TRT/MG: Trabalhadora colocada em ociosidade por estar grávida receberá indenização de R$ 5 mil

A Justiça do Trabalho determinou o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil a uma trabalhadora que estava grávida e foi colocada em ócio forçado pela empregadora, que é uma empresa de prestação de serviços, com filial na capital mineira. Na ação, foi reconhecida também a rescisão contratual indireta, com o pagamento das parcelas devidas, e foi determinado o pagamento de indenização substitutiva dos salários devidos, já que a profissional foi dispensada quando estava grávida. A decisão é do juiz André Figueiredo Dutra, titular da 29ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

A ex-empregada foi contratada para prestar serviço no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Ela alegou que, após a comunicação de sua gravidez, em 2018, foi devolvida do posto de trabalho para ficar na sede da empregadora. Segundo a reclamante, ela passou a ficar ociosa e sem ocupação, em local sem acomodações apropriadas.

A defesa da empregadora negou os fatos. Mas, ao decidir o caso, o juiz deu razão à trabalhadora. Testemunha confirmou a tese da ex-empregada, informando que, ao ser transferida para o escritório da empregadora, a profissional permaneceu sem ocupação e raramente fazia algum serviço.

No depoimento, foi relatado ainda que as pessoas que estavam à disposição naquele local eram, em sua maioria, grávidas e lactantes, informação confirmada também pela preposta da empresa. “Assim como a autora, elas ficavam ociosas e tinham que procurar um lugar no imóvel onde não atrapalhassem o serviço dos demais empregados”.

A testemunha disse ainda que a gravidez da ex-empregada era de risco. Porém, segundo o juiz, nada nos autos permite afirmar que o trabalho que ela desempenhava, no posto de trabalho no Tribunal de Justiça, poderia comprometer a gestação ou que ela estava impossibilitada de exercer outras funções.

“Aliás, se ela estava mesmo, por recomendação médica, incapaz de exercer as suas funções normais e se não havia outras compatíveis com o seu estado de saúde, o que não foi provado, a empregadora deveria ter adotado as providências necessárias, encaminhando a autora para o INSS”, ressaltou o julgador.

Mas, segundo o magistrado, a empresa, além de impor o ócio forçado, sequer cuidou de conceder à reclamante as condições dignas para sua permanência no local de trabalho. “Não há dúvida de que a empregadora descumpriu as suas mais elementares obrigações legais, o que justifica a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do artigo 483, “d”, da CLT”.

Dessa forma, o julgador reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho a partir de 25/4/2018, com o pagamento das verbas devidas, como saldo de salário; aviso-prévio indenizado proporcional; férias integrais + 1/3 (2017/2018), férias proporcionais + 1/3 de 2018 (1/12), 13º salário proporcional de 2018 (5/12), além do FGTS + 40% de todo o período contratual.

Quanto à estabilidade provisória, o juiz ressaltou que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. E, segundo ele, a prova documental mostrou que a reclamante se encontrava grávida na data da ruptura do contrato de trabalho.

“Induvidoso, pois, que ela é beneficiária da estabilidade prevista no artigo 10, II, “b”, do ADCT”, concluiu o julgador. Ele deferiu então a indenização substitutiva dos salários devidos no período do dia seguinte ao da ruptura do contrato de trabalho até cinco meses após o parto.

O julgador determinou também o pagamento de indenização por danos morais de R$ 5 mil. Para o juiz, toda a humilhante situação a que foi submetida a reclamante desrespeitou a dignidade dela. “O dano moral sofrido é evidente e, inclusive, independe de prova, bastando que se apliquem ao caso as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”, concluiu. Ele determinou que o Estado de Minas Gerais responda de forma subsidiária pelas verbas deferidas. “Até porque quem usufrui dos bônus deve também suportar os ônus”, pontuou o julgador. Houve recurso, mas os julgadores da Segunda Turma do TRT-MG negaram-lhe provimento, mantendo a decisão do primeiro grau. Atualmente, há recurso aguardando decisão do TRT-MG.

Processo n° 0010294-45.2018.5.03.0108

TRT/MG mantém anulação de contratos de empresa de consultoria com atletas menores e determina R$ 50 mil de indenização

A Justiça do Trabalho anulou os contratos irregulares firmados por uma empresa de assessoria e consultoria esportiva com atletas com idade inferior a 18 anos. Pela condenação, a empresa está ainda proibida de assinar, com atleta menor em formação e/ou seu representante legal, qualquer tipo de contrato que verse sobre gerenciamento de carreira ou que, de alguma forma, esteja relacionado às atividades desportivas praticadas. Isso sob pena de multa de R$ 20 mil devida para cada constatação de descumprimento.

A decisão é dos julgadores da Segunda Turma do TRT-MG, diante de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a empresa. Seguindo o voto da desembargadora Gisele de Cássia Vieira Dias Macedo, relatora no processo, foi mantida a sentença do juízo da 20ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, mas com a redução da indenização por danos morais coletivos de R$ 200 mil para R$ 50 mil.

O MPT alegou que instaurou, inicialmente, inquérito civil para apuração de irregularidades atinentes à celebração de contratos com atletas menores de idade, com cobrança de comissões com base em salários e bolsas de formação sem autorização e cadastro da CBF e em desacordo com o artigo 27- C, VI, da Lei 9.615/98, conhecida como “Lei Pelé”. Assim como tentativas de manter o vínculo desses atletas que queiram se desvincular da relação por meio de ameaças de cobranças de dívidas não existentes.

No curso das investigações, o MPT constatou que a empresa oferece benesses aos familiares dos atletas em formação, “sendo que os clientes nada pagam (certamente para levar alguma vantagem financeira no futuro), bem como que muitos dos atletas estão em tenra idade, inapropriada para prática desportiva de rendimento, em verdadeiro agenciamento e gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 anos”.

