TRF6 rejeita recurso da União e dobra indenização à família de perseguido político

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região negou uma apelação da União contra uma sentença a favor de familiares de um minerador de Nova Lima, vítima de perseguição política durante o Regime Militar. Em juízo, viúva e filha haviam pedido originalmente uma indenização de R$ 50 mil por danos morais, contra a qual a União alegou que o direito estava prescrito e que as interessadas já haviam sido indenizadas.

No julgamento, a posição do relator do processo foi a de se alinhar a entendimentos consolidados no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os integrantes da Turma acompanharam o relator, que ainda acolheu, parcialmente, o segundo pedido de indenização, totalizando assim R$ 100 mil.

Baseando-se no artigo 1º do Decreto 20.910, de 1932, a União argumentou em seu recurso que haviam se passado mais de cinco anos entre a data de instauração do Regime Militar e o ajuizamento da ação pelas familiares do perseguido político. Aliado a isso, ainda protestou contra a sentença favorável à indenização por danos morais recorrendo ao artigo 16 da Lei 10.559 (Lei da Anistia Política), de 2002, o qual proíbe expressamente a acumulação de indenizações quando o fato gerador é o mesmo. Isso porque o posterior processo administrativo que reconheceu o perseguido político como anistiado já teria concedido uma compensação financeira no valor de R$ 100 mil.

Sobre o argumento da prescrição do direito à indenização, o relator se posicionou em sentido contrário, alinhando-se a uma jurisprudência do STJ, a qual afirma não se aplicar o artigo 1º do referido decreto diante de danos decorrentes de violação de direitos fundamentais ‒ danos estes que são imprescritíveis, sobretudo se ocorridos durante o Regime Militar.

Já sobre o alegado “bis in idem” em relação ao novo pedido de indenização, o magistrado valeu-se da Súmula 624 do STJ, que afirma ser possível acumular a indenização por dano moral com uma segunda (no caso, por reparação econômica) na Lei de Anistia Política, por se tratarem de indenizações de natureza e propósito diferentes.

Após avaliar os documentos apresentados pela viúva e pela filha do anistiado, o relator concluiu que as informações eram “o registro documental da perseguição sistemática operada pelo Estado brasileiro (…) em razão de mera opinião política proscrita àquela época, servindo de lastro de verossimilhança para a narrativa das autoras relativa aos constrangimentos sofridos e ao trauma remanescente, decorrentes da perseguição”.

Processo: 0016785-25.2017.4.01.3800

TJ/MG: Justiça condena moradora por agressão a síndica em reunião de condomínio

Vítima será indenizada em R$ 5 mil por danos morais.


A 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve sentença da Comarca de Juiz de Fora, na Zona da Mata, que condenou uma estudante a indenizar uma vizinha, que era síndica do prédio onde ambas residiam, em R$ 5 mil, por danos morais, por tê-la agredido durante reunião de condomínio.

A moradora que ajuizou a ação alegou que estava sendo discutida a contabilidade do condomínio quando a autora das agressões foi até ela com o objetivo de tomar-lhe o microfone, questionando a administração que vinha sendo conduzida no local. Em seguida, a teria agredido verbalmente e fisicamente.

A estudante argumentou que houve uma briga pelo direito de fala na reunião do condomínio, e não uma agressão à vítima. Mas o argumento não convenceu a juíza da 2ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora.

Diante dessa decisão, a estudante ajuizou recurso. Para a relatora, desembargadora Maria Luíza Santana Assunção, havia provas do dano moral. A magistrada se baseou em imagens de câmeras e manteve a decisão de 1ª Instância, pois a estudante agrediu a síndica de forma desproporcional, incorrendo em excesso da atitude.

Segundo a avaliação da desembargadora Maria Luíza Santana Assunção, a conduta da condômina ultrapassou os limites do razoável e atingiu os direitos de personalidade, por ofensa à integridade física e psíquica e à própria honra da agredida.

Os desembargadores Luiz Carlos Gomes da Mata e José de Carvalho Barbosa votaram de acordo com a relatora.

 

 

TRT/MG: Irmão de trabalhador vítima de acidente com rede elétrica será indenizado

Estamos na Campanha Abril Verde, uma oportunidade de reflexão para aprendermos mais sobre direitos e deveres na prevenção de acidentes e doenças ocupacionais e, acima de tudo, uma valorização de atitudes capazes de garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável.

