Wadih Damous é empossado pela segunda vez presidente da OAB do Rio; Leia seu discurso

A preparação de advogados para o processo digital, com a criação de linhas de créditos para a modernização dos escritórios e aquisição de tecnologia, é uma das metas da nova diretoria da OAB do Rio de Janeiro. Nesta terça-feira (19/1), o presidente reeleito da seccional com 72% dos votos nas eleições de novembro, Wadih Damous, apresentou, no seu discurso de posse, alguns pontos que pretende desenvolver nos próximos três anos.

O advogado também quer investir na saúde e previdência da classe e família e fortalecer o trabalho da Comissão de Prerrogativas. “Será para esses nossos representados que as mangas arregaçadas e a dedicação trarão os resultados futuros, para que a OAB-RJ esteja cada vez mais presente no dia a dia dos advogados, amparando-os, quando e necessário, mas sobretudo intervindo na busca da Justiça rápida e eficiente que todos desejamos”, disse Damous.

Ele também falou sobre a gestão anterior. Disse que a entidade conseguiu resgatar a credibilidade institucional e a garantia das prerrogativas do advogado em seu exercício profissional. Citou entre as conquistas o programa Fique Legal que, diz, possibilitou o retorno de milhares de colegas que estavam inadimplentes, o recorte Digital, em que os advogados recebem as publicações de seus processos por e-mail, tornando desnecessários gastos com serviços de leitura do Diário Oficial, modernização das salas de advogados, intervenção junto ao Poder Judiciário para instalação de protocolos integrados e o fim da revista na porta do Fórum.

Damous também lançou a Campanha pela Memória e pela Verdade. “É realmente triste vermos que, passados mais de 30 anos, não só os mortos e desaparecidos ainda assim permanecem na página infeliz da nossa história, como também ainda vige uma espécie de AI 5, dessa feita midiático, que intimida, impede e tenta cassar a voz daquele que ousa indagar onde, quando, por quê, a mando de quem?”, disse.

Integram a nova diretoria, juntamente com Wadih Damous, os advogados Sergio Fisher (vice-presidente), Marcus Luiz Oliveira de Souza (secretário-geral), Wanderley Rebello de Oliveira Filho (secretário-adjunto) e Marcello Lima de Oliveira (tesoureiro). Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB.

Leia o discurso:

“Que a nossa fala inicial seja em homenagem aos companheiros da luta, injustiçados (….) pela prisão ou pelo exílio. Todo tributo de nosso apreço aos homens e mulheres da resistência democrática (…..) que foram punidos pelo arbítrio, mas consagrados pela gratidão e pelo respeito nacional. (…..) Nossa solidariedade mais fraterna aos órfãos de pais vivos, quem sabe? Mortos, talvez… Órfãos do talvez…. Órfãos do talvez e do quem sabe. As viúvas com maridos vivos, quem sabe? Mortos, talvez viúvas do quem sabe e do talvez”.

Não, essas palavras não são minhas. São de autoria do Deputado Federal Alencar Furtado, proferidas no programa eleitoral do MDB nos idos de junho de 1977, e que lhe custaram a cassação, com base no famigerado AI5, ditada pelo general de plantão Ernesto Geisel. Trata, por óbvio, do flagelo que o país então vivia por conta dos mortos e desaparecidos da ditadura militar. Oposicionistas que eram, presos por órgãos de repressão do Estado, torturados, mortos e sumidos como se nunca tivessem existido.

Sim, eu poderia ter iniciado nossa solenidade louvando a nossa vitória acachapante; enaltecendo as nossas conquistas, nossas inúmeras realizações; falando da recente campanha eleitoral e da vileza de nossos adversários. Poderia desfiar as promessas futuras, enumerando os feitos do amanhã e convocando todos ao trabalho árduo que teremos pela frente. Seria assunto nosso, imediato, de nossa intimidade…… mas tal proceder não estaria à altura das aflições de que o Brasil hoje padece. E a OAB, para além de suas preocupações cotidianas, tem seus olhos e coração voltados para a Nação, sempre buscando o que vai torná-la melhor, mais democrática, mais acessível ao seu povo, ciente de seu passado para se orgulhar de seu futuro. E nesse momento, quando vemos com imensa tristeza que, no lapso de mais de 30 anos de história, os órfãos do talvez e do quem sabe, as viúvas do quem sabe e do talvez ainda se debatem nessas mesmas incertezas, a OAB, ousando desdizer o poeta Drummond, vem bradar que a injustiça há de se resolver. A Nação há de se reencontrar com o seu passado, superando de vez o trauma que a impede de se conhecer plenamente, notadamente naqueles aspectos mais sombrios de sua alma.