Segundo o órgão, a conduta é expressamente vedada pela Lei Pelé. “Isso, além do fato da empresa ré se utilizar da cobrança de dívidas para forçar a manutenção do vínculo com os atletas, afrontando ainda o inciso III do artigo 217 e o artigo 227, ambos da CR, o artigo 69 do ECA, o artigo 3º da Lei 9.615/98”, informou o órgão ministerial, que tentou assinar, então, termo de ajustamento de conduta. Porém, como não obteve sucesso, apresentou a ação civil pública contra a empresa.

Em sua defesa, a empresa se opôs às obrigações que lhe foram impostas na sentença, bem como o pagamento da indenização decorrente de dano extrapatrimonial coletivo. Alegou que a prova dos autos não demonstra as irregularidades suscitadas pelo MPT, tais como a cobrança de dívidas e de comissões incidentes sobre salários e bolsas de formação. Ressaltou ainda que os serviços prestados aos clientes estão relacionados com a consultoria e assessoria na área esportiva, não havendo que se falar em ilicitude de atuação.

Segundo a julgadora, as normas gerais sobre o desporto foram instituídas pela Lei nº 9.615/1998, a qual dispõe no artigo 29, parágrafo 4º, que o pagamento da bolsa aprendizagem não gera vínculo empregatício entre o atleta não profissional (maior de 14 e menor de 20 anos) e a entidade de prática desportiva formadora. No entanto, a desembargadora ressaltou que a hipótese em análise não se trata de contrato de formação profissional e sim de vínculo estabelecido entre o atleta e a parte ré, cujo objeto, constante no contrato social, está relacionado com a prestação de serviços de consultoria e assessoria na área esportiva.

“Dos depoimentos colhidos no inquérito civil, percebe-se, claramente, desvirtuamento dos contratos de prestação de serviços assinados entre a agência e os atletas, devidamente representados ou assistidos, quando menores de idade”, ressaltou a magistrada.

Conforme constatou a relatora, a empresa arcava com as despesas das partes contratantes, inclusive pessoais, sem que houvesse o pagamento da contraprestação, na forma disposta contratualmente. “E, embora tenha sido prevista a possibilidade de solicitação de mútuos, para fazer frente a eventuais necessidades, tal particularidade sequer foi levantada pelos depoentes. Na verdade, conforme se extrai do depoimento do pai de um jogador, os contratantes desconheciam os reais motivos pelos quais a parte contratada lhes oferecia as benesses”.

Por outro lado, a magistrada pontuou que o comprovante de inscrição e de situação cadastral da empresa revela que ela possui como atividade econômica principal a “de intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários”. Situação que, segundo a desembargadora, vai de encontro com as alegações apresentadas nas razões recursais.

Além disso, a partir do depoimento de testemunhas, a magistrada entendeu que os menores, representados pelos responsáveis legais, já estavam atuando em determinado time de futebol, o que, sem dúvida, também denota uma correlação da agência com tais clubes. “Até mesmo porque não é razoável aceitar que tais empresas desse ramo prestassem serviços de consultoria e assessoramento sem contraprestação para tanto, conforme demonstrou a prova oral produzida”.

No entendimento da julgadora, os contratos não eram, de fato, cumpridos nos termos acordados, o que demonstra o desvirtuamento do objeto consignado, como forma de mascarar a relação firmada com os atletas de futebol, e com total afronta ao artigo 27-C da Lei nº 9.615/1998. Pelo artigo, “são nulos de pleno direito os contratos firmados pelo atleta ou por seu representante legal com agente desportivo, pessoa física ou jurídica, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios que: I – resultem vínculo desportivo; VI – versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 (dezoito) anos”.

A relatora assevera que, embora a prova não tenha noticiado, de forma expressa, sobre eventual cobrança de comissões do salário e bolsa de formação, é certo que as benesses concedidas aos atletas reforçavam o vínculo firmado, limitando, até mesmo, a liberdade de atuação dos contratantes, dado o grau de dependência desses. A julgadora reforçou que a ideia de mútuo, na forma prevista nos contratos, tampouco pode ser extraída dos depoimentos, tratando-se, mais uma vez, de mera cláusula sem cumprimento.

Dessa forma, o voto condutor acompanhou o entendimento do juízo de origem de que a prova produzida no inquérito civil é satisfatória para demonstrar o desvirtuamento do contrato firmado e também para concluir que a ré no processo era beneficiada pela força de trabalho dos atletas de futebol. “Assim, mantenho a decisão que declarou nulos todos os instrumentos procuratórios e contratos de prestação de serviços firmados pela empresa com os atletas em formação com idade inferior a 18 anos e/ou com seus representantes legais, que versem sobre gerenciamento de carreira ou que, de alguma forma, esteja relacionado às atividades desportivas praticadas pelo atleta menor em formação, determinando o imediato cumprimento da obrigação de não fazer, independentemente do trânsito em julgado”, concluiu.

Quanto à indenização, a magistrada entendeu que ficou caracterizado o dano moral coletivo. “Ficou demonstrado o desrespeito às regras trabalhistas que versam sobre a formação de atletas menores de idade, violando fundamentos e direitos basilares consagrados na Constituição da República, como a dignidade humana e o valor social do trabalho e tratamento diferenciado para o desporto profissional e não profissional”, concluiu.

Na visão da desembargadora, a conduta da empresa gerou danos a toda a coletividade de trabalhadores, que se sujeitam a tais condições, seja por desconhecimento dos seus direitos ou necessidade de subsistência. Por isso, ela manteve a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, com redução do valor arbitrado de R$ 200 mil para R$ 50 mil. A julgadora levou em consideração a extensão dos danos, a natureza pedagógica da pena, o grau de culpa do ofensor e a capacidade econômica das partes. Cabe recurso da decisão.