A Norma Regulamentadora 10 (NR-10) estabelece os requisitos e condições mínimas para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores que interagem direta ou indiretamente com instalações elétricas e serviços com eletricidade. A NR-10 se aplica às fases de geração, transmissão, distribuição e consumo, incluindo as etapas de projeto, construção, montagem, operação, manutenção das instalações elétricas e quaisquer trabalhos realizados nas suas proximidades. Em todas as intervenções em instalações elétricas, devem ser adotadas medidas preventivas de controle do risco elétrico e de outros riscos adicionais, mediante técnicas de análise de risco, de forma a garantir a segurança e a saúde no trabalho. Recentemente, a Justiça do Trabalho mineira decidiu um caso sobre esse tema. Acompanhe:

A Justiça do Trabalho determinou o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 56.359,50, ao irmão de um trabalhador que morreu em um acidente enquanto prestava serviço de emergência na Rodovia BR-498, em Ritápolis, na região central de Minas Gerais. A decisão é da então juíza da Vara do Trabalho de São João del-Rei/MG, Betzaida da Matta Machado Bersan.

O autor da ação alegou que o acidente aconteceu porque a cordoalha do cabo que o irmão segurava se aproximou da rede elétrica de alta-tensão. Informou que a vítima teve queimaduras de 2º e 3º graus, ficando internada por quase dois meses até vir a óbito. Explicou ainda que, antes de os empregados serem chamados para o reparo, chovia, estando todos com a roupa molhada.

Segundo o irmão, desde a data do óbito, ele vem sofrendo intensa dor e saudade em decorrência de uma morte prematura do jovem irmão, “pretendendo a reparação em âmbito moral, de forma reflexa”. Ele alegou ainda que residia na mesma casa da vítima, junto com a mãe e mais três irmãos, “tendo laço afetivo forte, com muita afinidade”.

O acidente de trabalho aconteceu em 11/3/2019. Pelos dados do processo, a vítima foi contratada em 11/2/2019 para exercer a função de ajudante geral em instalações e manutenções de cabos ópticos em postes, em áreas determinadas pela empresa contratante.

Defesa
Em defesa, a prestadora do serviço afirmou que a versão inicial do acidente está distorcida da realidade. Disse que o “de cujus era ajudante geral, função que dá amparo aos técnicos e, naquele dia, estava esticando o cabo de fibra desconectado no percurso, para posterior instalação pelos técnicos”. Alegou ainda que o profissional não efetuou a contingência de tráfego no momento do acidente, caracterizando a excludente de responsabilidade por culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito, afastando a responsabilidade civil pelo acidente.

Já a empresa contratante do serviço negou a culpa no evento, afirmando ser necessária a prova de que o empregador concorreu para o evento mediante ação ou omissão dolosa ou culposa. Afirmou que não se enquadra no exercício de atividades de risco e que a empregadora firmou seguro de vida para os trabalhadores. Apontou ainda que a ocorrência do acidente decorreu de caso fortuito.

Decisão
Testemunha ouvida no caso descreveu que o grupo de empregados finalizava o turno de trabalho em Piedade do Rio Grande, quando o encarregado determinou que fossem para Ritápolis, para levantar um cabo que estava na BR-498. Explicou que eles começaram a esticar a cordoalha junto com o cabo que estava no chão para fazer a manutenção de um cabo que arrebentou.

“Usaram o moitão para içar o cabo, daí começaram a esticar e ficaram olhando para ver se ele não ia agarrar no mato. Na hora de puxar, a cordoalha passou acima do nível e entrou no arco da Cemig. Daí veio a descarga e o trabalhador caiu no chão. O Samu atendeu e foram para a Santa Casa”, explicou a testemunha, informando que a vítima tinha treinamento para a atividade, acreditando ter sido uma fatalidade.

Para a juíza Betzaida Bersan, restou configurado o dano consubstanciado na lesão sofrida pelo trabalhador e o nexo causal com as atividades desenvolvidas. “Isso bem como a responsabilidade objetiva da empresa, o que gera o direito de receber a indenização pretendida. Portanto, ficaram evidenciados todos os requisitos necessários ao recebimento da indenização”.

Segundo a julgadora, a empregadora é responsável pelo dano sofrido em decorrência do acidente do trabalho, nos termos dos artigos 186, 927, 932, III e 950, do Código Civil combinado com o artigo 8º, parágrafo 1º, da CLT. Ela concluiu que a empresa deve responder pelos danos morais, na modalidade ricochete ou por via reflexa, relacionada ao terceiro ligado à vítima.

