Vendedor que omitiu proteção a sítio arqueológico não responde por destruição posterior

O vendedor que omitiu informação sobre a existência de sítio arqueológico em área vendida a uma incorporadora não responde pela destruição decorrente de obras futuras no local. A decisão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que seguiu entendimento do relator, ministro Jorge Mussi.

O andamento da ação penal já estava suspenso por uma liminar do próprio STJ. A venda e o início das obras ocorreram em 2003. A área se localiza no bairro do Morumbi, na cidade de São Paulo. Depois de ter descoberto que seu terreno era protegido por registro, o proprietário original obteve do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) autorização para resgate arqueológico. Isto feito, ele foi notificado da necessidade de resguardar uma parte do terreno, denominada “bloco de testemunho”, onde deveria ser erguido um muro de proteção.

O proprietário obteve, então, alvará para construção de oito casas no local. No entanto, por dificuldades financeiras, alienou o terreno a uma incorporadora – sem, contudo, informar que no local existia o sítio arqueológico. Segundo a denúncia, ele teria admitido que não mencionou a existência do sítio por medo de que os compradores desistissem do negócio. Para o Ministério Público, o vendedor teria, com isso, assumido o risco de destruição do sítio pela instalação do projeto, o que de fato ocorreu.

Habeas corpus

Após o recebimento da denúncia, o vendedor impetrou habeas corpus. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou o pedido de trancamento da ação penal. O tribunal entendeu que, ao sonegar dos compradores do imóvel a informação sobre a existência do sítio arqueológico, e sabendo que a continuidade das obras acarretaria danos ao local, o vendedor agiu consciente de que haveria destruição, inutilização ou deterioração do bem protegido pela Lei 9.605/98.

No STJ, porém, a Quinta Turma concluiu que a denúncia é atípica, isto é, não descreve crime previsto na lei. “Não há crime sem lei anterior que o defina”, observou o ministro Mussi. Ele explicou que o tipo penal tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente proibidas). Praticada determinada conduta, é preciso analisar se ela se amolda aos tipos penais existentes.

O ministro Mussi concluiu que “omitir o fato de que havia sítio arqueológico em terrenos que foram vendidos a terceiros” não se enquadra no tipo penal do artigo 62 da Lei de Crimes Ambientais (destruir, inutilizar ou deteriorar bem protegido). O crime previsto neste artigo é comissivo, explicou o ministro, isto é, “demanda a prática de ações para que reste consumado, sendo insuficiente, para sua caracterização, a simples omissão do agente”.

Garante

O ministro assinalou que a conduta de não comunicar a existência da área de proteção poderia, em tese, configurar crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão, no qual o agente só pode ser punido se ostentar a posição de garante. Não é o caso: o vendedor não tinha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, tampouco assumiu a responsabilidade de impedir o resultado.

“Da mesma forma, o simples fornecimento aos novos proprietários de projeto de empreendimento imobiliário não pode ser tido como suficiente a caracterizar o crime em análise”, uma vez que o vendedor não teria como prever a efetiva utilização das plantas pelos compradores e a consequente destruição, inutilização ou deterioração do sítio arqueológico, concluiu o ministro. O relator ainda destacou que os responsáveis pela efetiva destruição do patrimônio protegido não foram sequer denunciados pelo Ministério Público, o que reforça a impossibilidade de acusar o vendedor pelos fatos.

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