Era por volta das 10h40 quando o trabalhador se aproximou do silo para chamar os dois colegas para irem almoçar juntos, conforme tinham combinado no início do expediente. Mas ao subir as escadas, estranhou a falta de movimentação no local e, ao invés dos amigos, encontrou apenas a montanha de soja. Imediatamente, surgiu a suspeita de um acidente fatal, fazendo com que ele acionasse o responsável da empresa cerealista.
Os bombeiros e o SAMU foram chamados, mas, durante as buscas no depósito de grãos, encontraram os trabalhadores já sem vida, asfixiados depois de serem sugados ao entrarem no silo para retirarem a soja grudada nas laterais.
Trabalhador na empresa há 9 anos, uma das vítimas deixou esposa e uma filha de 4 anos, que recorreram à Justiça do Trabalho pedindo indenização pela morte do provedor da família.
A conclusão do processo, julgado na Vara do Trabalho de Jaciara, foi a de que tanto a empregadora quanto a vítima tiveram culpa pelo acidente fatal.
A cerealista foi considerada culpada por não adotar as medidas de segurança exigidas no caso, como fiscalizar o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), além de possibilitar que funcionários entrassem no silo e lá permanecessem sem nenhum controle e sem que outra pessoa ficasse do lado de fora como vigia, bem como não ter medidas de emergência e salvamento. Já o trabalhador também contribuiu de forma concorrente para a tragédia ao não usar cinto de segurança, EPI fundamental para evitar o acidente de trabalho que o vitimou.
Inconformadas com a decisão, ambas as partes recorreram ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), pedindo a reforma da sentença.
A empregadora alegou que sempre cumpriu as normas de segurança de trabalho, fornecendo todos os EPIs necessários para a função, e que a própria vítima foi a única responsável pelo acidente. Isso porque, embora tivesse passado por treinamentos, teria agido de forma negligente e imprudente, deixando de tomar as cautelas devidas e de obedecer às regras de que tinha conhecimento.
A família, por sua vez, argumentou que a culpa pela tragédia foi inteiramente da empresa, que não fiscalizava o cumprimento das normas, ao passo que também descumpria várias regras de segurança do trabalho. Também requereu o aumento da condenação pelos danos materiais, a serem pagos em forma de pensão, e do valor da compensação do dano moral, de 100 mil reais para 300 mil.
Ao analisar os pedidos, o relator dos recursos, desembargador Edson Bueno, confirmou o entendimento da sentença de que a conduta da empresa, assim como a do trabalhador, contribuiu para a ocorrência do acidente. O julgamento do relator levou em consideração os depoimentos e testemunhos, além de documentos como a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), emitida pela empresa, e a perícia elaborada a pedido do Ministério Público no inquérito policial que investigou a tragédia.
O magistrado examinou ainda quais medidas de segurança deveriam ter sido adotadas tanto pelo empregado quanto pelo empregador, em uma análise detida das Normas Regulamentadoras 31 e 33 do Ministério do Trabalho, para aferir a parcela de responsabilidade que cada um deles.
Dentre essas medidas, destacou a obrigatoriedade que cabia à empresa: de garantir que o acesso ao silo somente após “a emissão, por escrito, da Permissão de Entrada e Trabalho”, e com acompanhamento e autorização de supervisão, já que os trabalhos no interior dos silos “devem obedecer aos seguintes critérios: a) realizados com no mínimo dois trabalhadores, devendo um deles permanecer no exterior; b) com a utilização de cinto de segurança e cabo vida.”
Das obrigações que devem ser observadas pelo trabalhador, o magistrado ressaltou a obrigatoriedade de “utilizar adequadamente os meios e equipamentos fornecidos pela empresa” e “cumprir os procedimentos e orientações recebidos nos treinamentos com relação aos espaços confinados.”