No entendimento da magistrada, não há dúvida de que os danos decorrentes do óbito de um ente querido atingem reflexamente todos aqueles que mantinham convivência com a vítima. “Há no caso necessidade de adoção de parâmetro objetivo apto a delimitar o alcance do direito à indenização que seja adequado para impedir a ampliação demasiada do instituto”.

A juíza arbitrou então o valor de R$ 56.359,50 para a indenização, nos termos do artigo 186, 927, parágrafo único, e 944 do Código Civil, sendo a empresa contratante condenada subsidiariamente pelos valores devidos. A magistrada levou em consideração a natureza do bem jurídico tutelado, a intensidade do sofrimento, a dificuldade de superação psicológica, a extensão e a duração dos efeitos da ofensa, as condições em que ocorreram os danos, o grau de culpa, a situação social e econômica das partes envolvidas, bem como o disposto no parágrafo 1º, do artigo 223-G, da CLT.

As empresas recorreram da decisão, mas os julgadores da Segunda Turma do TRT-MG, sem divergência, negaram provimento aos recursos nesse aspecto. O processo foi remetido ao TST para exame do recurso de revista.

TRF6: Associação não pode oferecer seguros

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região acolheu uma apelação da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgão responsável por fiscalizar o mercado de seguros no país, contra a Associação de Proteção entre os Amigos Transportadores de Cargas do Estado de Minas Gerais (ASCARG), uma entidade sem fins lucrativos de Betim que encerrou suas atividades em 2012. De acordo com a SUSEP, a associação ofertava serviços típicos de uma companhia de seguros, motivo pelo qual proibiu o seu funcionamento. Ao avaliar o caso, o relator ficou convencido de que a ASCARG realmente não exercia atividades condizentes com seu estatuto, uma vez que oferecia proteção veicular a seus associados, incluindo cobrança de franquia e cobertura de danos provocados por terceiros e por eventos da natureza. Os demais membros da turma acompanharam o relator, e o acórdão foi publicado no dia 8 de março.

Em 2012, a SUSEP entrou com uma ação civil pública contra a ASCARG após constatar, administrativamente, o funcionamento ilegal da entidade, que se apresentava até então como uma associação sem fins lucrativos. Diante disso, a autarquia emitiu uma multa de R$ 750 mil, a qual não foi quitada pela entidade, que continuou, mesmo assim, em atividade até sua dissolução. Posteriormente, a Justiça Federal de 1º grau indeferiu os pedidos da SUSEP ao verificar que a clausura de proteção material a associados e dependentes ‒ a qual de fato constava no estatuto da ASCARG ‒ não equivalia a contrato de seguro.

Entretanto, o entendimento foi diferente quando o processo chegou à 2ª instância. Para o desembargador federal Dolzany da Costa, relator da apelação, ficou claro que a ASCARG se utilizava de uma “roupagem de associação”: ela exercia realmente uma atividade típica de seguradora, o que por si só já caracteriza um crime cujos danos coletivos devem ser reparados, ainda que a entidade não exista mais juridicamente. “Tal prática também acaba por caracterizar condutas reprimidas no Código de Defesa do Consumidor pela oferta ao consumidor quanto ao dever de informação, que deve ser adequado e suficiente para evitar qualquer efeito danoso, pois cria expectativa àqueles que aderem ao serviço de estar contratando efetivo seguro.”

Com a decisão, os dirigentes da ASCARG deverão responder solidariamente ‒ inclusive com seus bens ‒ por irregularidades e eventuais prejuízos ocorridos durante a sua administração na entidade, constatado o caso de abuso de personalidade jurídica. Além disso, a associação fica proibida de cobrar por serviços a seus associados, angariar interessados para os mesmos serviços e deve responder pelos riscos assumidos pelo que já foi ofertado. Por fim, a entidade deverá ainda comunicar o teor da decisão a todos os seus associados, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Processo: 0028988-92.2012.4.01.3800

TRF6 autoriza importação de maconha para fins medicinais a portador de doença rara

A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região autorizou a importação e o transporte, em território nacional, de sementes de maconha para um portador de síndrome SAPHO ‒ uma doença crônica que ataca pele, ossos e articulações. Com isso, o beneficiado poderá cultivar a planta em casa segundo quantidades e prazos previamente estabelecidos por seu médico e enquanto uma autorização emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estiver válida. O acórdão foi publicado no dia 1º de abril e alinhou-se à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos outros TRFs, sendo o primeiro precedente favorável do TRF 6ª Região sobre o tema.