Falei e reafirmo, é realmente muito triste vermos que, passados mais de 30 anos, não só os mortos e desaparecidos ainda assim permanecem na página infeliz da nossa história, como também ainda vige uma espécie de AI 5, dessa feita midiático, que intimida, impede e tenta cassar a voz daquele que ousa indagar onde, quando, por quê, a mando de quem? A mais leve manifestação de vontade nesse buscar é rapidamente alvejada por vergonhosas divisões que, certamente, sob o comando dos mesmos interesses de antanho, reunem saudosistas e novos adeptos da teoria do esquecimento e do silêncio. Alguns, quem diria, outrora partícipes das marchas pelas liberdades democráticas, outros até vítimas das teias da repressão, mas hoje acovardados – desmascarados, talvez – e tangidos apenas pela mesquinharia de seus interesses políticos sucessivamente derrotados pelo voto consciente da massa dos excluídos. Assim ocorreu, recentemente, nos debates em torno do alcance da Lei de Anistia, quando uma assustadora campanha eivada de má fé, promovida pelas forças mais retrógradas de nossa sociedade, tiveram o despudor de equiparar, no mesmo patamar dos acontecimentos políticos daquele período de trevas, torturadores e torturados, vítimas e algozes. É inaceitável que o país ainda seja tutelado pelas sombras de seu passado, rejeitando o direito à memória e à verdade sob argumentos chantagistas de retrocessos e desestabilizações das estruturas democráticas.

A OAB, verbalizando os melhores sentimentos da Nação, não aceita essa extorsão da Democracia! Não nos submetemos a essa cangalha que ainda hoje, a despeito das décadas, se pretende enfiar no pescoço do país apostando em um temor reverencial às fardas já de muito superado pela força da organização do povo que derrotou a ditadura militar nas ruas. Os perseguidos, e infelizmente só posso falar dos sobreviventes, presos e torturados nas dependências do Estado brasileiro, já pagaram sua pena, todos eles julgados e processados e recolhidos às cadeias e ao exílio por anos. Mas os seus algozes, funcionários desse mesmo Estado brasileiro, embuçados nos seus cargos de autoridade, não obstante as maiores atrocidades que cometeram contra a pessoa humana, os estupros, os choques elétricos, os afogamentos, os empalamentos e tantas e tão degradantes violências mais, continuam impunes, a grande maioria ainda anônima, recebendo seus soldos e pensõe s como qualquer cidadão de bem. Essa, sim, é a verdadeira bolsa ditadura, a paga que aqueles funcionários do Estado brasileiro que torturaram e mataram seus compatriotas recebem hoje dos cofres públicos.

Nós, advogados, que no passado enfrentamos o terror dos fascistas que infamaram as melhores tradições democráticas de nosso Exército Nacional e sofremos o atentado a bomba que vitimou nossa secretária Lyda Monteiro, compartilhamos, como ninguém, do anseio de todos os verdadeiros democratas, dos patriotas, dos que sempre estiveram na vanguarda por um país melhor, e engrossamos esse batalhão para também dizer bem alto: queremos saber onde estão os desaparecidos, quem os fez sumir, a mando de quem o fizeram.

Não é verdade, e só os de intenção dolosa acreditam, que se queira promover o revanchismo. Igualmente não é verdade que a Lei de Anistia perdoou os que cometeram crimes de lesa humanidade, imprescritíveis por força de sua elevada natureza, da mesma forma como é falaciosa a interpretação no sentido de que a Lei de 1979 encerraria um pacto de convivência entre leões e cordeiros. O país ainda estava subjugado a uma ditadura militar, lembrem-se, espoliado de seus direitos democráticos mais elementares que, nas várias formas de pressão popular, forçavam por liberdade. Não podia aquela Nação, portanto, tomar parte em acerto algum pois, nas palavras de Nelson Mandela, paradigma maior de todas as lutas pela liberdade, “homens presos não podem negociar”.

Mas o que queremos, repita-se mil vezes, é assegurar aos filhos, às viúvas, às mães e aos pais, à família, enfim, o direito de velarem seus mortos e a eles darem o descanso digno, pondo fim a essa afronta que desde Antígona vem indignando a humanidade contra seus inúmeros Creontes. Conseguinte a tão consuetudinário direito, impõe-se, sim, que todos saibam as circunstâncias em que tudo isso se passou, bem como a hierarquia das responsabilidades sob as quais as prisões, as torturas, os assassinatos e desaparecimentos ocorreram. E, assim, a Nação estará quite consigo mesma e poderá seguir adiante, no curso do processo civilizatório, limpa e ereta.