Entretanto, essas exigências foram todas descumpridas, tanto as que cabiam à empresa quanto ao empregado. Da parte do trabalhador, por não usar o cinto no momento do acidente, mesmo sendo o EPI um item básico de segurança para a tarefa que ele iria desempenhar.
Da parte da empresa, o seu próprio representante afirmou, no trecho do depoimento à Justiça em que buscava enfatizar que o trabalhador falecido exercia função de liderança, que este “poderia entrar dentro do silo a qualquer momento se necessário;” como nos casos em que o grão empedrava e que exigiam a intervenção para regularizar o escoamento. “Ora, não existe essa permissão de o líder do setor ser dispensado dessa formalidade. A NR é enfática ao exigir que o acesso ao espaço confinado somente ocorra após a emissão, por escrito, da Permissão de Entrada e Trabalho, cujo arquivamento deveria se dar por cinco anos”, frisou o desembargador.
O magistrado salientou ainda que a confissão de que a entrada do empregado sequer era monitorada vai de encontro ao que foi sustentado como tese de defesa pela empresa, registrada inclusive na CAT, de que o empregado adentrou no silo “sem autorização da empresa, vindo a ser engolido pelos grãos de soja que se soltaram.”
“Ora, como se pode afirmar que não houve autorização da empresa para adentrar ao silo para realizar o procedimento de deslocamento da soja grudada, se o próprio preposto admitiu que o empregado “não precisava de tal autorização”?! Isso, a meu ver, de uma forma ou de outra, só demonstra que a empresa não foi cuidadosa com o mister que tinha de assegurar que o acesso ao espaço confinado somente fosse iniciado com acompanhamento e autorização de supervisão capacitada”, acentuou o desembargador-relator, para quem a atitude evidencia também que os procedimentos de emergência e resgates eram desprezados. “Afinal, se a empresa não monitorava quem entrava no silo jamais poderia ser eficaz com qualquer medida de salvamento que viesse a adotar”.
Também contrariando as normas, no momento do acidente o ‘anjo’ ou ‘vigia’ não estava em seu posto de trabalho, figura cuja atuação, seja de orientação quanto ao posicionamento do trabalhador no silo, seja como na imediata intervenção após o acidente, aumentaria as chances de outro resultado no acidente, avaliou o relator.
Concluiu, por fim, que a culpa no caso é concorrente, visto que empresa e trabalhador adotaram comportamentos que conduziram ao acidente, respondendo ambas em igual medida pelo resultado.
Assim, reconhecido o dano, o nexo causal e a culpa concorrente, o relator manteve a condenação imposta na sentença, no que foi seguido por unanimidade pelos demais magistrados da 1ª Turma do TRT/MT.
Valor da condenação
Quanto à compensação pelo dano moral, a 1ª Turma entendeu que o montante de 100 mil reais fixado na sentença é um valor justo e razoável, pois atende a critérios como a capacidade financeira das partes, o caráter pedagógico e preventivo da reparação, o princípio da vedação ao enriquecimento ilícito e as peculiaridades do caso, em especial a reconhecida culpa concorrente da vítima. Os magistrados registraram ainda que a quantia está em conformidade com as deferidas em casos semelhantes julgados no Tribunal.
Também com relação à indenização pelo dano material, a Turma julgou acertada a sentença que, em razão do reconhecimento da culpa concorrente, determinou o pagamento de pensão mensal equivalente a 2/3 da remuneração do trabalhador falecido. O valor deve ser dividido entre a filha e a esposa. No caso da primeira, a pensão deverá se estender até que ela complete 25 anos de idade. Já a esposa receberá a sua parte até a data em que o trabalhador atingiria 75,5 anos de idade, conforme expectativa de vida divulgada pelo IBGE no ano do acidente.
Por fim, confirmou a sentença no ponto que havia determinado que a empresa faça a constituição de capital, de forma a garantir o pagamento de pensão, independentemente de sua situação financeira no futuro.
Processo: (PJe) 0001712-20.2015.5.23.0071
Fonte: TRT/MT