Processo n° 0010151-58.2020.5.03.0020

STJ suspende decisão que determinou divulgação irrestrita de dados financeiros do Estado de Minas Gerais

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, reconhecendo o risco de embaraços nas negociações de contratos administrativos, suspendeu nesta segunda-feira (29) uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que havia determinado a divulgação irrestrita de dados das contas bancárias do governo daquele estado, inclusive os saldos existentes.

Segundo o ministro, o Estado realiza de forma rotineira contratações diversas e, atuando na condição de contratante, “não pode estar em condição desvantajosa em termos de negociações econômico-financeiras, com a divulgação irrestrita de todos os valores insertos em suas contas púbicas”.​​​​​​​​​

Nessa hipótese, de acordo com Humberto Martins, deve prevalecer o interesse público em detrimento do interesse privado, o que impõe cautela na divulgação de valores relativos às contas do setor público, para que não se impeça uma atuação eficiente e inteligente na condução das contratações.
Pedido parlamentar de informações financeiras

A demanda teve origem em pedido judicial do deputado estadual Ulysses Gomes (PT) para ter acesso aos extratos bancários das contas-correntes mantidas pelo Estado de Minas Gerais, após a solicitação ser negada na via administrativa.

Na petição de seu mandado de segurança contra o secretário estadual da Fazenda, o parlamentar afirmou que tais dados eram essenciais para a real análise da situação financeira do ente público.

O TJMG foi favorável ao pedido, concedendo liminar para que a Fazenda estadual apresentasse os extratos bancários de todas as contas mantidas pelo Estado de Minas Gerais em instituições financeiras.

No pedido de suspensão de segurança, o governo alegou que a divulgação irrestrita dessas informações causaria grave lesão à ordem, à segurança e à economia públicas, pois constitui perigoso ato que poderá confundir contratados, negociadores e credores do poder público, podendo ocasionar tumulto na hipótese de eventual interpretação equivocada dos números.

Transparência é regra, mas não dispensa cuidados

Ao analisar o caso, o ministro Humberto Martins lembrou que não se desconhece a necessidade incontestável de transparência e publicidade das informações públicas, mas as exceções que impõem sigilo – como no caso da demanda pelos extratos – servem para promover a atuação segura, estratégica e eficiente do Estado.

Ele destacou que o sigilo das informações solicitadas encontra amparo em decretos e em uma resolução estadual, e que, para fins de controle social, como apontado no pedido de suspensão, o governo estadual divulga todas as informações necessárias, em conformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para o presidente do STJ, divulgar o total de valores das contas públicas, indo muito além do que a legislação requer, “prejudica a segurança e a eficiência na condução estratégica da atuação econômico-financeira estatal”.

Martins disse ainda que a divulgação irrestrita das contas públicas pode causar um aumento no número de pedidos semelhantes por diversos entes da sociedade civil, provocando entraves à execução normal e eficiente do serviço público.

Veja a decisão.
Processo n° 3356 – MG (2021/0382046-8)

TRT/MG: Revendedora da Natura cosméticos não tem reconhecido vínculo de emprego

Serviço era executado sem pessoalidade e subordinação.


A Justiça do Trabalho mineira afastou o vínculo de emprego pretendido por uma mulher que, por aproximadamente 12 anos (2008 a 2020), prestou serviços a uma fabricante de cosméticos como consultora/orientadora (ou líder de negócios).

A sentença é da juíza Paula Borlido Haddad, titular da 1ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Ao examinar as provas produzidas no processo, a magistrada constatou que a mulher atuava como profissional autônoma, desenvolvendo suas atividades sem a presença dos pressupostos da relação de emprego, sobretudo a subordinação jurídica.

“Para a caracterização do vínculo de emprego, é necessária a presença dos pressupostos previstos no artigo 3º da CLT, a demonstrar que os serviços foram prestados com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Na relação de trabalho autônomo, a subordinação mostra-se ausente, podendo não se configurar também a pessoalidade”, destacou a juíza.

A decisão se baseou, inclusive, em contratos apresentados pela própria trabalhadora, os quais, nas palavras da julgadora, “já evidenciavam que a prestação de serviços teria se dado sem subordinação e sem pessoalidade”.

Como observou a juíza, o contrato padrão de “Consultora Orientadora” tinha por objeto a prestação de serviços de identificação de possíveis candidatas à condição de consultoras, assim como a atuação na motivação comercial dessas consultoras, por meio do incentivo à participação em “eventos” (tais como lançamentos de produtos, showrooms). O auxílio na passagem de pedidos e a prestação de suporte por parte das consultoras também foram registrados como objeto do contrato, tudo a ser realizado “de forma livre, independente e organizada”. Constou ainda do contrato que a remuneração da prestadora de serviços se daria conforme a quantidade de consultoras ativas existentes em seu grupo e a faixa de pontos obtidos por essas consultoras, em um determinado ciclo de vendas.

Para a magistrada, o contrato padrão de “líder de negócios”, também apresentado no processo, confirmou a autonomia na prestação de serviços da trabalhadora. Nos termos do contrato, o líder tem por objetivo o crescimento da quantidade de consultores(as) e a motivação comercial destes por meio de um grupo. A remuneração do líder se daria de acordo com os resultados financeiros desse grupo. Chamou a atenção da juíza o fato de constar expressamente do contrato que o líder “terá total autonomia para gerir e operar seu negócio, sem ingerência da empresa, com liberdade para definir os dias e horários em que irá se dedicar, bem como a forma como prefere trabalhar” e que “poderá, inclusive, contratar terceiros para o desempenho das atividades”.

O depoimento da própria reclamante reforçou a convicção da julgadora sobre a inexistência do vínculo de emprego. Pelas declarações da profissional, a juíza constatou que ela atuava sem subordinação jurídica, pois não havia horário de trabalho estipulado nem qualquer tipo de controle, sem obrigatoriedade de comparecimento à empresa. “Nota-se que a própria reclamante declarou que trabalhava em casa, que não tinha um horário certo para trabalhar, podendo ser de manhã, de tarde e de noite, e que as únicas maneiras de a gerente saber se ela tinha parado para almoçar era se ela estivesse off-line ou se alguém ligasse. A autora também declarou que, caso ela ficasse doente ou não pudesse trabalhar por algum motivo, não tinha que apresentar atestado médico”, destacou a magistrada.