De início, o portador da enfermidade recorreu à medicina tradicional para cuidar de dores contínuas, porém o tratamento não apenas foi sem sucesso como ainda agravou sua saúde. Alternativamente, seu médico lhe prescreveu um remédio importado à base de Cannabis sativa (nome científico da maconha), com um custo aproximado de R$ 1.108. Diante do impacto financeiro em seu orçamento mensal, o usuário do remédio decidiu entrar na Justiça a fim de obter um salvo-conduto, permitindo assim que importasse a planta e não fosse enquadrado na Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).

O relator do habeas corpus, desembargador federal Pedro Felipe Santos, entendeu que “sob a perspectiva do conceito finalista do crime, aquele que busca o salvo-conduto para importar sementes de Cannabis exclusivamente para fins medicinais está despido do dolo de praticar os crimes previstos na lei de drogas, porque não almeja o comércio ou o entorpecimento recreativo, mas decerto o cuidado de sua saúde individual”. E prosseguiu, argumentando que o beneficiário “escolheu o seu profissional de saúde, o qual, por sua vez, no exercício de sua autonomia profissional, prescreveu o tratamento que entendeu ser mais apropriado para os seus problemas de saúde. Se alguém exercita um direito, previsto e autorizado de algum modo pelo ordenamento jurídico, não pode ser punido ou tratado como se praticasse um delito”.

O relator, no entanto, ressalvou que a concessão do salvo-conduto não impedia a fiscalização (quanto à qualidade e à quantidade da substância) durante a utilização medicinal pelo beneficiado, e que essa utilização teria caráter pessoal e intransferível.

Acompanharam o voto do relator os desembargadores federais Luciana Pinheiro Costa e Boson Gambogi. Eles ressaltaram a importância do alinhamento da jurisprudência do TRF 6ª Região com os demais tribunais federais e com o STJ, contribuindo para a harmonização da interpretação do Direito em âmbito federal. Leia aqui o acórdão.

Processo: 1008531-49.2023.4.06.0000

TJ/MG: Marcenaria deverá indenizar vizinhas por perturbação de sossego

Moradoras se queixaram do barulho e poeira gerados pela oficina da empresa.


A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) confirmou sentença da Comarca de Passos, no Sul de Minas, que condenou uma loja de móveis rústicos a indenizar duas moradoras por danos morais devido a transtornos causados pelos barulhos gerado pela oficina da empresa. Cada uma receberá R$ 8 mil.

A enfermeira e a filha, à época com 16 anos, ajuizaram ação em novembro de 2011 contra a marcenaria e o município pleiteando indenização por danos materiais e morais, sustentando que estavam sendo importunadas pelas atividades da marcenaria. Os trabalhos no local se estendiam das 6h45 às 20h, de segunda a sábado, produzindo ruído acima do permitido e perturbando o sossego das moradoras, que apontaram ainda o incômodo provocado pela liberação de poeira e serragem.

A 2ª Vara Cível da Comarca de Passos acolheu a sustentação da defesa do município, que alegou não haver ilegalidade no consentimento do alvará, porque a região é mista, permitindo a instalação de imóveis residenciais e comerciais. A magistrada também concluiu que mãe e filha não conseguiram comprovar, no processo, os danos materiais. Entretanto, rejeitou a defesa da empresa com relação aos danos morais.

As autoras e a marcenaria recorreram à 2ª Instância. O relator, desembargador Raimundo Messias Júnior, manteve a decisão. Segundo o magistrado, ficou caracterizado o exercício do direito de uso, gozo e fruição da propriedade de modo abusivo, pela emissão sonora acima dos limites permitidos na legislação municipal e emissão de material particulado.

“Restando demonstrado que as condutas da marcenaria perturbaram o sono, sossego e descanso da família, fato que notoriamente contribuiu para abalar equilíbrio psicológico do indivíduo, deve ser confirmada a sentença que fixou a indenização por dano moral”, afirmou.

As desembargadoras Maria Inês Souza e Maria Cristina Cunha Carvalhais votaram de acordo com o relator.

TRT/MG: Justa causa para trabalhador que usou no trabalho camisa com figura do “Coronel Ustra”

Entendimento é de que houve grave ato de insubordinação e ofensa à coletividade, por apologia à tortura e à figura de torturador.


Os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG, por unanimidade, reconheceram a validade da dispensa por justa causa de um empregado que usou, no local de trabalho e durante o serviço, uma camisa com a imagem do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, com o termo “USTRA VIVE”. O fato ocorreu no mês de dezembro de 2022, em um hospital localizado na capital mineira.

