[Editorial publicado no jornal O Estado de S.Paulo desta segunda-feira (14/4)]
Órgão encarregado de fazer a defesa dos interesses fiscais da União nos tribunais, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acaba de divulgar a última versão do anteprojeto da nova Lei de Execução Fiscal, que prevê o bloqueio, sem ordem judicial, de bens de contribuintes inadimplentes. A versão anterior, que fora divulgada no início de 2007, previa o bloqueio administrativo sem qualquer restrição e foi engavetada por causa das contundentes críticas que sofreu dos especialistas em Direito Tributário, Processual e Constitucional.
A nova redação do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal mantém os amplos poderes concedidos às autoridades fiscais previstos pela versão anterior. A proposta da PGFN autoriza os procuradores fazendários a promover o bloqueio administrativo dos bens de contribuintes inadimplentes, recorrendo até mesmo ao sistema do Banco Central (Bacen-Jud), que permite a penhora online das contas bancárias, às quais terão acesso. No entanto, a nova versão prevê que o bloqueio sem ordem judicial será provisório.
Atualmente, há cerca de 2,7 milhões de ações de execução fiscal nas diferentes instâncias das Justiças federal e estaduais. Elas constituem um dos principais fatores responsáveis pelo congestionamento do Poder Judiciário. As ações de execução fiscal representam 40% do número de processos em tramitação nos tribunais, chegando a 50% em algumas unidades da Federação. O tempo médio de tramitação de uma ação de execução fiscal é hoje superior a 16 anos. Com as medidas que acaba de propor, a PGFN quer encerrar essas ações em até cinco anos.
A morosidade na tramitação das ações de execução fiscal sempre foi objeto de duras críticas de procuradores da Fazenda e de juízes de varas fiscais. Eles atribuem parte do problema à lentidão da própria Receita Federal, que costuma demorar entre 4 e 5 anos para iniciar a cobrança. Nesse prazo, contudo, a maioria das empresas devedoras fecha ou, então, desfaz-se de qualquer patrimônio que possa ser bloqueado para efeitos de penhora.
Diante das críticas ao caráter altamente arbitrário da versão anterior do anteprojeto da nova Lei de Execução Fiscal, a PGFN decidiu manter o bloqueio de bens sem ordem judicial, por decisão de procuradores fazendários, mas incluiu um dispositivo que os obriga, em 30 dias, a ajuizar uma ação para que a Justiça avalie a decisão tomada. Com isso, o bloqueio administrativo cai, se não for confirmado judicialmente. Além disso, se a ação for impetrada fora de prazo, o bloqueio administrativo perde efeito. No caso do sistema Bacen-Jud, do Banco Central, o anteprojeto prevê que, se a Justiça não reconfirmar a penhora online em dez dias, o bloqueio perde a validade.
O anteprojeto também prevê a criação de um Sistema Nacional de Informação Patrimonial dos Contribuintes com o objetivo de facilitar a localização e o bloqueio do patrimônio e renda dos contribuintes — uma iniciativa até certo modo redundante, pois a Receita já dispõe dessas informações por meio das declarações de imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas. O principal interesse da PGFN é firmar convênios com os governos estaduais para ter acesso aos registros imobiliários. O banco de dados também deve reunir informações de cartórios, departamentos de trânsito, Agência Nacional de Aviação Civil, Comissão de Valores Mobiliários, bolsas de valores e do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, para permitir o bloqueio de registros e patentes. Com essas medidas, a PGFN pretende concentrar sua atuação apenas entre os devedores que tenham patrimônio imobiliário e financeiro para ser bloqueado e penhorado.
É compreensível que, no combate à sonegação e na cobrança de impostos devidos pelos contribuintes, as autoridades fiscais racionalizem seu trabalho e disponham de instrumentos legais eficientes. No Estado de Direito, contudo, não se pode admitir que os fins, por mais nobres que sejam, justifiquem meios arbitrários. A nova redação do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, embora mais branda que a anterior, contém vários dispositivos que podem levar à quebra de sigilo bancário e a um perigoso sistema de informações patrimoniais dos contribuintes, sob controle do Fisco e em detrimento dos direitos fundamentais do cidadão.
Revista Consultor Jurídico