Na decisão, ainda foi pontuado que a trabalhadora tinha liberdade para angariar novos clientes, que ela assumia o risco da compra de produtos para clientes, assim como os custos da atividade, o que, conforme pontuado, revela a alteridade típica dos serviços prestados de forma autônoma.

Prova testemunhal – O depoimento da testemunha da empresa foi considerado “firme e convincente” pela juíza para confirmar a inexistência de subordinação jurídica e de pessoalidade. A testemunha era consultora e passou a atuar como líder. Afirmou que suas atividades como líder consistiam em fazer cadastro de novas consultoras e orientar 308 consultoras. Não fiscalizava o horário de trabalho delas e a orientação ocorria por WhatsApp, ligações e e-mails. Se por algum motivo não pudesse ir trabalhar, apenas avisava a empresa. Não precisava apresentar atestado médico em caso de doença, não podia descadastrar consultoras do sistema e, conforme relatou, era ela mesma quem organizava a sua rotina e horário de trabalho, além de arcar com os custos do serviço. Disse que essas condições de trabalho se estendiam a todas as líderes e acrescentou que não enviava fotos do que estava fazendo, não precisava elaborar relatório de atividades e que a participação em reuniões não era obrigatória. Contou que não havia punição caso não atingisse metas e que podia pedir auxílio a outras pessoas, no caso, ao marido, que sempre a auxiliava nas atividades. Disse ainda que comercializava produtos de outras duas marcas e que, inclusive, podia fazer parceria com líderes de marca concorrente para trocar cadastro. Foi categórica ao afirmar que não recebia nenhuma ordem ou comando de alguém da empresa e que comprava o kit líder, que servia para demonstração, mas não havia obrigação de compra.

As declarações da testemunha da autora, por outro lado, não convenceram o juízo, por divergirem das afirmações da própria profissional. A testemunha disse que precisava apresentar atestado médico caso não pudesse ir trabalhar, enquanto a reclamante disse que, se ficasse doente ou não pudesse ir trabalhar, “apenas avisava”. A testemunha ainda declarou que não havia flexibilidade de horário e tinha que trabalhar de 8h às 19h, enquanto a reclamante afirmou que “não tinha um horário certo para trabalhar, que podia ser de manhã, à tarde ou à noite”.

Prova documental e inquérito civil instaurado pelo MPT – Documentos apresentados reforçaram a conclusão da juíza de que a prestação de serviços se deu de forma autônoma. Continham “sugestões” de atividades a serem desenvolvidas pelas consultoras orientadoras e “sugestões” de como deveriam se portar para a condução do próprio negócio.

Veio ao processo relatório de arquivamento do inquérito civil de nº: 004294.2013.02.000/6, instaurado pelo MPT. Alguns trechos desse relatório chamaram a atenção da juíza e foram citados na sentença, contribuindo para o afastamento do vínculo de emprego pretendido. No relatório, datado de 25/5/2015, o MPT entendeu desnecessário o prosseguimento do inquérito civil, por entender ter sido comprovado “que as consultoras orientadoras gerem seu próprio método de trabalho, escolhendo como, quando e onde irão prestar seus serviços. De outra sorte, não restou comprovada a necessidade dessas figuras revendedoras para que a denunciada exerça sua atividade econômica, pois conta com outros métodos de venda”. (…)

“Por fim, ressalto que, dos depoimentos das consultoras, bem como do material acostado ao presente inquérito, não restou comprovada a subordinação da Requerida e seus prepostos para com essas CO. Além disso, todas se mostraram cientes de que a contraprestação que recebem é em decorrência de seu próprio esforço, vez que quanto mais se dedicam à atividade, mais são remuneradas. Escolhem livremente se dedicarem mais ou menos à consultoria e orientação e, consequentemente, serem remunerada mais ou menos. Elas próprias alegam que não querem ter vínculo empregatício com a Requerida, para poderem gerenciar seu tempo livremente”, assim foi registrado na conclusão do inquérito.

Ausência de subordinação jurídica – Conversas de WhatsApp e e-mails apresentados pela trabalhadora não foram considerados aptos para demonstrar a subordinação na relação de trabalho, não só em razão das circunstâncias apuradas pelas demais provas, mas também por sequer fazerem referência ao nome da consultora.

Sobre a chamada “subordinação estrutural”, a juíza pontuou que: “(…) não há como se acolher a tese de subordinação estrutural, pois, a partir de tal conceito, praticamente todos os casos submetidos à Justiça do Trabalho estariam sujeitos ao reconhecimento do vínculo empregatício, sem necessidade de se produzir provas ou se perquirir os requisitos da relação de emprego. Com efeito, numa organização capitalista, as tarefas econômicas estão conectadas e se agregam umas com as outras, o que torna imprescindível se aferir a fundo o preenchimento ou não dos requisitos do vínculo de emprego, como na hipótese dos autos”.

A magistrada ainda ponderou que as regras mínimas de organização e estruturação da atividade existem em qualquer tipo de trabalho, autônomo ou não. Ressaltou que as recomendações de cunho técnico e de atendimento emitidas pela empresa não se confundem com a subordinação jurídica indispensável à relação de emprego, nem denotam a ingerência da empresa sobre as atividades da autora, tratando-se apenas de orientações e sugestões para o aperfeiçoamento do serviço.

