Uma trabalhadora assediada moral e sexualmente pelo chefe na loja em que trabalhava obteve na Justiça do Trabalho de Minas a condenação de ambos (chefe e empresa) ao pagamento de reparação pelos danos morais sofridos. A decisão é da juíza Ana Luiza Fischer Teixeira de Souza Mendonça, em sua atuação na 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. Por considerar a conduta de “altíssima gravidade”, o TRT de Minas, ao julgar recurso, aumentou o valor da indenização para 30 mil reais.
Na reclamação trabalhista, a ex-empregada alegou que era maltratada pelo patrão na frente de todos da loja. Segundo ela, o homem também a assediava com insultos e convites de cunho sexual, totalmente inapropriados ao ambiente de trabalho. Ao se defenderem, o acusado e a empresa negaram os fatos. Afirmaram que as conversas apresentadas pela trabalhadora como prova dos abusos teriam sido gravadas em momento de descontração.
Mas a julgadora não achou graça nenhuma e reconheceu o assédio denunciado pela trabalhadora. Uma conversa transcrita mostrou a forma grosseira com que o chefe tratava a empregada com o objetivo de constrangê-la. Conforme ponderou a magistrada, ainda que, a princípio, a intenção não fosse efetivamente de coagi-la à prática de sexo, mas sim menosprezar e enxovalhar, o discurso tinha a intenção de ferir a honra e a moral da empregada.
“Burra”, “safada” e “idiota” foram algumas das palavras grosseiras proferidas pelo homem, que também mandou a empregada levantar a blusa. A magistrada chamou a atenção para o tom ofensivo e degradante à figura feminina. Para ela, o humor e a descontração não podem ser considerados desculpas para a atitude.
Na decisão, ricamente fundamentada, foi registrado que a violência simbólica faz com que, mesmo os opressores, muitas vezes, não reconheçam a violência que praticam, acreditando que suas ações são naturais e justificadas. Segundo a juíza, um dos principais canais para o exercício da violência simbólica é o discurso. “O humor é inúmeras vezes utilizado como subterfúgio para a violência simbólica”, registrou, acrescentando que, quando questionados, os opressores geralmente argumentam que “foi só uma piada” e reclamam que “hoje em dia não se pode mais brincar com nada”, estão querendo criminalizar tudo, até uma simples brincadeira”.
Conforme ponderou a magistrada, esse discurso seria aceitável há algumas décadas, mas não nos dias de hoje. “Pedir a uma mulher que levante sua blusa para mostrar seus seios, ou que proceda outros atos eróticos intranscritíveis, não é uma piada. Trata-se de um discurso machista, altamente impregnado com conteúdo pejorativo, diminuindo a figura feminina, reforçando o poder do homem/patrão com nítido intuito de intimidar a mulher/empregada”, enfatizou. No seu modo de entender, o contexto do diálogo gravado deixou nítido o tom ameaçador, tentando submeter a mulher à arrogância do patrão.
A decisão fez referência à Convenção nº 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, pontuando que essa norma busca combater a discriminação no acesso e na relação de emprego ou na profissão, de forma que não seja aceita exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social. Do mesmo modo, a Lei nº 9.029/95, em seu artigo 1º, repudia qualquer tipo de discriminação no ambiente de trabalho, chegando mesmo a criminalizar algumas condutas. O dispositivo proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal.
Diante do apurado, a juíza decidiu condenar os réus, tanto a empresa como o chefe imediato da empregada, ao pagamento de indenização por danos morais, registrando que “as condutas praticadas pelo preposto (…) extrapolaram o exercício do poder diretivo inerente ao empregador, em claro abuso de direito, criando um ambiente de trabalho hostil e desgastante”.
Em grau de recurso e diante da gravidade do caso, a 1ª Turma do TRT de Minas considerou insuficiente o valor de R$ 10 mil arbitrado pela juíza, pontuando a necessidade de que esse tipo de conduta seja rechaçado pelo Poder Judiciário com firmeza. Assim, os julgadores acolheram o recurso da trabalhadora para aumentar a indenização para R$ 30 mil.