Situação ocorreu após ele tomar a decisão de retirar seus 37 subordinados de uma fazenda no interior de Mato Grosso por falta de alimentação.
Durante mais de dois meses, o empregado de uma reflorestadora compareceu diariamente ao escritório da empresa, no interior de Mato Grosso, à espera de ordens para cumprir. Ocupante há vários anos do cargo de gerente regional, ele se viu obrigado a esse ócio forçado após decidir retirar a equipe que coordenava da fazenda onde o grupo estava atuando, no município de São José do Rio Claro.
A decisão de, juntamente com seus 37 subordinados, pegar um ônibus e deixar o local de trabalho foi tomada após ser informado pelo mercado da região que não seria mais garantido alimento ao grupo e, ainda, de nenhuma atitude ser tomada por seu superior, mesmo após reiterados pedidos de providência. Conforme o proprietário do comércio, o corte no fornecimento se dava em cumprimento a uma determinação da reflorestadora.
Tão logo chegou à cidade, o gerente foi colocado em férias e ao fim dela, em outubro de 2017, teve início o período de ociosidade forçada, como é chamada juridicamente a situação em que a empresa mantém o trabalhador sem nenhuma atividade a cumprir. Além do constrangimento de “ser colocado na geladeira”, sofreu nesse período com descontos em sua remuneração. O quadro perdurou até janeiro de 2018, quando o trabalhador foi então dispensado por justa causa, sob a alegação de abandono de emprego.
Na Justiça ficou comprovado que, durante esses quase 70 dias, o gerente teve seus e-mails ignorados por seus superiores e foram negadas as condições mínimas para que ele pudesse comparecer a uma reunião na sede da empresa, em Cuiabá, para o qual ele fora convocado inicialmente. E-mails juntados ao processo revelaram que a secretária do escritório foi orientada a não dar nenhuma informação ao gerente e também que ela foi duramente repreendida por um dos diretores por ter recebido um atestado médico apresentado pelo trabalhador, tarefa que fazia parte de suas funções e a qual ela realizava rotineiramente com os demais empregados.
Esses acontecimentos levaram a juíza da Vara do Trabalho de Juara, Helaine de Queiroz, a condenar a empresa por assédio moral após concluir que ela “apresenta fortes falhas quanto à responsabilidade social que possui em relação aos seus empregados.” Nesse sentido, apontou os depoimentos dos representantes da reflorestadora de que os trabalhadores não podiam ter se retirado, pois o projeto era muito importante, isso apesar de ter sido informado da falta de comida na unidade. Para a magistrada, “ao julgar que o projeto desempenhado é mais importante que a integridade física dos seus funcionários, retira-lhes característica inerente ao ser humano – a dignidade.”
Por fim, a juíza ressaltou a postura prudente do ex-gerente diante da falta de solução por parte da empresa para a falta de comida de seus subordinados, o que lhe rendeu as acusações posteriores de abandono de emprego, o que foi refutado pelas provas juntadas ao processo judicial.
Inconformada com a condenação, a empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), pedindo a reforma da sentença. Entre outros argumentos, reiterou que a justa causa se deu porque o ex-empregado não teria retornado após as férias e, quanto ao assédio moral, ponderou que o trabalhador não comprovou ter sofrido dano psicológico pelas supostas situações vexatórias a que teria sido submetido.
Entretanto, nenhum dos argumentos da empresa foi aceito pela 1ª Turma do TRT/MT. Acompanhando por unanimidade o voto da juíza convocada Eleonora Lacerda, relatora do recurso, os demais membros da Turma concluíram que as provas não deixam dúvidas que não houve abandono de emprego e que, mesmo tendo passado por situações características de assédio moral, ele manteve-se assíduo ao trabalho.
Os magistrados também lembraram que para a caracterização do dano moral não é exigida a prova do dano em si, mas simplesmente do fato que o motivou, uma vez que este resulta do próprio ato ilícito praticado pelo empregador. ”A tão só conduta da reclamada em manter o autor sem trabalho durante a jornada já configura ato ilícito, uma vez que extrapola o seu poder diretivo, e caracteriza ofensa e menoscabo à dignidade do autor”, explicou a relatora.
“Ora, o constrangimento sofrido pelo autor ao passar por essa situação e depois ainda ser alvo de atitudes que visavam a minar sua autoestima, como por exemplo, ter seus emails ignorados e ser colocado em inatividade forçada, é evidente”, concluiu a relatora, ao manter as condenações, inclusive quanto ao valor da reparação do dano moral fixado na sentença em 20 mil reais.
Por fim, a Turma manteve reversão da justa causa em rescisão indireta (o que garante o direito ao trabalhador das verbas rescisórias) e a determinação da empresa devolver os descontos feitos durante o período de ociosidade forçada, o pagamento do FGTS em atraso e a quitação do montante que o trabalhador utilizou durante diversos meses para a compra de alimentos para sua equipe, sem que tenha sido ressarcido integralmente.
Processo (PJe) 0000007-41.2018.5.23.0116