“Pode-se dizer que o critério da subordinação jurídica ou da dependência hierárquica é o que tem logrado maior aceitação para caracterização da relação empregatícia. Vincula-se ao poder diretivo do empregador e ao estado de sujeição do empregado, destacando o dever de obediência e de fidelidade do empregado ao seu empregador, situação que indubitavelmente não ocorre no caso em apreço”, enfatizou a juíza. Para a julgadora, existiu entre as partes contrato de prestação de serviços atípico, o qual denota a inexistência de subordinação e de pessoalidade, afastando de forma clara os elementos caracterizadores da relação empregatícia. “De fato, o conjunto probatório dos autos corresponde à prestação de serviços autônomos pela reclamante”, concluiu. Em razão da ausência dos pressupostos fáticos e jurídicos estabelecidos nos artigos 2º e 3º da CLT, julgou improcedente o pedido de reconhecimento da relação de emprego, bem como todos os demais pedidos correlatos. Em grau de recurso, os julgadores da Terceira Turma TRT mineiro mantiveram a sentença nesse aspecto.

Processo n° 0010173-42.2021.5.03.0001

TRT/MG não reconhece que dispensa de empregada no contexto da pandemia se deu por discriminação em relação a câncer de mama

A juíza Cristina Adelaide Custódio, titular da 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, rejeitou os pedidos de uma trabalhadora que alegou ter sido dispensada de forma discriminatória por ter câncer de mama. A reclamante relatou que foi diagnosticada com neoplasia maligna (câncer de mama) em maio de 2017, tendo realizado a cirurgia de retirada do câncer. Afirmou que ficou afastada pelo INSS no período de 28/9/2017 até 19/3/2018.

Segundo ela, por pertencer ao grupo de risco, em razão da pandemia da Covid-19, permaneceu em casa desde março de 2020. Ao retornar ao trabalho em 28/8/2020, foi surpreendida com sua dispensa, encontrando-se ainda em tratamento do câncer.

Acusou que a dispensa foi discriminatória, razão pela qual pediu a nulidade do ato e o pagamento de indenização substitutiva, nos termos da Lei nº 9.205/95, bem como de indenização por danos morais.

Mas, ao analisar as provas, a julgadora não detectou indícios de que a trabalhadora sofreu discriminação por parte da empregadora. Em defesa, a reclamada negou a ocorrência de qualquer prática discriminatória, alegando que a dispensa da empregada ocorreu em razão dos reflexos da pandemia da Covid-19 e da suspensão das atividades no seu local de trabalho.

A tese da defesa foi confirmada por testemunha indicada pela empregadora, que relatou que o setor da reclamante ficou inativo com a pandemia, pois os empregados da tomadora dos serviços passaram a fazer home office. Segundo o relato, os que trabalhavam no local tiveram o contrato suspenso ou tiveram férias. Testemunha convidada pela ex-empregada afirmou que foi dispensada junto com ela, no mesmo dia, o que demonstra que o ato não foi dirigido especificamente à reclamante.

Ao fundamentar a decisão, a magistrada lembrou que a pandemia da Covid-19 gerou impactos no âmbito mundial. No Brasil, o poder público editou medidas provisórias para minimizar os impactos no setor econômico empresarial e em prol da proteção do emprego.

Além disso, no âmbito municipal, foram publicados decretos em prol da manutenção do isolamento social com a consequente suspensão de alvará de funcionamento de diversas atividades não essenciais e passíveis de gerar aglomerações. Várias medidas foram adotadas pelo poder público com base em normas da Organização Mundial da Saúde – OMS, a fim de evitar a disseminação da doença.

“A relação de necessidade de redução de pessoal e dificuldades financeiras enfrentadas pelas empresas é nítida no cenário econômico vigente”, destacou a magistrada, explicando que as questões atinentes à escolha de manutenção de empregados e à contenção de despesas inserem-se no poder diretivo da empresa. “O empregador possui o direito potestativo de dispensar o empregado”, registrou.

No caso, a magistrada não identificou indicativo de que o controle referente ao tratamento de câncer da trabalhadora tenha contribuído para que a ré agisse de forma diferente da que se porta com outros empregados no momento de proceder ao rompimento do contrato de trabalho. O fato de a dispensa ter ocorrido cerca de dois anos após o término do afastamento previdenciário também foi levado em consideração.

“Não há como se aplicar a presunção de que a dispensa foi um ato discriminatório, nos termos da Súmula 443 do TST, cuja presunção é relativa”, constou da sentença. A Súmula em questão presume discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito.

Conforme registrado na sentença, ficou demonstrado que a reclamante se encontra em acompanhamento médico de praxe, sem nenhum caráter incapacitante, e muito menos estigmatizante, que acarrete preconceito ou discriminação. Por não identificar discriminação no ato de dispensa, a julgadora rejeitou os pedidos de pagamento dos salários relativos ao período de afastamento e de indenização por danos morais.

Na decisão, foi evocado que a Constituição brasileira consagra a proibição de qualquer forma de discriminação, inclusive no trabalho (artigos 3º, IV e 5º, “caput”, bem como artigo 7º, incisos XXX e XXXII).

No mesmo sentido, o artigo 1º da Lei 9.029/95 prevê que “é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição.”

A sentença, no aspecto, foi confirmada pelo TRT de Minas. Há recurso pendente de decisão do TST.

TRF1: OAB não pode se recusar a emitir a segunda via da carteira profissional de advogado inadimplente com as anuidades

A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não pode se recusar a emitir a segunda via da carteira profissional de um advogado, mesmo que ele esteja inadimplente com as anuidades da instituição.

A OAB/MG entrou com apelação contra a sentença que determinou a expedição da segunda via da carteira profissional. No recurso, afirmou que o advogado respondeu a processo disciplinar e ficou suspenso durante vários anos, mas nem mesmo a suspensão fez com que ele quitasse a dívida. Defendeu, ainda, que é requisito para o exercício da advocacia estar em condições regulares perante a OAB.