A urgência do tema justifica, plenamente, nossas palavras iniciais. De tão urgente que é, a OAB/RJ lança aqui, nessa solenidade, uma Campanha pela Memória e pela Verdade, cuja missão será a de contribuir para o debate nacional em torno do assunto, buscando as respostas que trarão paz ao país. Iremos às ruas e aos meios de comunicação, às escolas e às universidades, às fábricas e às igrejas e aonde mais for preciso para dar o nosso quinhão nessa luta humanitária, ajudando, com a força de nossa imensa categoria, a promover o reencontro do Brasil com a sua história, por mais dolorosa que seja.

Mas o tempo também é de comemoração, pra não dizer que não falei das flores. Lembro que, quando de nossa primeira eleição, rememorei nossa caminhada em busca de uma entidade representativa que não se resumisse aos interesses únicos da corporação; que não se esgotasse nas disputas internas pela figuração nas listas para o quinto constitucional; que não se ausentasse do dia a dia dos advogados, deixados a sós nos entrechoques com o Poder Judiciário; que não se furtasse de prestar à categoria os serviços e amparos devidos. Uma entidade, pretendíamos nós recém chegados, que pudesse dosar tais destinações, próprias dos advogado e apenas a eles dirigidas, com uma perfomance pública de representatividade social. Pois bem! Acho que alcançamos os nossos propósitos. Se, por um lado, resgatamos a credibilidade institucional da OAB/RJ, hoje ouvida em todos os temas de interesse da sociedade e da cidadania, por outro asseguramos as prerrogativas do advogado, tornando-lhe menos árduo o exercício profissional com serviços que, passados os anos, passadas as diretorias, estarão ainda inscritos no rol dos bens indispensáveis à dignificação da profissão.

No campo de nossas realizações, não há quem duvide de nosso sincero interesse em conferir plena cidadania ao advogado, assim entendido o conjunto de bens e valores que permitam ao nosso colega, seja do pequeno, médio ou grande escritório, ter acesso a serviços essenciais à sua elevação profissional, seja material, seja intelectual, seja no campo de sua saúde e previdência. Nesse rol, o recorte digital assume tanta importância quanto o serviço dentário gratuito; o congelamento da anuidade segue passo a passo com o fim da revista na porta do Forum…..

São conquistas que extrapolam as circunstâncias ditadas pelas sucessões políticas, inscrevendo-se como essenciais à compleição moral e estrutural de nossa categoria. E desse binômio, afirmação institucional/prestação de serviços, podemos destacar:

(1) intervenção imediata em defesa da cidadania e dos direitos humanos;

(2) participação nos debates em defesa das instituições democráticas e do Estado de Direito;

(3) congelamento da anuidade;

(4) programa Fique Legal, possibilitando o retorno ao nosso convívio de milhares de colegas que, justamente pelos valores da anuidade até então cobrados, estavam inadimplentes, mas desejosos de acertar suas pendências e regularizar sua vida profissional;

(5) Recorte Digital, uma realidade que atende atualmente, de forma gratuita, dezenas de milhares de advogados que recebem as publicações de seus processsos por e-mail, tornando desnecessários gastos com serviços de leitura do Diário Oficial;

(6) Modernização das salas de advogados, no âmbito do projeto OAB SÉCULO XXI, com mobiliário, computadores e demais equipamentos necesssários ao bom exercício da profissão no seu local de trabalho;

(7 Intervenção junto ao Poder Judiciário para instalação de protocolos integrados, evitando os longos deslocamentos de colegas das regiões mais afastadas apenas para protolizar petições;

(8 Acabamos com a revista na porta do Fórum, pondo fim às humilhações impostas à categoria ao longo de vários anos.

(9 transportes para os advogados do interior para deslocamento até as sedes das Justiças locais;

(10) E por último, mas talvez o que mais tenha sensibilizado a categoria, promovemos as mudanças que tiraram a CAARJ da situação lamentável em que se encontrava, deficitária, devedora de milhões de reais – dívida cuja responsabilidade é alvo de apuração pelo Ministério Público -, inadimplente com os usuários do plano de saúde, tornando-a hoje, em parceria com a UNIMED, numa entidade respeitada, cumpridora de suas obrigações e voltada para o bem estar do advogado, que pode contar agora com o pleno atendimento, deixando para trás os constrangimentos pelos quais passava cada vez que necessitava de um médico ou tratamento.

