Atacado por um boi durante o trabalho de ordenha, o reclamante percebeu que havia uma vaca no cio e que um boi se aproximava. O trabalhador, então, teria “jogado um tijolo para tentar tanger o boi” e, depois, “cutucou o boi”, e aí o animal virou e deu uma cabeçada no trabalhador, derrubando-o no chão.
A 3ª Câmara do TRT-15 negou provimento ao recurso da viúva de um homem que morreu por complicações derivadas de um acidente de trabalho. A reclamante insistia no pedido de vínculo de emprego entre o marido e a reclamada, uma fazenda, e na responsabilidade civil desta pelo acidente de trabalho. O colegiado também não deu provimento ao recurso do reclamado, pai da vítima e proprietário da fazenda, que havia pedido a aplicação de multa por litigância de má-fé.
A viúva não concordou com a decisão do juízo da Vara do Trabalho de Olímpia, que negou o vínculo de emprego no período de fevereiro a agosto de 2012. Para a reclamante, o marido teria prestado serviços desde fevereiro de 2012, só que “o registro na CTPS ocorreu somente em agosto”. Alegou ainda que o registro na carteira, feito em 1º de agosto de 2012, ocorreu apenas por força do acidente de trabalho, datado de 11 de agosto daquele ano.
A única testemunha ouvida em juízo afirmou que não sabia dizer quando o colega que morreu tinha começado a trabalhar na fazenda.
O juízo de 1º grau reconheceu a possibilidade de que, uma vez que a vítima “prestava serviços na propriedade e em favor de seu pai”, a prestação de serviços tenha ocorrido no período indicado na petição inicial e que o registro na CTPS tenha ocorrido “somente após, e em razão do acidente de trabalho, como disse a reclamante”. E acrescentou ser possível também que a anotação na carteira de trabalho “tenha ocorrido com o intuito de fazer prova perante o órgão previdenciário, a fim de assegurar os benefícios da seguridade social”. O juízo afirmou ainda que “tal situação é atípica, mas possui certa coerência na conduta, embora ilegal, com objetivo de proteger o filho ‘de cujus’ e a sua família”. Por tudo isso, a sentença afirmou que “os fatos apurados nos autos colocam em dúvida a própria existência de relação de emprego havida entre as partes, muito embora o reclamado tenha anotado a carteira de trabalho”. O juízo lembrou que, na busca da “verdade real”, uma vez que na relação de trabalho “deve prevalecer o que realmente ocorreu na realidade dos fatos”, a existência de subordinação jurídica entre pai e filho “é duvidosa”, apesar de haver a “onerosidade nessa relação”.
Para a relatora do acórdão, desembargadora Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla, “é comum nessa situação a atuação do núcleo familiar no desempenho das atividades econômicas da fazenda, sendo razoável supor que o ‘de cujus’ agiu mais como colaborador (ou mesmo empregador), do que como empregado”.
Nesse sentido, o colegiado manteve inalterada a decisão que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego.
Em relação ao acidente de trabalho, a testemunha informou que este ocorreu porque o reclamante, durante o trabalho de ordenha, percebeu que havia uma vaca no cio e que um boi se aproximava. O trabalhador, então, teria “jogado um tijolo para tentar tanger o boi” e, depois, “cutucou o boi”, e aí o animal virou e deu uma cabeçada no trabalhador, derrubando-o no chão. Ainda segundo a testemunha, “o ideal seria o falecido ter pego um cavalo para tocar o boi daquele local”, já que ele sabia que “o boi era bravo”. Além do mais, “do local onde o boi estava não iria atrapalhar a ordenha”.
A queda lesionou a coluna do trabalhador, que foi levado ao hospital, passou por procedimentos cirúrgicos e ficou paraplégico. Devido a complicações decorrentes do acidente, veio a falecer em 1º de abril de 2013.
O colegiado entendeu, quanto ao acidente, que o trabalhador “foi imprudente”, isso porque, segundo a testemunha, ele sabia que “o boi era bravo e perigoso” e, mesmo assim, decidiu “tocar” o animal daquele local, quando o ideal seria “pegar um cavalo para tirar o boi de perto da ordenha”. Por tudo isso, “não há como imputar responsabilidade ao empregador pelo evento danoso, já que esse não concorreu de nenhuma forma para o acidente de trabalho”, concluiu o acórdão.
O colegiado ressaltou ainda que, mesmo que se adotasse a teoria objetiva de responsabilidade civil, “não haveria dever de indenizar, porquanto o fato exclusivo do ‘de cujus’ é situação que exclui o nexo de causalidade com o risco ambiental”. E, da mesma forma, pela teoria subjetiva, “não haveria responsabilidade do empregador, pois a culpa exclusiva da vítima rompe o nexo causal e exclui a culpa, afastando a obrigação de reparar o dano”. Assim, “em que pese o falecimento do trabalhador, o que ocorreu por fatalidade, não subsiste para o reclamado o dever de indenizar”, afirmou o acórdão.
Por fim, quanto à litigância de má-fé alegada pelo reclamado, o acórdão ressaltou a “litigiosidade acentuada nos autos devido à relação familiar existente entre a reclamante (nora) e o reclamado (sogro)”, além de “questões sociais e psicológicas por trás das questões jurídicas que extrapolam o âmbito da prestação jurisdicional”. Nesse sentido, salientou que “tais situações atenuam o rigor dos deveres processuais das partes, sendo necessário relevar condutas que eventualmente possam caracterizar infração processual”.
E, por entender que não houve nenhuma falta processual, a Câmara indeferiu o requerimento de multa por litigância de má-fé.
Processo nº 0010755-26.2014.5.15.0107 RO
Fonte: TRT/SP – região e Campinas.