Ao julgar o caso, a relatora, desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas, informou que o artigo 5º da Constituição Federal, diz que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

Segundo a magistrada, apesar da inadimplência ser considerada uma infração pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/1994), o Supremo Tribunal Federal já decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário 647.885/RS, que é inconstitucional a suspensão do exercício da profissão por conta da inadimplência de anuidades, “pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária, afrontando os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal”.

Desta forma, a magistrada destacou em seu voto que deve ser mantida a sentença, pois “não pode o advogado ser tolhido de desempenhar as suas atividades laborais, pela inadimplência de anuidades, havendo outros meios razoáveis e proporcionais, para a cobrança do débito”

A 7ª Turma do TRF1, por unanimidade, negou provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do relator.

Processo n° 1005727-71.2018.4.01.3800

TRT/MG: Pais de sobrevivente de Brumadinho ganham direito a indenização de R$ 60 mil

A Vale S.A. e uma empresa de engenharia foram condenadas ao pagamento de indenização por danos morais em ricochete, no valor total de R$ 60 mil, aos pais de um trabalhador que sobreviveu ao rompimento da barragem de rejeitos da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, ocorrido em 25 de janeiro de 2019. O casal alegou que sofreu forte impacto emocional em razão dos danos psíquicos e da invalidez sofrida pelo filho, em consequência da tragédia, que completa hoje 34 meses.

Ao decidir o caso, o juízo da 22ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte garantiu aos pais do trabalhador a indenização de R$ 60 mil. Mas, inconformados, eles interpuseram recurso pleiteando a majoração do valor da indenização. O recurso foi julgado pelos membros da Segunda Turma do TRT-MG, que, por unanimidade, negaram provimento.

O trabalhador foi contratado por uma empresa de engenharia e ocupava a função de encarregado de obras. Ele realizava o serviço de execução de obras eletromecânicas para adequação do sistema de proteção e combate a incêndios nas instalações das minas de Jangada e do Córrego do Feijão. Conforme CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) emitida, ele estava na planta da mineradora, em Brumadinho, no dia do acidente, mas sobreviveu.

Na defesa, a empregadora alegou que mantinha contrato em regime de empreitada parcial nas instalações das minas da Jangada e do Córrego do Feijão, ambas no município de Brumadinho. E que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da Vale, reforçando que o risco existente no local não era de seu prévio conhecimento. Já a Vale alegou que suas atividades foram precedidas por licenciamentos e autorizações dos órgãos competentes, tendo cumprido as normas de segurança e saúde do trabalho, “não tendo havido culpa no acidente, que seria imprevisível”, disse a defesa.

Mas o juiz convocado Danilo Siqueira de Castro Faria, atuando como relator, considerou que a Vale, com a deposição de rejeitos de mineração, criou risco acentuado aos trabalhadores e terceiros, o que resultou na tragédia do rompimento da barragem, “sendo, assim, suficiente estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta praticada e o resultado danoso”, frisou.

No entendimento manifestado no voto condutor, o parágrafo único do artigo 927, do Código Civil, é plenamente aplicável ao Direito do Trabalho, não se vislumbrando sua incompatibilidade com o inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição da República, já que o caput prevê a possibilidade de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores. “As empresas atuantes na seara da mineração (seja diretamente ou por contratos de terceirização de serviços especializados) não podem ignorar os perigos a que expõem seus empregados, com o fim de obter lucro”, ressaltou.

O relator destacou ainda que, por imperar no Direito do Trabalho o princípio da alteridade (segundo o qual é a empresa que assume os riscos do empreendimento, nos termos do artigo 2º, caput, da CLT), não é permitido ao empregador transferir qualquer tipo de risco aos trabalhadores, “devendo o risco ser encarado em seu sentido amplo, não se limitando aos perigos de ordem meramente financeira, mas também aos riscos sociais, às perdas humanas”, pontuou.

Assim, segundo o relator, não existe celeuma quanto à responsabilidade objetiva da Vale, o que alcança os empregados de empresa terceirizada, como é o caso dos autos. A empregadora, por seu turno, colocou os empregados para trabalhar em prol da mineradora em local de risco acentuado. “Mesmo que assim não fosse, não há dúvidas quanto à existência de culpa da Vale pela tragédia ocorrida com os seus empregados e terceirizados, considerando a construção e manutenção de unidades utilizadas pelos trabalhadores logo abaixo da barragem que se rompeu, área que deve ser considerada extremamente vulnerável, ainda mais considerando o recente acidente de causas similares ocorridos no município de Mariana”, asseverou o relator.

No seu entendimento, não se pode olvidar que a empregadora tem a obrigação de promover a redução de todos os riscos passíveis de afetar a saúde e a integridade física dos trabalhadores no ambiente de trabalho. “E é fato público e notório que não foram oferecidas condições seguras de trabalho aos empregados que se ativavam nas áreas atingidas pela lama decorrente da ruptura da barragem, sendo nítida a culpa empresária pela consumação do infortúnio”.

Assim, segundo o acórdão, sob qualquer ângulo que se examine a questão, resta a conclusão de que as reclamadas devem arcar com os ônus decorrentes do infortúnio. E, por outro lado, a prova do processo, particularmente os atestados firmados por psicólogo, demonstram o sofrimento dos pais do operário, deixando ainda mais clara a caracterização da obrigação de indenizar. “Na situação de fato deste processo, os danos morais são inclusive presumíveis”, foi ressaltado.

O magistrado destacou ainda julgado da 4ª Turma do STJ, que reconheceu o direito, inclusive quando a vítima sobrevive, “já que não se baseia no direito de personalidade da vítima do evento danoso, – o qual, em caso de morte, seria exercido pelos indiretamente atingidos -, ‘mas personalíssimo, autônomo em relação ao dano sofrido pela vítima do evento danoso”.

Para o julgador, a invalidez causada ao empregado, inclusive com apuração em perícia médica de danos de ordem psíquica e danos existenciais decorrentes do impedimento da fruição de atividades como lazer, esporte, convívio e religião, resultou na alteração de toda a rotina e planejamento de vida da família, “atingindo inegavelmente os pais, pelo próprio caráter estreito dos laços afetivos, ensejando lesão, ainda que reflexa, indireta ou por ricochete, a direitos da personalidade”.

