O juiz Rodrigo Trindade de Souza, da 4ª Vara do Trabalho de São Leopoldo, condenou a rede de supermercados Walmart por irregularidades na concessão do descanso semanal remunerado aos seus empregados no Rio Grande do Sul. A empresa não vinha concedendo um dia de folga aos trabalhadores após seis de trabalho, nem pagando em dobro o dia que deveria ser de descanso, como determina a lei. Além de abster-se da prática, sob pena de multa, o Walmart deverá pagar indenização de R$ 500 mil por danos morais coletivos. A quantia será destinada ao fundo gestor do Programa Trabalho, Justiça e Cidadania, mantido pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS).
O processo é uma ação coletiva ajuizada em 2016 pela Federação dos Empregados no Comércio de Bens e Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecosul). Os autos já têm mais de 54 mil páginas tramitando em meio eletrônico. A decisão vale para as localidades da base territorial dos sindicatos filiados à entidade. Ao propor a ação pública, a Fecosul informou que o Walmart obriga os empregados a trabalharem por mais de seis dias consecutivos, sem descanso semanal remunerado no sétimo dia. De acordo com a Federação, a empresa tem efetuado a compensação depois dos sete dias de trabalho. Além disso, segundo a entidade, a rede não paga em dobro o trabalho realizado no sétimo dia, como determina a lei. A Fecosul juntou documentos que comprovam a conduta da empresa.
O Walmart, por sua vez, alegou que os empregados gozam o repouso semanal remunerado, mas que orientações normativas não obrigam a concessão de descanso após o sexto dia. Referiu que o repouso semanal garantido pela Constituição não se confunde com o descanso a cada seis dias consecutivos de trabalho. Assim, entende que não pratica qualquer ilegalidade quando seus empregados trabalham por mais de sete dias consecutivos, desde que o repouso seja gozado na mesma semana.
Na sentença, o juiz Rodrigo Trindade esclarece que o repouso semanal remunerado é direito constitucional de todos os trabalhadores e baseia-se na premissa de que a cada seis dias de trabalho deve haver um de descanso. Para o magistrado, não cabem interpretações semânticas sobre o texto da norma. “Trata-se de necessidade estabelecida a partir de universais valores de saúde e segurança; e que, modernamente, somam-se os de proporcionar condições para convivência social, cívica e familiar”, acrescentou o julgador.
No entendimento do juiz, o Walmart, com essa atitude, administra os riscos do negócio à custa da saúde e da segurança dos trabalhadores. A prática, segundo o magistrado, é proibida pela Constituição e pela CLT, e vem sendo sistematicamente rechaçada pelas jurisprudências do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do TRT-RS. “O artigo 7º, inciso XV, da Constituição Federal assegura repouso semanal remunerado que, por ser semanal, obviamente deve ser gozado dentro de módulo temporal de sete dias”, destacou Trindade.
O juiz também lembra na decisão que o artigo 307 da CLT permite que o sétimo dia do período, ou seja, o de descanso, coincida com outro dia que não seja o domingo, havendo acordo prévio e por escrito. Ainda foram citadas na sentença a Orientação Jurisprudencial nº 410 da Seção de Dissídios Individuais I do TST e decisões do TRT gaúcho que apontam para a necessidade de pagamento em dobro do descanso semanal remunerado, caso concedido após o sétimo dia do período de contagem.
Por ter reconhecido a ilegalidade da conduta da empresa, o juiz Rodrigo Trindade atendeu pedido da Fecosul e determinou que o Walmart se abstenha da prática desde já, a partir da intimação. Em caso de descumprimento, foi estabelecida multa de R$ 1 mil por cada empregado lesionado a cada semana. A quantia deverá ser revertida ao próprio trabalhador prejudicado. Caso haja o pagamento em dobro do repouso semanal, a multa não incidirá. Além disso, o valor da multa não poderá ser descontado de verbas trabalhistas deferidas em eventuais processos individuais, pois se prestam a objetivos diferentes.
Dano social
O magistrado também condenou o Walmart a pagar indenização de R$ 500 mil por danos morais coletivos, entendendo que os prejuízos da prática vão além dos contratos individuais de emprego.“A sonegação de adequados períodos semanais de descanso é elemento por demais transcendente para se resolver com pontuais ressarcimentos individuais, e apenas para os poucos trabalhadores do universo de lesados que se socorrem do Judiciário Trabalhista. A gravidade das lesões, a continuidade da prática e o universo dos atingidos são fatores que obrigam o manejo mais amplo de provimentos jurisdicionais aptos a reprimir, punir e restituir todos os bens jurídicos lesados”, justificou Trindade.
O juiz acrescentou que a condição humana da pessoa não se esgota no trabalho: todos costumamos ter outros interesses, compromissos e obrigações no tempo em que não trabalhamos. “Os repousos são naturalmente utilizados para convivência familiar, para integração comunitária, para cumprimento de obrigações religiosas. A sonegação desse tempo de vida provoca prejuízos transcendentes, que alcançam os membros da família, da comunidade e das congregações confessionais. Todos são indiretamente prejudicados pela não concessão regular de repousos semanais remunerados”, concluiu.
O valor da indenização por danos morais coletivos foi destinado pelo juiz para o fundo gestor do programa Justiça, Trabalho e Cidadania. O projeto desenvolvido pela Anamatra consiste na atuação de juízes do Trabalho em escolas, oferecendo formação de professores e palestras a alunos. O magistrado entende que a destinação observa a universalidade de atingidos; promove a repreensão de condutas reprováveis que representam danos potenciais à coletividade; atende à função pedagógica, desestimulando futuras condutas ilegais; e permite aporte de recursos que auxiliam na promoção de políticas públicas engajadas na prevenção de lesões semelhantes.
Para Trindade, a aplicação da verba no programa representa o comprometimento do Judiciário Trabalhista na efetivação de um projeto de sociedade. “Trata, enfim, da oportunidade de afirmação da seriedade de um instrumento de Estado que pode ultrapassar a condição de ‘justiça do desemprego’ para uma atuação verdadeiramente ativa, voltada para a efetividade futura e sempre dentro dos limites da legalidade”, afirmou o juiz.
Ainda conforme a sentença, os prejuízos materiais sofridos pelos trabalhadores devido à irregular concessão do descanso semanal remunerado deverão ser postulados em ações individuais.
Veja a decisão.
Processo nº 0021362-34.2016.5.04.0334
Fonte: TRT/RS