O trabalhador de uma empresa de pré-moldados conseguiu modificar, no Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), decisão que havia atribuído a ele parcela de culpa pelo acidente que o deixou incapaz após sofrer choque elétrico em rede de alta tensão.
A reversão é resultado de recurso apresentado pelo empregado à sentença proferida na Vara do Trabalho de Água Boa. Nela, foi reconhecida a culpa concorrente do trabalhador, que teria adotado uma postura desatenta e, com isso, praticado um ato inseguro durante a construção de um barracão em uma fazenda no interior do estado.
O acidente ocorreu durante a instalação da estrutura pré-moldada. No momento em que ele iria transportar uma escada de alumínio, esta acabou encostando na rede elétrica de alta tensão que passava sobre o local.
A descarga elétrica que atingiu o trabalhador por alguns segundos deixou marcas perenes: amputação da perna direita, atrofia das mãos, dificuldade para falar, abrir a boca e deglutir, além de queimaduras graves por todo o corpo. Sequelas que o deixaram incapaz de “forma permanente e total multiprofissional”, conforme laudo emitido pela perícia médica.
Ao recorrer ao Tribunal, o trabalhador reiterou que a culpa pelo acidente foi inteiramente das empresas, tanto a fabricante de pré-moldados, sua empregadora, quanto a fazenda que contratou a obra. Argumentou que ambas deixaram de tomar as providências necessárias para prevenção em construções próximas a redes elétricas. Além disso, pediu a inclusão da concessionária de energia, que mantém as redes de alta tensão, dentre as responsáveis pelo ocorrido.
O trabalhador também questionou a conclusão da sentença, de que teria parte da culpa por transportar a escada sem antes reduzir e fechá-la. Segundo ele, a decisão não se atentou ao fato de que a escada estava inclinada, encostada na cumeeira do barracão. Daí que para poder fechá-la era preciso deixá-la totalmente em posição vertical e perpendicular ao solo, sendo que foi exatamente no momento em que fez esse movimento que ela encostou na rede.
A empresa de pré-moldados, assim como a fazenda, também recorreram ao Tribunal, ambas sustentando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima, que conhecia dos riscos existentes e que agiu de maneira insegura.
A fazenda, representada por espólio do proprietário já falecido, alegou ainda que não deveria ser responsabilizada pelo ocorrido, uma vez que apenas contratou a construção do barracão, não se tratando de hipótese de terceirização de serviços, mas sim contrato de empreitada por obra certa, de natureza civil, devendo incidir o disposto na Orientação Jurisprudencial 191, emitida por uma das turmas do TST. Alegou, também, que por ser o de cujus pessoa física, deve prevalecer a exceção contida na Súmula 18 do próprio TRT/MT.
Julgados pela 1ª Turma do Tribunal, os recursos tiveram como relatora a juíza convocada Eleonora Lacerda, que já de início reconheceu o acerto da sentença ao aplicar ao caso a responsabilidade objetiva, situação em que o dever do empregador arcar com os prejuízos do acidente não depende da comprovação de sua ação ou omissão, uma vez que o dano era potencialmente esperado devido ao ramo de atuação. Apontou, para tanto, que a atividade principal da empregadora, de fabricação de estruturas pré-moldadas de concreto armado, é classificada como de grau de risco 4, numa escala de 1 a 4, pela Norma Regulamentadora 4 do Ministério do Trabalho e Emprego.
Conforme explicou a magistrada, ainda que o acidente não tenha ocorrido no momento da fabricação da estrutura, mas em sua instalação sob cabos de alta tensão, a vítima estava exercendo atividade de risco “pois fazer/auxiliar a instalação dos equipamentos pré-moldados, com altura significativa e em local próximo a instalações elétricas implica risco muito superior ao que ocorre de ordinário nos misteres desenvolvidos na fabricação das estruturas que, por si só, já é considerada atividade com grau de risco 4, ou seja, com alto risco para a saúde do trabalhador.”
No entanto, a responsabilidade de indenizar pode ser afastada quando não houver nexo causal entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima. Dentre as hipóteses de ausência de nexo está o chamado ato exclusiva da vítima, que foi o principal argumento de defesa tanto da empresa quanto da fazenda.
A relatora destacou, entretanto, que os relatos de testemunhas e dos representantes da empresa deixam claro que o local da construção era próximo à rede de alta tensão elétrica e, apesar disso, não foi solicitada vistoria da concessionária de energia para a adoção de providências para evitar acidentes e, ainda, que a obra não foi elaborada e supervisionada por qualquer engenheiro ou arquiteto.
As provas demonstram que a fiação de alta tensão se encontra a partir de 6,30 metros de altura enquanto a escada aberta atinge 7 metros e que “o ponto mais próximo do barracão em relação ao prumo da rede elétrica dista pouco menos de 3 metros”, exatamente o local em que a escada estava apoiada.
Desse modo, a juíza avaliou que ao deixar a escada na vertical o trabalhador ingressou na área controlada da rede de alta tensão. “Aliás, da análise do seu depoimento, infere-se exatamente essa lógica de conclusão:”(…) o autor segurou a escada e distanciando-a da cumeeira para reduzi-la e levá-la por dentro do barracão até a sua frente, recebeu a descarga elétrica no terceiro passo para trás; não havia como encurtar a escada sem incliná-la no sentido oposto ao que estava.”
Concluiu, ainda, que a vítima não agiu por vontade própria ou de maneira desconexa de sua função, mas sim que acatou ordens para assim proceder. Desse modo, empresa e contratante foram considerados culpados pela conduta omissa de permitir que o trabalhador atuasse em um ambiente de trabalho inseguro. “Nesse contexto, não obstante incidir a responsabilidade objetiva pela atividade de risco explorada concluo que também houve evidente culpa empresarial ao deixar de adotar medidas previstas na legislação correspondente e o dever geral de cautela com relação ao modo de execução, por seus empregados, da atividade econômica explorada, não havendo espaço para definir a conduta do Autor como causa única, tampouco concorrente (art. 945 do CC), para o acidente”.
Quanto à alegação do representante da fazenda de que, por ser dono da obra e pessoa física, estaria isento da responsabilidade, a magistrada afirmou que há comprovação no processo que ele explora atividade econômica, cabendo então a responsabilidade solidária pelos danos do acidente, conforme a Súmula 18 do TRT.
Por fim, reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar a distribuidora Energisa, como requereu o trabalhador, avaliando, todavia, que a concessionária de energia não teve qualquer responsabilidade pelo acidente, uma vez que sequer foi comunicada da obra perto da rede energizada e em nenhum momento se alegou que as redes elétricas estavam instaladas em desconformidade com os padrões técnicos.
O entendimento da juíza-relatora foi acompanhado de forma unânime pelos demais membros da 1ª Turma do TRT mato-grossense.
Processo nº (PJe) 0000122-26.2016.5.23.0086
Fonte: TRT/MT