por Jeferson Moreira de Carvalho
Deve ser reconhecida a força da sociedade brasileira, mais precisamente, a atuação do movimento de mulheres, no sentido de conseguir a convergência de vontades do Poder Legislativo e Executivo para elaborar, sancionar e promulgar a Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida com “Lei Maria da Penha”, que tem como fim coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Se as mulheres, ainda em pleno século XXI, sentem a necessidade de uma legislação específica, que assegure a integridade de cada uma delas como pessoa, faz-se necessária e se justifica a edição da lei. Por esta razão, o esforço do sexo feminino, com o apoio de muitos homens, deve ser reconhecido e aplaudido.
Não deve a Lei Maria da Penha ser compreendida como o meio legal de proteção das mulheres, mas, simplesmente, o início de um sistema jurídico de proteção, que deve vir se aperfeiçoando no decorrer do tempo.
Ademais, não pode ser aceita como o meio protetivo por excelência, vez que o legislador foi extremamente tímido na redação da norma, e, na verdade, não alterou o que mais precisava ser alterado, ou seja, continua o infrator com a sensação de impunidade, em razão das regras vigentes do Código Penal.
Primeiramente, convém fazer breves apontamentos da lei, para afirmar que o artigo 2º não apresenta nenhuma novidade, já que, simplesmente, garante os direitos fundamentais que já estão garantidos pela Constituição Federal.
O artigo 5º, com o escopo de afastar qualquer dúvida, expressa que a violência doméstica é aquela praticada no âmbito de uma unidade doméstica, no âmbito familiar ou em razão de relação de afeto, independentemente de coabitação. Muito salutar a disposição, porque mostra, no geral, que a violência doméstica é aquela que se dá em decorrência de algum tipo de vínculo familiar, resultante de casamento ou não.
Também, de grande valor, a redação do artigo 7º, que afasta a idéia de que a violência contra a mulher somente seja física, pois a experiência mostra que, em muitos casos, a violência psicológica causa mais danos que aquela. Por isso, a lei considera a violência de todos os tipos, exemplificando como a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral.
Com o intuito de, efetivamente, punir o agressor, a lei proíbe que o juiz imponha obrigação àquele de expiar a pena com a entrega de cestas básicas ou através de uma simples pena de multa.
Por fim, os artigos 23 e 24 apresentam medidas protetivas às mulheres, que são aplicadas após a agressão ou violência, e que tem o fim, como a própria denominação indica, de proteção.
Feitas estas anotações, cabe verificar a timidez do legislador, que, na prática, não alterou a pena a ser imposta ao autor do crime, ou mesmo o seu cumprimento.
As penas que devem ser aplicadas, aos mais variados crimes, são aquelas previstas pela lei penal, sendo, portanto, direito do condenado, o respeito às regras constantes da Parte Geral do Código Penal, salvo disposição diversa da lei específica.
Vejamos:
Se alguém for condenado pela prática de um crime que configure violência doméstica, e sendo a pena não superior a dois anos, nos termos do artigo 77, do Código Penal, o agressor poderá ser beneficiado com a suspensão condicional da pena, ou seja, não vai cumpri-la.
Se a pena foi inferior a quatro anos, a mesma será cumprida em regime aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, “c”, do Código Penal, isto é, na casa do albergado, que, ao final, significa liberdade.
Já, pena entre quatro e oito anos, o regime será o semi-aberto, sendo que o fechado somente se aplicará para as penas superiores a oito anos.
Então, praticado um crime que configure, ou não, violência doméstica, a situação do condenado, quanto ao cumprimento da pena imposta, será sempre a mesma; não há nenhum rigorismo a mais.
Ainda, quanto ao regime imposto (fechado, semi-aberto e aberto), o cumprimento será de maneira progressiva, o que significa que qualquer condenado será beneficiado com a transferência do regime rigoroso para o mais brando.
Cumprindo-se apenas 1/6 da reprimenda aplicada e comprovando-se o bom comportamento, a progressão do regime deve ser concedida, como dispõe o artigo 112, da Lei 7.210/84.
Não há diferença para um ou outro condenado. Todos são iguais.
Os direitos previstos pela mencionada Lei 7.210/84, pelo princípio da isonomia, são assegurados a qualquer condenado, seja o crime praticado com a característica da violência doméstica, ou não.
O que se percebe, portanto, é que a lei específica criou um sistema garantista de proteção à mulher, vítima de violência doméstica, no entanto, não se preocupou, de maneira segura, em agravar a pena ou seu cumprimento pelo agressor.
No início dos estudos do Direito Penal, aprende-se que um dos atributos da pena é o caráter intimidativo, mas, de fato, hoje, no Brasil, a pena não intimida nenhum criminoso, e, por sua vez, a lei em comento também não apresenta este caráter.
A legislação deve avançar no sentido de majorar a pena, de impor mais rigorismo em seu cumprimento, afastando determinados benefícios. Enfim, deve mostrar ao agressor de mulheres que, se, de fato, agredir, ele vai realmente cumprir uma pena severa por sua conduta.
A sociedade deve exigir e os Poderes devem perder a timidez, para realmente criar um sistema que coíba a agressão contra as mulheres, que são vítimas dentro de suas próprias residências, situação essa que impede, na maioria das vezes, o encontro da verdade real, procurada pelo Direito Processual Penal.
Por fim, e também como suporte para nosso pensamento, não se deve esquecer que a violência doméstica contra a mulher, na forma da redação legal, fere, além da legislação interna, convenções de direito internacional de proteção a elas.
É este o nosso pensamento.
Revista Consultor Jurídico