TRT/MT: Advogado que atuou em cartório consegue reconhecimento de vínculo de emprego

Apesar de ser um serviço delegado pelo Poder Público, a atividade dos cartórios tem caráter privado, a cargo do notário, a quem cabe os riscos da atividade econômica.


Um advogado que prestou seus serviços em cartório de registros no interior de Mato Grosso teve reconhecido o vínculo de emprego, após acionar o tabelião na Justiça do Trabalho.
O profissional relatou ter atuado no Cartório do 1º Ofício de Barra do Garças desde setembro de 2007, inicialmente como auxiliar jurídico, função que ocupou por três anos. Ao final desse tempo, ao ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, foi dada baixa na Carteira de Trabalho, mas jamais deixou de trabalhar no cartório. Passou, então, a atuar como advogado, atividade que exerceu até novembro de 2017.
Nesse período, o então tabelião foi sucedido por outro, nomeado interinamente pelo juiz de Direito responsável pelos cartórios extrajudiciais.
Ainda conforme o advogado, suas atividades rotineiras incluíam as defesas judiciais, emissão de pareceres, atendimento ao público externo e interno, averbações de mandados e tudo mais que o registrador determinasse.
Em defesa, o tabelião interino afirmou que o profissional prestava serviços eventuais autônomos de advocacia, conforme os dois contratos de prestação de serviço apresentados à Justiça do Trabalho: o primeiro, de setembro de 2013 até fevereiro de 2015, e, o segundo, de abril de 2015 até setembro de 2017.
Alegou ainda que o advogado possuía escritório de advocacia particular onde realizava o atendimento de diversos clientes e que jamais existiu, com o cartório, a prestação de serviço de forma subordinada, que o mesmo poderia ser substituído por qualquer pessoa que subcontratasse, não sendo exigida pessoalidade. Além disso, argumentou que os valores jamais foram pagos a título de salário, mas sim como contraprestação da realização do serviço pactuado e, ainda, que nunca houve controle de horário de trabalho do profissional.
Ao analisar o caso, o juiz Adriano da Silva, em atuação na Vara do Trabalho de Barra do Garças, concluiu ter havido sim vínculo de emprego após verificar a existência dos requisitos que caracterizam esse tipo de relação, como onerosidade, pessoalidade, não eventualidade e subordinação.
Os próprios contratos apresentados comprovaram o pagamento de férias e de 13º salário, parcelas de natureza salarial, típicas de relação de emprego e que não são devidas a trabalhadores autônomos. No mesmo sentido, foi incluído no processo outro documento próprio da relação de emprego: um Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho (TRCT), emitido quando da primeira dispensa contratual.
Como exemplo da pessoalidade e subordinação, houve a confissão de que o advogado não podia ser substituído sem autorização do responsável pelo cartório e a testemunha, também indicada pelo cartório, afirmou que o advogado recebia ordens e era subordinado a pelo menos três pessoas na linha hierárquica do órgão. Quanto ao horário de trabalho, o profissional de direito também tinha de cumprir jornada dentro do cartório, sendo que tinha de pedir permissão para deixar o local.
Caráter privado do serviço notarial
Com relação à sucessão do cartorário, o juiz do trabalho ressaltou que o fato de a Constituição Federal estabelecer, em seu artigo 236, que o provimento dos serviços notariais se dá por concurso público, isso não significaria dizer que inexistia ato entre o antecessor e o novo titular, nem transferência de patrimônio, ou que o tabelião titular não poderia ser empregador.
Isso porque o mesmo dispositivo fixou que a exploração do serviço notarial e de registro ocorre em caráter privado, excluindo o Estado como empregador, “mas também que o empregador seria a pessoa física que o explorasse, tanto que o artigo 20 da Lei n. 8.935, de 18.11.1994 deixou claro que o empregador era o tabelião titular, pois auferia vantajosa renda decorrente do serviço explorado e assumia pessoalmente os riscos, como ações cíveis e criminais”, explicou o magistrado, citando a lei que regulamentou o referido artigo constitucional.
Ainda conforme apontou, apesar de se tratar de serviço delegado pelo Poder Público e subordinado às normas da Corregedoria, a responsabilidade pelo órgão está a cargo do titular do notário. “Não se pode extrair do dispositivo em exame, que eventual substituição do titular por outro não importaria na assunção dos riscos do empreendimento, com a responsabilidade pelos débitos trabalhistas por ventura existentes, nos termos dos arts. 10 e 448 da CLT”.
Por fim, o juiz enfatizou que a condição dada aos cartórios não retira a natureza trabalhista das relações e não impede a caracterização da sucessão, reconhecendo o vínculo de emprego. Com a decisão, o advogado irá receber as verbas rescisórias, como férias e 13º salário proporcionais, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o seguro-desemprego.
Jornada de Advogado e Horas extras
Ao julgar o pedido de pagamento de horas extraordinárias, o magistrado levou em consideração o Estatuto da Advocacia (Lei8.906/1994), o qual estabelece que a jornada de trabalho do advogado empregado não pode exceder a duração diária de 4 horas contínuas e a de 20 horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusive. Diante da não comprovação de quitação de horas extras, determinou o pagamento das horas que ultrapassaram a 4ª diária ou a 20ª semanal.
As condenações excluem as parcelas anteriores a março de 2015 em razão da prescrição bienal invocada pelo cartorário e acolhida na sentença.
Como a decisão é de primeiro grau, cabe recurso ao TRT de Mato Grosso.
Processo nº (PJe) 0001362-02.2017.5.23.0026


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