Diante do exposto, o julgado reconheceu que foi configurado o direito dos pais do trabalhador sobrevivente de receberem das empresas, de forma solidária, indenização por danos morais, devidamente provados nos autos. O julgador manteve então o valor de R$ 30 mil para cada autor, assim como fixado pelo juízo de origem. Para ele, “o montante é plenamente adequado ao caso em questão, por ser consentâneo com a extensão do dano, com a situação econômica das partes, com a natureza pedagógica da reparação e com os valores estipulados em outras demandas similares”.

Dano em ricochete – Segundo o decidido, a ideia do dano moral indireto ou em ricochete consiste na possibilidade de os resultados danosos do ato ilícito praticado contra o indivíduo alcançarem também pessoas distintas, que com ele mantêm ou mantinham forte vínculo afetivo, pessoas estas que igualmente são atingidas pelo sofrimento experimentado pela vítima ou decorrente da ausência daquele ente querido, caso haja o resultado morte. Atualmente, há recurso pendente de decisão de admissibilidade no TRT-MG.

Fotoarte: Leonardo Andrade

Processo n° 0010036-94.2021.5.03.0022

TRF1: Não é razoável exigir decisão judicial para a transferência de veículo em nome de menor com deficiência

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença que julgou procedente o pedido do autor no sentido de condenar o Estado de Minas Gerais a não exigir autorização judicial para efetivar a transferência de veículo adquirido com isenção tributária e registrado em nome de menor com deficiência, bastando para tanto a assinatura com firma reconhecida dos representantes legais no Certificado de Registro de Veículo (CRV), observado o prazo legal.

O processo chegou ao Tribunal por meio de remessa oficial, instituto do Código de Processo Civil (artigo 496), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, que exige que o juiz encaminhe o processo ao tribunal de segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Souza Prudente, destacou que a exigência de autorização judicial para que se efetue a transferência do veículo de propriedade do menor vai de encontro aos interesses que se pretende proteger, na medida em que, como salientado na sentença monocrática, o registro do referido bem não é realizado em nome dos genitores ou responsáveis legais do menor tão somente em virtude do que dispõe o art. 10, § 2º, da Instrução Normativa n. 1.769/2017 da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRF).

O magistrado ainda salientou que a referida norma exige, para isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a emissão da nota fiscal de venda do veículo em nome do beneficiário, além da Cláusula Primeira, Parágrafo 4º, do Convênio ICMS n. 38/2012, celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), segundo a qual o registro no Departamento Estadual de Trânsito (Detran), para que seja concedida a isenção do ICMS, deve ocorrer em nome da pessoa com deficiência.

Desse modo, concluiu o desembargador federal, a Portaria n. 861/2013 do Detran/MG “impõe condição desarrazoada ao exercício de direito assegurado aos menores com deficiência, pois, na quase totalidade dos casos, os veículos são adquiridos com o patrimônio dos genitores, inexistindo patrimônio do próprio menor a ser protegido pela exigência em apreço”.

A decisão foi unânime.

Processo n° 1000809-78.2019.4.01.3803

TRT/MG mantém justa causa de trabalhadora que furou a fila da vacina contra a Covid-19

A Justiça do Trabalho manteve a justa causa aplicada à trabalhadora que tomou a vacina contra a Covid-19 antes do tempo previsto na cronologia estabelecida. Segundo a empregadora, a profissional se aproveitou do fato de prestar serviços à tomadora, que é fundação pública federal da área da saúde, para burlar o plano de vacinação e tomar indevidamente a vacina, “o que configura mau procedimento, nos termos do artigo 482, alínea b, da CLT”.

A reclamante alegou que foi dispensada de forma irregular, uma vez que não cometeu falta a ensejar a aplicação da penalidade máxima. Por isso, ingressou com ação trabalhista pedindo a reversão da justa causa. Mas, ao decidir o caso, a juíza Liza Maria Cordeiro, em atuação na 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, deu razão ao empregador e confirmou a justa causa por mau procedimento da trabalhadora.

Segundo a julgadora, é incontroverso nos autos que, em 24/4/2021, a ex-empregada foi vacinada contra a Covid-19, como trabalhadora da área de saúde, mediante a apresentação de declaração informando que prestava serviços à fundação. “Porém, ela ocupava o cargo de técnica em secretariado, de natureza eminentemente administrativa, em estabelecimento não vinculado à prestação de serviço de saúde”, frisou. A própria trabalhadora reconheceu, em depoimento, que “trabalhava no setor de engenharia da Fundação, que se trata de um prédio administrativo”.

Conforme notícia extraída do site da Prefeitura de Belo Horizonte, a vacinação dos trabalhadores da saúde com idade de 39 anos ou mais foi iniciada em 24/4/2021 e, para ter direito ao recebimento da vacina, era necessário o cumprimento de alguns requisitos. Entre eles, ser trabalhador da saúde em atividade em estabelecimentos de saúde de Belo Horizonte, ter preenchido o cadastro para a vacinação de trabalhadores da saúde, de forma válida, até às 23h59 do dia 13 de abril, e ter completado 39 anos ou mais até 30 de abril.

Segundo a juíza, os requisitos estabelecidos pela Prefeitura de Belo Horizonte para a vacinação dos profissionais de saúde evidenciam que a autora não se enquadrava no grupo prioritário. “Tendo em vista que não laborava em estabelecimento de saúde, nem se enquadrava como trabalhadora de saúde em serviço de saúde, na forma referida, inclusive na documentação por ela anexada aos autos”, ressaltou.

