A 10ª Câmara do TRT-15 reduziu de 8 para 4 horas a jornada de trabalho de uma professora da rede pública de ensino do Município de Pirassununga para que ela pudesse dedicar cuidados especiais ao seu filho portador do Transtorno do Espectro Autista. A redução, porém, não se aplica ao salário, que se mantém integral, segundo decisão colegiada que teve, como relator, o desembargador Edison dos Santos Pelegrini.
O Juízo da Vara do Trabalho de Pirassununga havia julgado improcedentes os pedidos e, por isso, condenou a reclamante ao pagamento de 5% do valor da causa a título de honorários advocatícios, devendo ser observado o disposto no § 4º do artigo 791-A da CLT. Por isso, ela insistiu, em seu recurso, em dois pontos: benefício da justiça gratuita e redução da jornada.
Sobre o primeiro ponto, o colegiado concedeu o benefício da justiça gratuita por entender que, apesar de o salário bruto da reclamante ser superior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, se considerados os descontos legais e as despesas inerentes à especificidade do caso em debate, “o líquido é inferior”. Nesse sentido, o acórdão também isentou a professora de recolher as custas processuais.
Quanto ao segundo pedido, o acórdão afirmou que a professora, contratada desde 1/7/2013 pelo Município de Pirassununga, tem direito à redução de sua jornada de trabalho, mas ressaltou que “não fossem reduzidos os seus vencimentos, porque necessários para arcar com os gastos elevados nos cuidados com o filho”. Segundo alegou a professora, seu filho, de dez anos de idade, “precisa da sua presença por períodos maiores de tempo”. Ela juntou atestados e laudos médicos para corroborar suas alegações, entre outras de que “o filho não aceita os cuidados de outras pessoas e que a ausência da reclamante traz prejuízo à sua saúde”.
A mãe conseguiu ainda comprovar que o filho, portador do Transtorno do Espectro Autista, é “totalmente dependente nos cuidados com a higiene, alimentação, apresentando desvios de interação, comportamentos inadequados como a autoagressão e dificuldades em geral, tendo necessidade de acompanhamento da mãe em razão da dificuldade de interação social”.
O colegiado afirmou que, “no caso em debate, os direitos fundamentais, especialmente os emanados pela Constituição Federal, além dos direitos da criança e do adolescente, superam a legislação ordinária”. O entendimento da Câmara se baseou na Carta Magna, que traz os princípios fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito, tendo por fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa e os valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV, da CF/88). A mesma Carta afirma também os princípios da atividade econômica, fundada na valorização do trabalho humano, com a finalidade de assegurar a todos existência digna, com justiça social, e redução de desigualdades (art. 170, CF/88). O colegiado destacou o papel da família, como base da sociedade, com especial proteção do Estado, impondo à própria família, à sociedade e ao Estado “o dever de assegurar à criança o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade, à convivência familiar, colocando a salvo de toda forma de negligência, discriminação, violência e opressão (arts. 226 e 227, CF)”.
O acórdão salientou que “não se pode esquecer de todo o ordenamento jurídico infraconstitucional visando assegurar e tornar realidade os princípios constitucionais”, destinado à proteção da criança, sobretudo a portadora de deficiência que exige cuidados especiais e que não podem ser dados por qualquer um, mas por pessoas específicas ligadas ao seu núcleo familiar, e cabe ao Estado garantir o cumprimento do direito pleno do desenvolvimento e do exercício de suas habilidades, em que pese suas limitações”.
O colegiado afirmou, com relação à decisão da Câmara, que “não se trata, portanto, de conceder um benefício à reclamante e causar prejuízos ao empregador ou ao erário, tampouco permitir o enriquecimento sem causa da trabalhadora, mas sim de dar um mínimo de condições para que esta mãe, na verdade, auxilie o Estado no cumprimento de um dever que é seu, qual seja, garantir que a criança com Transtorno do Espectro Autista possa gozar dos seus direitos humanos e ter a sua dignidade como pessoa respeitada”.
Processo nº 0010046-25.2019.5.15.0136.
Fonte: TRT/SP – Região de Campinas.