De acordo com a decisão, de relatoria da desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, o trabalhador praticou apologia à tortura e à figura de torturador, o que configurou falta grave o suficiente para inviabilizar a continuidade da relação de emprego, autorizando a dispensa por justa causa. Com base nos artigos 482, alínea “h”, e 8º da CLT, a conduta do empregado foi caracterizada como ato de insubordinação, que atentou contra a ordem democrática, considerando que não se restringiu aos limites das dependências do empregador, mas atingiu, também e potencialmente, toda a coletividade e a ordem institucional do Estado Democrático de Direito.

Segundo o entendimento adotado, a atitude do trabalhador constituiu ofensa ao interesse público, atraindo a aplicação, no caso, de um dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho, previsto no artigo 8º da CLT. A norma dispõe que: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.

Pontuou-se que o interesse do trabalhador (em usar vestimentas com apologia a tortura e a torturador) não pode prevalecer sobre o interesse público ou da coletividade, que se realiza no respeito ao Estado Democrático de Direito, às instituições da República e aos princípios constitucionais que privilegiam os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana e o bem comum em detrimento de interesses particulares.

“A análise feita no caso concreto, com suporte no artigo 8º da CLT, nos leva à inequívoca conclusão de que o ato praticado pela parte reclamante é capaz de atingir outras pessoas e de prejudicá-las, notadamente porque atenta contra a sociedade e contra o Estado Democrático de Direito”, destacou a relatora na decisão.

Entenda o caso
Sentença oriunda da 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte invalidou a dispensa por justa causa do empregado, convertendo-a em dispensa imotivada e condenando o empregador ao pagamento das parcelas correlatas.

Ao recorrer da sentença, o hospital relatou que, no início de dezembro de 2022, chegou ao setor de ouvidoria a reclamação de que um empregado estaria utilizando, na jornada de trabalho e perante pacientes, uma blusa com o rosto do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e com a frase “Ustra Vive”. Após verificação das câmeras de segurança, constatou-se que se tratava do autor. Segundo o réu, a conduta do empregado configura ato de insubordinação, por ofender o Código de Ética do empregador, que proíbe o uso de camisas que propaguem questões religiosas e/ou partidárias nas suas dependências. Sustentou que o trabalhador promoveu, no local de trabalho, apologia a ex-coronel ligado à ditadura militar e a atos de tortura, praticando falta grave o suficiente para quebrar a confiança necessária à continuidade do vínculo de emprego, de forma a autorizar a dispensa por justa causa.

O trabalhador, por sua vez, alegou que tinha mais de 12 anos de casa e que o empregador não respeitou a gradação das penas, já que não houve advertência antecedente à dispensa. Disse que se tratava “de uma camisa antiga” e que a utilizou sem pensar, “sem qualquer intenção de fazer propaganda ou política”. Afirmou que era comum que empregados fossem trabalhar usando camisa de futebol, “camisa de pessoas da História, como Che Guevara”, ou “até mesmo com camisetas de políticos”, sem qualquer advertência por parte do empregador. Alegou que, por essas razões, não se atentou para o código de conduta e não poderia ter sido dispensado por justa causa.

Mas os argumentos do trabalhador não foram acolhidos em segundo grau de jurisdição. Acompanhando o voto da relatora, os julgadores deram provimento ao recurso do empregador para modificar a sentença de primeiro grau e reconhecer a validade da justa causa aplicada ao empregado, absolvendo o réu quanto ao pagamento das parcelas decorrentes da dispensa imotivada.

Justa causa – Requisitos
Constou da decisão que a justa causa é a penalidade mais severa imputável a um empregado (artigo 482 da CLT). Dessa forma, é preciso haver prova inequívoca da falta que ensejou a dispensa, que compete ao empregador, tendo em vista que o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado (Súmula 212/TST).

Foi ressaltado ainda que, em regra, a aplicação da justa causa deve respeitar a necessária gradação da pena, isto é, deve-se aplicar ao empregado penalidades mais brandas, como advertências e suspensões, para, somente então, se reincidente o empregado, proceder à dispensa por justa causa. “Assim, é desse somatório de punições que se evidenciará a necessária gravidade para a rescisão contratual, salvo a ocorrência de um único ato grave o suficiente, que impeça a continuidade da prestação de serviços”, destacou a relatora. E, de acordo com o entendimento esposado na decisão, foi este único ato grave que ficou provado, como ocorrido no caso.

