por Marina Ito
Instrumento de exceção, cada vez mais banalizado, a Medida Provisória não pode ser extinta. Mas coibir o abuso na utilização do instrumento depende de medidas políticas e não, necessariamente, de novas regras. O entendimento é de advogados ouvidos pela reportagem da revista Consultor Jurídico sobre o tema que, novamente, volta a ser discutido.
O professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio, Álvaro Palma de Jorge, não vê necessidade de mudar as regras que regem as Medidas Provisórias. As MPs são regulamentadas pelo artigo 62, da Constituição Federal e pela Emenda Constitucional 32/01. “O grande omisso dessa história toda é o Congresso”, afirma.
Ele explica que o Congresso tem o poder de estabelecer o que é urgente e relevante, mas não tem feito isso. “Parece uma choradeira de quem não tem meio, quando tem”, constata. Assim como outros advogados consultados, Álvaro Jorge acredita que não há dúvidas de que o presidente não pode prescindir do instrumento.
Para o advogado Clèmerson Merlin Clève, foi o próprio Congresso que perdeu o controle da situação ao pedir ao Executivo a reedição da MP, na época do governo Sarney. “Com isso, abriu a porteira”, constatou.
O advogado Renato Stetner também acredita que não é necessário mudar nada na Constituição, pois a matéria já foi regulamentada. Stetner entende que, apesar da questão ser polêmica, nem tudo se resolve por lei nova. “A mudança tem de vir de uma alteração na cultura política e em maior resistência do Poder Legislativo. O governo precisa sofrer desgaste político quando edita Medida Provisória sem limite”, afirma.
Para o advogado Clève, é bom que a MP tranque a pauta quando não é apreciada dentro do prazo. “Ao trancá-la, vamos ter um Congresso mais ágil, que vai trabalhar com o presidente para evitar a edição de MP, ou uma negociação anterior do presidente com o Congresso, de modo que a medida possa ser aprovada dentro do prazo”, afirma.
Autor do livro Medidas Provisórias no Brasil: Origem, Evolução e Novo Regime Constitucional, o presidente da OAB do Rio, Wadih Damous, discorda. Para ele, são necessárias novas regras sobre o tema. O presidente da seccional credita o abuso ao fato de não haver determinação do que seja urgente e relevante, um dos requisitos necessários para que o Executivo edite MPs.
Damous explicou que, durante a ditadura, o Decreto-Lei também estipulava os critérios de urgência e relevância, mas discriminava em quais casos o dispositivo era permitido. “Não era respeitado, mas os critérios existiam”, afirma. O modo como o dispositivo foi redigido pela Constituição de 1988, explica, fez com que a MP fosse banalizada. “Transformou o Congresso num enfeite”, ressalta.
Isso porque, segundo Damous, a Emenda Constitucional 32/01 não deveria criar limitações negativas, ou seja, sobre quais matérias as Medidas Provisórias não poderiam ser editadas. Para ele, as limitações deveriam estabelecer sobre quais temas o Executivo poderia editar as MPs.
De acordo com o advogado André Hermanny Tostes, não somente é possível, como, às vezes, pode ser desejável, limitar a atuação de um dos poderes em caso em que há abuso. Segundo ele, instrumentos excepcionais, como as MPs, não seriam necessários se houvesse entendimento entre Legislativo e Executivo.
Critérios subjetivos
Wadih Damous mencionou uma MP editada durante o governo Sarney, em que se estabeleceu que Deodoro da Fonseca era herói da pátria. “Poderia até dizer que o tema era relevante, pois isso depende da subjetividade de cada um, mas urgente?”, constatou.
“A urgência não é da regulamentação, é do enfrentamento da circunstancia fática”, afirmou o advogado Clèmerson Clève. Ele também explicou que a relevância não é da matéria. “É da necessidade fática da interpretação normativa que não existe ou é inadequada”, constata.
Para o advogado, cabe ao presidente argumentar a relevância e urgência da MP. Clève considera a MP uma regra suspeita.“Ela não goza de presunção de constitucionalidade. A presunção precisa ser demonstrada”, constata.
Atuação do Judiciário
Segundo Damous, na época em que existia o Decreto-Lei, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que os critérios de urgência e relevância não podiam ser apreciados, pois eram atos políticos. “Hoje, o entendimento está mitigado. O STF já aceita investigar se MP está revestida desses requisitos”, constata.
Damous acredita que a tendência do Supremo vai ser, cada vez mais, aceitar a apreciação dos critérios de urgência e relevância. “A banalização leva a isso”, afirma. O presidente da OAB Rio vê esse cenário com muita ressalva. “O Poder Judiciário não pode interferir no Executivo”, afirma.
O professor Álvaro Jorge acredita que, apesar do Supremo ter colocado o primeiro “freio” no abuso, quando o governo Collor começou a reeditar MPs que já haviam sido rejeitadas, não é necessário passar o controle das medidas ao Judiciário. Já para Renato Stetner, a contestação das MPs no Supremo vai fazer com que o abuso diminua.
Revista Consultor Jurídico