Eram promessas. Hoje, são realidade. Realidade que se expressou na maciça votação que obtivemos nas eleições de novembro de 2009, quando nada menos que 72% dos advogados do Rio de Janeiro deram à nossa Chapa o aval para prosseguirmos com o trabalho. É certo que as difamações e calúnias perpetradas pelos adversários tiveram sua parte, acirrando ainda mais nos advogados a vontade de repúdio àqueles que, exangues de legitimidade e votos, esgrimiram o ataque pessoal como arma de sua vilania. Mas foi o trabalho, a dedicação, o compromisso assumido e posto à prova que sedimentou o caminho da vitória. A esses milhares, dezenas de milhares de colegas, o meu mais profundo e comovido agradecimento.

Mas haverá um amanhã. E, mais uma vez ousando na discordância, não faremos como o poeta Pessoa a levarmo-nos amanhã a pensar em depois de amanhã. Temos tarefas urgentes, inadiáveis, grandiosas, que esperamos sejam realizáveis. Aprendemos muito nesses últimos três anos. Tornamo-nos mais experientes e mais conhecedores dos trâmites administrativos da entidade, nos permitindo dar a ela mais dinamismo e modernidade; no mesmo passo de aprendizado, sabemos muito mais hoje das reais necessidades da categoria, a quem poderemos conceder nos próximos três anos mais e melhores serviços.

Foram realmente três anos de aprendizado, de conhecimento, de contatos mais próximos com os nossos colegas e suas agruras. Embora nada fosse de nosso desconhecimento, é certo que a convivência nos trouxe uma intimade ainda maior com o dia a dia, com o lufa lufa, com as dificuldades, com as mesmas demoras nos despachos, nas citações, na designação das audiências, na expedição dos alvarás… com tudo, enfim, que torna penosa a atividade da advocacia e permite, na contramão de todas as vontades, o surgimento de conflitos com o Poder Judiciário. E aqui reitero a prática que vimos adotando de sempre buscar o diálogo na composição de interesses, nunca olvidando, contudo, que representamos um lado cuja indispensabilidade para a mesma Justiça dos Magistrados e Procuradores é idêntica e constitucionalmente assegurada.

E será para esses nossos representados que as mangas arregaçadas e a dedicação trarão os resultados futuros, do que podemos desde já antecipar os seguintes pontos:

Preparação da categoria para o processo digital, com a realização de cursos para a formação e a criação de linhas de créditos para a modernização dos escritórios e a aquisição de tecnologia e aparelhagem necessárias;

Investimento na saúde e na previdência do advogado e de sua família, mantendo-se a prestação de serviços que possibilita o pleno atendimento, adicionada a campanhas de prevenção móveis que se deslocarão para atendimento aos nossos colegas, principalmente no interior;

Fortalecimento do trabalho da Comissão de Prerrogativas e daquelas ligadas diretamente aos Tribunais para que a OAB/RJ esteja cada vez mais presente no dia a dia dos advogados, amparando-os, quando e necessário, mas sobretudo intervindo na busca da Justiça rápida e eficiente que todos desejamos.

Minhas queridas companheiras e companheiros. Volto a Fernando Pessoa, agora para reafirmá-lo e dizer que realmente tudo valeu e tem valido a pena. Nessa caminhada que vimos realizando, a felicidade não está em algum ponto do passado ou do porvir. Tomando emprestada a citação de Bob Dylan, ele também um inconformado com as injustiças, a felicidade é a própria caminhada, que nos possibilitou convivências inesquecíveis com advogados de estirpe e espírito republicano, cuja memória saberemos e ensinaremos aos mais jovens a reverenciar citando sempre os nomes de Hadock Lobo, Evandro Lins e Silva, Humberto Teles, Carlos Maurício e, mais recentemente, aquele que nos ajudou a dar rumo ao Tribunal de Ética e que nos deixou tão repentinamente e ainda carentes de seus conhecimentos, o valoroso companheiro Paulo Saboya.

A estes, como simbolo do que esperamos de um grande advogado, aliando o denodo profissional ao mais absoluto comprometimento com as causas da sociedade e da cidadania, a certeza de que eles não precisaram morrer para provar que viveram, em mais um desdizer que faço esta noite, dessa vez numa ousadia sem limites porque feita ao mestre dos mestres Guimarães Rosa. Que seja a última, e certamente será.

Companheiros e companheiras, depois de tantos assuntos graves, porque não dizer que o tempo também é de festa. Agradeço sinceramente a todos os presentes, aos meus companheiros.

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