Desrespeito ao Código de Ética e Conduta do empregador
Conforme observou a relatora, a conduta do empregado desrespeitou o disposto no item 9 do Código de Ética e Conduta (regulamento interno) apresentado pelo réu, segundo o qual: “Para manter um ambiente de respeito e harmônico, não é permitido fazer propaganda política, religiosa e nem uso de camisa de futebol ou que propague questões religiosas e/ou partidárias nas dependências da Instituição”. Apesar de o código não conter previsão de punição específica para o descumprimento do item 9, a relatora explicou que esse fato, por si só, não excluiu a possibilidade de punição, tendo em vista constar do próprio código que “condutas contrárias podem levar à aplicação de medidas disciplinares de acordo com a gravidade do fato, podendo ser aplicada advertência, suspensão ou rescisão contratual, nos moldes legais”.

Segundo o apurado, o empregado foi contratado em novembro/2011, quando assinou o contrato de trabalho e teve ciência do regulamento da empresa à época. O Código de Ética e Conduta apresentado pelo empregador foi estabelecido em setembro de 2022, ou seja, posteriormente à contratação do autor. Entretanto, de acordo com a julgadora, isso não exime o empregado do cumprimento das regras internas adotadas pelo empregador, tendo em vista que os documentos encontravam-se disponibilizados no site da instituição de saúde, cabendo ao empregado, sujeito ao poder diretivo do empregador, a leitura do código de ética que vigora no ambiente de trabalho.

Liberdade de expressão X Apologia ao crime
Entretanto, os fundamentos adotados para a confirmação da justa causa foram muito além do desrespeito ao Código de Ética e Conduta do empregador. O ato do trabalhador foi considerado ofensivo ao ordenamento jurídico sustentado no Estado Democrático de Direito que, conforme ressaltou a relatora, “veda, veementemente, a prática da tortura que, inegavelmente, representa violação direta aos direitos humanos”.

Foi registrado que, ao se utilizar da camisa atrelada ao Coronel Brilhante Ustra no local de trabalho, o autor praticou ato de notória gravidade, nos termos do artigo 374, item I, do Código de Processo Civil, não se tratando de liberdade de expressão, mas de apologia à tortura e à figura do torturador. Ressaltou-se que a conduta de apologia ao crime está expressamente prevista no artigo 287 do Código Penal Brasileiro, que protege o bem jurídico da paz pública.

Segundo a decisão, o direito à liberdade de expressão é garantido constitucionalmente, nos termos do artigo 5º, caput e incisos IV e IX, da Constituição da República de 1988, além de previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, que garante a liberdade de pensamento e expressão. Contudo, o direito à liberdade de expressão não é absoluto e encontra limites no ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito, que não permite, sob o fundamento da liberdade de expressão, que seja atingida a honra, a dignidade e até mesmo a democracia. Inclusive, destacou-se que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, já se manifestou no sentido de que o direito à liberdade de expressão não é absoluto e encontra limitação no próprio texto constitucional.

“Portanto, e em regra, os direitos, ainda que previstos constitucionalmente, não são absolutos, devendo respeitar limites que advêm também da Carta Maior. Aliás, se é possível elencar um direito constitucional absoluto, este, com certeza, é o direto de não ser torturado, razão pela qual a apologia à tortura deve ser censurada e penalizada, não se tratando do mero exercício de liberdade de expressão”, frisou a relatora.

Contexto histórico
A desembargadora ressaltou que o exame do caso exige “cuidado e consciência histórica”. Considerou importante a análise do caso sob uma perspectiva do contexto histórico. Nessa linha, pontuou que o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, durante o regime de ditadura militar, comandava o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), um instrumento de repressão política que contava com agentes da Polícia Civil, Militar e do Exército, que agiam com intensidade e brutalidade para torturar pessoas suspeitas de envolvimento com a resistência ao regime estabelecido.

Observou que o citado Coronel Ustra já foi judicialmente reconhecido como responsável pela prática de tortura no período do regime militar, conforme processo 0347718-08.2009.8.26.0000, no qual foi ressaltado que a tortura praticada fere a dignidade humana. “O caso da tortura da família Teles, em 2008, julgado no processo mencionado, deu origem à primeira condenação que confirmou como torturador o chefe do DOI-CODI, coronel Ustra”, completou a julgadora.

Registrou ainda que, segundo a Comissão Nacional da Verdade, centenas de pessoas foram submetidas a sessões de torturas que aconteceram em São Paulo, no Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), sob o comando do Coronel Ustra, na ditadura militar, sendo que, nesse período, foram contabilizadas 434 mortes e desaparecimentos no país.

