federal nº 6.481, que lista as piores formas de trabalho infantil e os segmentos econômicos que não podem contratar menores de 18 anos.
Ao longo dos últimos anos, os estudantes de Porto Feliz/SP se ativaram em setores como construção civil, fazendas, mecânicas, indústria têxtil, marcenaria, empresa de borracha, e exercem atividades como ajudante de caminhão, babá e cuidador infantil, dentre outras. Ao menos 3 adolescentes de 15 anos que pediram mudança para o período escolar noturno trabalham sem contrato de aprendizagem e em jornada além do permitido (um deles com jornada de 10 horas diárias).
Além disso, o MPT constatou que as escolas fomentam o desvirtuamento de estágio, uma vez que pelo menos 7 adolescentes de 17 anos estão trabalhando sem contrato formalizado. “Nesse cenário ficaram evidenciadas as irregularidades, bem como o papel fundamental do Estado nas aludidas contratações realizadas ao arrepio da lei, ora atuando como intermediário, ora fomentando as contratações”, afirmou o procurador.
Foi proposta ao Estado a assinatura de termo de ajuste de conduta (TAC), mas o ente público manifestou desinteresse, justificando que a responsabilidade pela supervisão e acompanhamento do estágio é “compartilhada com os demais atores envolvidos em todo o processo”, informando que foi enfatizado à Diretoria de Ensino da região de Itu para atuar com maior rigor, no sentido de verificar se as empresas que aderiram ao estágio estão cumprindo as suas obrigações.
“O Estado apenas se ateve à questão do estágio irregular e nada manifestou sobre as situações que estavam demonstrando exploração de trabalho infantil, mascaradas sob a roupagem da aprendizagem, além de trabalho proibido para menores de 18 anos”, finalizou o procurador.
Na decisão liminar, o juiz Valdir Rinaldi afirmou que a situação em Porto Feliz exige “prioridade absoluta”, pois é capaz de “afetar bem maior”, se referindo ao direito inalienável das crianças e adolescentes à educação, saúde, profissionalização, cultura e dignidade.
No mérito do processo, o MPT pede que seja efetivada a liminar em caráter definitivo, e que haja a condenação do Estado de São Paulo ao pagamento de R$ 2 milhões por danos morais coletivos.
Processo nº 0010156-26.2024.5.15.0111