Além disso, foi demonstrado no processo que a fundação editou ofícios circulares encaminhados aos servidores e colaboradores, informando que foi elaborado o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19 (PNO), para estabelecer uma estratégia de enfrentamento à pandemia no país e um Plano de Vacinação. A juíza observou que, por meio do comunicado da fundação, a entidade esclareceu aos servidores e colaboradores que não havia orientação para que esses fossem vacinados em desobediência aos critérios estabelecidos no plano nacional de vacinação.

A própria nota técnica anexada pela reclamante ao processo indica que a referência a “demais trabalhadores da saúde” visava contemplar aqueles “com risco de adoecimento em função da sua atividade”. “Ou seja, destinava a prioridade, à época, àqueles que atuavam na assistência ou em contato com pacientes, situação diversa das atribuições da autora, a qual sequer tinha contato com público externo”, ressaltou a juíza na sentença.

Além disso, ficou evidenciado que a ex-empregada, ao solicitar a declaração de vinculação ativa de prestação de serviços à fundação, foi informada pelo seu supervisor de que não tinha direito à vacinação como trabalhadora da área da saúde. Nesse sentido, são também as declarações prestadas por um servidor. Segundo a testemunha, a reclamante chegou a procurar o depoente para informar sobre o processo de cadastramento e que, na oportunidade, informou que os empregados que trabalhavam naquela unidade não se encaixavam nos requisitos exigidos para enquadramento no grupo prioritário.

Segundo a julgadora, ficou demonstrado que a profissional, ao obter a resposta negativa do servidor, optou por pleitear a declaração de prestação de serviços na autarquia e apresentá-la à Prefeitura de Belo Horizonte, “induzindo, assim, os servidores do Posto de Saúde a concluir que ela laborava como trabalhadora da saúde, cumprindo os requisitos do plano de vacinação”, observou a juíza.

Na visão da magistrada, o fato de efetuar o cadastro junto à Prefeitura da capital e de ter sido autorizada a sua vacinação na condição de integrante do grupo prioritário não afasta a irregularidade apontada. “As informações prestadas são realizadas por quem promove a inscrição, podendo, inclusive, ser esse responsabilizado em outras esferas pela burla aos critérios de prioridade de vacinação”, esclareceu a julgadora.

Dessa forma, tendo em vista o conjunto probatório produzido, a sentença reputou caracterizada a justa causa e referendou a dispensa motivada, no caso. “A conduta obreira foi grave o suficiente para quebrar a relação de fidúcia havida entre as partes e denota violação direta ao princípio da boa-fé inerente ao contrato de trabalho, tornando insustentável a manutenção do contrato de trabalho, o que autoriza a aplicação da justa causa prevista na alínea b do artigo 482 da CLT, ainda que a prática tenha sido dirigida à municipalidade”, ressaltou.

Os julgadores da Quinta Turma do TRT-MG negaram provimento ao recurso da trabalhadora. Não cabe mais recurso dessa decisão. O processo já foi arquivado definitivamente.

STJ: Recurso Repetitivo – Contestação só deve ser analisada após cumprimento da liminar de busca e apreensão

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.040), estabeleceu que, na ação de busca e apreensão disciplinada pelo Decreto-Lei 911/1969, a análise da contestação do devedor fiduciante deve ocorrer só após a execução da medida liminar.

Com a decisão, o colegiado pacificou divergência existente no tribunal sobre o momento da apreciação da peça de defesa pelo juiz. Não havia determinação de suspensão dos processos sobre o mesmo tema.

Leia também: O que é recurso repetitivo?
O precedente qualificado foi fixado, por maioria de votos, no julgamento de recursos especiais oriundos de ações decididas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). A tese adotada pela corte estadual foi no mesmo sentido do entendimento do STJ.

O voto vencedor no julgamento foi apresentado pelo ministro Villas Bôas Cueva. Ele explicou que a controvérsia não diz respeito à possibilidade de apresentação da contestação antes da execução da liminar de busca e apreensão, mas sim ao momento em que a contestação deve ser apreciada pela Justiça.

Segundo o magistrado, por meio do artigo 3º do Decreto-Lei 911/1969, o legislador elegeu a execução da liminar como o marco inicial da contagem do prazo para três efeitos: a) a consolidação da propriedade do bem no patrimônio do credor fiduciário; b) o pagamento integral da dívida pendente, e, por consequência, a restituição do bem livre de ônus; c) a apresentação de resposta pelo réu.

“Ou seja, a eleição da execução da medida liminar como termo inicial da contagem do prazo para contestação revela a opção legislativa clara de assegurar ao credor fiduciário com garantia real uma resposta satisfativa rápida em caso de mora ou inadimplemento por parte do devedor fiduciante, incompatível com o procedimento comum”, esclareceu o ministro.

Procedimento especial que busca, primeiro, recuperar o bem
Villas Bôas Cueva apontou que o procedimento especial estruturado pelo DL 911/1969 prevê, em um primeiro momento, a recuperação do bem e, posteriormente, a possibilidade de purgação da mora e a análise da defesa.

Em seu voto, o magistrado citou precedentes no sentido de que, estando demonstrada a falta de pagamento, é impositivo o deferimento da liminar de busca e apreensão.

“Nesse contexto, condicionar o cumprimento da medida liminar de busca e apreensão à apreciação da contestação, ainda que limitada a eventuais matérias cognoscíveis de ofício e que não demandem dilação probatória (considerada ainda a subjetividade na delimitação dessas matérias), causaria enorme insegurança jurídica e ameaça à efetividade do procedimento”, afirmou.

Ao propor a tese, o ministro ressaltou que a análise da contestação após o cumprimento da ordem de busca e apreensão também não oferece risco aos princípios do contraditório e da ampla defesa, e que a técnica do contraditório diferido já foi eleita pelo legislador em outras oportunidades – como nas tutelas provisórias de urgência –, em atenção a princípios igualmente importantes, como a efetividade da prestação jurisdicional e a razoável duração do processo.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.799.367 – MG (2019/0060280-0)


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