Pontuou que, membro da Comissão da Anistia por mais de dez anos, julgando casos de perseguidos políticos e pessoas que foram presas na ditadura militar, o jurista Prudente Mello tomou conhecimento de centenas de processos que apontavam o Coronel Ustra como um dos principais agentes da tortura na ditadura militar.

A classe trabalhadora nesse contexto
Na decisão, foi ressaltado também que a luta da classe trabalhadora por melhores condições de trabalho, especialmente através do movimento sindical, de acordo com os relatórios da Comissão Nacional da Verdade, constituíram alvo primordial do golpe de Estado, uma vez que, segundo extrai-se dos relatórios, o regime político e econômico, para a ditadura militar, necessitava de uma classe trabalhadora despolitizada, subordinada e explorada. Em razão disso, trabalhadores foram vítimas de violações de todo tipo de ordem no período, inclusive com reduções de direitos que repercutem negativamente até os dias atuais (http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%202.pdf, acesso em 13/11/2023).

Direito do Trabalho e dignidade da pessoa humana
À luz desse contexto histórico, a relatora salientou que o Direito do Trabalho, ao tutelar as relações de trabalho, tutela e protege o meio pelo qual o homem médio comum alcança sua condição de cidadão, tratando-se de direito fundamental diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental e norteador da Constituição da República de 1988.

Considerando que o trabalho constitui meio efetivo para a promoção da justiça social e dos direitos humanos, a relatora destacou que os casos trazidos à Justiça do Trabalho devem ser analisados tendo como foco primordial a dignidade da pessoa humana, o que decorre não apenas da leitura do Direito do Trabalho à luz da Constituição Federal, mas justamente por causa da existência dessa ligação direta entre o Direito do Trabalho e os direitos humanos.

Direitos Humanos e Estado Democrático de Direito
Constou da decisão que o Brasil é signatário de acordos internacionais que condenam a prática da tortura desde o final da Segunda Guerra Mundial, com a assinatura da Convenção de Genebra. “Por isso, as atrocidades comandadas por Ustra devem ser consideradas ilegais, independentemente de quem eram ou do que fizeram os torturados”, enfatizou a relatora.

Segundo o voto condutor do acórdão, a Constituição da República de 1988, expressamente, veda a prática da tortura ao dispor que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (artigo 5º, III), além de considerar a prática da tortura como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (artigo 5º, XLIII). Na mesma linha, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 5º), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigos 4º e 7º) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 5º), que caminham no sentido de que ninguém deve ser submetido a tortura, penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes.

Conforme ressaltou a relatora, todo o ordenamento jurídico sustentado no Estado Democrático de Direito repudia a prática da tortura, que inegavelmente representa violação direta aos direitos humanos. Dessa forma, nas palavras da desembargadora, “obviamente e igualmente, repudia a prática de apologia à tortura e/ou à figura de torturadores, como no caso dos autos, rememorando que o Coronel Brilhante Ustra foi judicialmente reconhecido como torturador da época da ditadura militar, além de assim ter sido reconhecido, também, no relatório final da Comissão Nacional da Verdade”.

Apologia à tortura
Ao expor os fundamentos da decisão, a julgadora reafirmou que não houve dúvida de que o autor foi trabalhar trajando uma vestimenta com a foto de um torturador, assim reconhecido judicialmente. Segundo ressaltou, a apologia à tortura e à figura de um torturador é ato inadmissível e capaz de romper a fidúcia necessária à manutenção do vínculo de emprego, tendo em vista que, no ambiente de trabalho, deve-se prezar pela dignidade da pessoa humana, pela prevalência dos direitos humanos e pelo valor social do trabalho.

De acordo com a relatora, a manutenção da justa causa pela prática desse ato se sustenta no dever de coibir e repreender a divulgação e a apologia à tortura e a torturadores, entendendo que houve nítida ofensa à dignidade da pessoa humana, princípio e fundamento da Constituição da República (artigo 1º, III, da CR/88), e ao princípio da prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, II, da CR/88).

Constou da decisão que, de acordo com a doutrina, apologia é a exaltação ou elogio a algum fato ou pessoa que pode ser contrária aos princípios da moral, da ordem ou da lei. No caso do crime de apologia ao crime, a apologia é feita em relação a um fato criminoso ou a um autor de crime, com previsão no artigo 287 do Código Penal Brasileiro, que protege o bem jurídico da paz pública.

