TRT/RS: Vendedor externo que tinha jornada controlada indiretamente tem direito a horas extras

A 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) condenou uma indústria de bebidas a pagar horas extras a um vendedor externo. A decisão confirma, no aspecto, sentença da juíza Ana Paula Kotlinsky Severino, da 29ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
Ao ser contratado, o vendedor foi enquadrado pela empresa no artigo 62, inciso I, da CLT, pelo qual o empregado não tem direito ao pagamento de horas extras quando é inviável o controle de horário de suas atividades.
Para os desembargadores da 7ª Turma, porém, as provas produzidas no processo demonstraram que a empresa não só podia como também controlava o horário de trabalho do autor. Ele era obrigado a participar de duas reuniões diárias: no início da jornada, pela manhã, e no fim da tarde. Além disso, o roteiro de visitas era prefixado pela empresa e monitorado online.
“Nos termos do artigo 62, I, da CLT, os empregados exercentes de atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho não estão abrangidos pelo regime de duração normal da jornada de trabalho. O aludido dispositivo legal, contudo, não afasta o direito à satisfação das horas extras para aqueles que, apesar de realizarem atividades externas, laboram além da jornada normal e sofrem fiscalização, ainda que indireta, por parte do empregador”, observou a relatora do acórdão, desembargadora Denise Pacheco.
Conforme a magistrada, existem jornadas de trabalho mais flexíveis, mas essas não se confundem com a liberdade do trabalho externo em que efetivamente não há possibilidade de fiscalização pelo empregador. A desembargadora citou trecho de obra do jurista Valentin Carrion: “O que caracteriza este grupo de atividades é a circunstância de estarem todos fora da permanente fiscalização e controle do empregador; há impossibilidade de conhecer-se o tempo realmente dedicado com exclusividade à empresa. É o caso do cobrador em domicílio, propagandista etc. Mesmo externo, se estiver subordinado a horário, deve receber horas extraordinárias”.
Dada a ausência dos registros de jornada, a juíza Ana Paula, nos termos da Súmula 338 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), presumiu ser verdadeira a jornada informada na petição inicial, com as limitações dadas pela prova oral produzida e pelos ditames da razoabilidade.
Como base nesses elementos, a magistrada fixou que o reclamante trabalhava de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h30min, com 30 minutos de intervalo, e aos sábados, das 8h às 12h, sem trabalho em domingos ou feriados. “O reclamante faz jus ao pagamento de horas extras, assim consideradas as excedentes de 8 horas diárias e/ou 44 horas semanais, com base na jornada fixada, observados os adicionais legais ou normativos, considerados os mais benéficos, o divisor 220 e a base de cálculo na forma da Súmula 264 do TST e da OJ 397 da SDI-I do TST”, determinou. Também foram deferidos reflexos das horas extras em repousos semanais remunerados e feriados, férias acrescidas de um terço, décimos terceiros salários e FGTS.
A 7ª Turma do TRT-RS concordou com os parâmetros fixados pela juíza. Assim, o vendedor receberá o pagamento de uma hora extra por dia trabalhado de segunda a sexta-feira, exceto feriados, além dos reflexos mencionados.
A empresa não recorreu da decisão.
O reclamante afirmou na petição inicial que laborava em jornada suplementar mas que não recebia horas extras. Disse que trabalhava das 6h30min às 19h30min/19h30min, com, no máximo 30 minutos de intervalo, de segunda a sexta-feira, e das 6h30min às 17h no sábado, bem como na maioria dos feriados, sem receber o pagamento devido. Requereu o pagamento de horas extras e feriados em dobro, com reflexos.
A reclamada contestou aduzindo que o autor foi contratado como vendedor nos moldes do artigo 62, I, da CLT e que ele jamais laborou em jornada diversa das 7h às 16h durante a semana e das 7h às 11h aos sábados; que não havia trabalho em domingos e feriados, bem como que ele detinha controle sobre os intervalos intrajornada.
Nos termos do artigo 62, I, da CLT, os empregados exercentes de atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho não estão abrangidos pelo regime de duração normal da jornada de trabalho. O aludido dispositivo legal, contudo, não afasta o direito à satisfação das horas extras para aqueles que, apesar de realizarem atividades externas, laboram além da jornada normal e sofrem fiscalização, ainda que indireta, por parte do empregador.
Ainda que se considere a existência de jornada de trabalho mais flexível, esta não se confunde com a liberdade que decorre do trabalho externo em que não há possibilidade de fiscalização pelo empregador. Oportuno, nesse sentido, o ensinamento do mestre Valentin Carrion: “O que caracteriza este grupo de atividades é a circunstância de estarem todos fora da permanente fiscalização e controle do empregador; há impossibilidade de conhecer-se o tempo realmente dedicado com exclusividade à empresa. É o caso do cobrador em domicílio, propagandista etc. Mesmo externo, se estiver subordinado a horário, deve receber horas extraordinárias. […] Também serão devidas se a produção, sendo mensurável, não puder ser realizada senão ultrapassando a jornada normal. É o caso do motorista de caminhão, perfazendo percurso determinado entre certas cidades, cuja quilometragem exige fatalmente tempo superior ao de oito horas.” (in Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho – 21ª ed., São Paulo, Saraiva, 1996, p. 108).
No caso, em depoimento pessoal, o preposto da reclamada admitiu a possibilidade de controle da jornada do autor, pois referiu que o trabalhador comparecia na empresa no início e no final da jornada (“que a participação na reunião matinal é obrigatória, já está inserida no horário de trabalho, assim como a reunião vespertina”), que o roteiro era prefixado e monitorado online (fl. 319).
No mesmo sentido, aliás, são as declarações da testemunha da própria reclamada (fl. ): “que trabalha na reclamada desde 2012; que na filial CDA como supervisora de vendas desde 2014; que não trabalhou diretamente com o reclamante; que de 2012 a 2014 a depoente era supervisora de grandes contas, em outro local de trabalho, outra divisão; que a depoente trabalhava com outra equipe de vendedores, mas no mesmo local; (…) que as reuniões matinais iniciavam às 8h, com duração de 30min, e os vendedores chegava às 7h45min, por opção própria, pois havia café da manhã; que as reuniões vespertinas aconteciam por volta de 17h/17h15min e encerravam às 17h30min, de segunda a sexta-feira; que aos sábados havia treinamento uma vez ao mês das 8hás 12h; que nos demais sábados do mês os vendedores não trabalhavam; que desde 2014 era um sábado por mês; (…).
Portanto, a prova oral não deixa dúvidas a respeito da possibilidade de controle da rotina de trabalho do reclamante, tal como assentado na sentença, em desacordo ao estipulado na norma legal invocada na tese defensiva, não merecendo, pois, reforma a sentença.
Sinalo, por derradeiro, que a apelo da ré não se volta contra a duração da jornada laboral arbitrada na sentença.
Nego, pois, provimento ao apelo.


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