“Esse crime é cometido quando alguém faz publicamente a apologia de um fato criminoso ou de um autor de crime. A paz pública é um bem de interesse coletivo que engloba a ordem pública, a segurança pública e a tranquilidade pública, sendo considerado um valor fundamental para a convivência pacífica e harmoniosa da sociedade. A lei brasileira define apologia como o ato de fazer a defesa, promover ou incitar a prática de um crime. Dessa forma, quem faz apologia ao crime está incentivando a prática de uma conduta ilegal, o que pode ser considerado uma violação à ordem pública”, explicou a relatora.

A desembargadora ainda ponderou que a jurisprudência brasileira tem entendido que a apologia ao crime é um tipo de crime de perigo abstrato, o que significa que não é necessário que haja uma lesão concreta para a sua configuração, ressaltando que, além disso, a apologia ao crime pode ser configurada mesmo que o autor não tenha a intenção de cometer o crime.

“Relembre-se que a Constituição Federal prevê a liberdade de expressão, mas desde que esta não viole os direitos fundamentais previstos na Carta Magna. Ora, a liberdade de expressão não pode ser invocada para proteger discursos e atitudes que atentam contra a dignidade humana e o Estado Democrático de Direito, que é o meio garantidor da própria liberdade de expressão, o que seria um contrassenso”, destacou a magistrada.

Afronta à sociedade e ao Estado Democrático de Direito
Segundo frisou a desembargadora, a tortura é censurada pela própria Constituição da República e por Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil e, dessa forma, a apologia a tortura e/ou à figura de um torturador atenta contra a dignidade da sociedade.

“Considerando tudo isto, especialmente o direito à memória e à verdade, ancorada no aprendizado que advém da história do Brasil, que não pode ser desconsiderado e desconhecido, respeitado o entendimento primevo, mantenho a justa causa aplicada pelo fato de o trabalhador estar usando uma camisa do Ustra e fazendo uma apologia a um torturador e à tortura, o que inegavelmente representa afronta ao princípio-fundamento basilar da CR/88, qual seja a dignidade da pessoa humana, além de representar grave afronta ao próprio Estado Democrático de Direito, configurando inegável prejuízo a toda a coletividade”, concluiu.

De acordo com a relatora, o ato praticado pelo empregado representou, ainda, ofensa aos direitos à verdade e à memória, em desrespeito flagrante às vítimas do regime militar e aos seus familiares, extrapolando o direito de expressão que deve ser exercido em respeito aos princípios constitucionais que objetivam a manutenção da ordem pública e das garantias e direitos humanos fundamentais.

A magistrada fez questão de ponderar que o entendimento adotado não se orienta por qualquer viés político e/ou ideológico, mas sim no dever de coibir e repreender a divulgação e a apologia à tortura e a torturadores, considerando a ofensa à dignidade da pessoa humana, princípio e fundamento da Constituição da República (artigo 1º, III, da CR/88) e ao princípio da prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, II, da CR/88).

Ponderou ainda que não se pode desconsiderar o contexto no qual o empregado fez uso da vestimenta com apologia à tortura e a torturador. Destacou que o fato ocorreu em dezembro de 2022, após, portanto, o processo eleitoral, período no qual o País, notoriamente, encontrava-se dividido entre eleitores de um e outro candidato, com vários atos e manifestações que causaram transtorno em diversas regiões do País. Considerando a animosidade entre os grupos e os iminentes riscos de enfrentamento entre eles, entendeu que atitude do trabalhador foi ainda mais temerária e repreensível, porque poderia ter causado, no ambiente de trabalho, conflito direto com outros trabalhadores, empregados ou até mesmo com pacientes.

Ato de insubordinação que ultrapassou os limites das dependências do empregador
Na decisão, foi reconhecida a validade da justa causa aplicada ao trabalhador, por ato de apologia à tortura e à figura de torturador, configurado como insubordinação que atenta contra a ordem democrática, nos termos dos artigos 482, ‘h’, e 8º da CLT.

De acordo com a decisão, o ato deve ser capitulado como inegável insubordinação que não se restringe aos limites das dependências do empregador, atingindo, também e potencialmente, toda a coletividade e a ordem institucional do Estado Democrático de Direito. Sob o entendimento de que a conduta representa ofensa ao interesse público, aplicou-se, ao caso, um dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho, consignado no artigo 8º da CLT.

“A interpretação da norma acima transcrita deve ser realizada de forma extensiva, de maneira que é perfeitamente possível sua aplicação ao caso concreto, já que o interesse da parte reclamante (em usar vestimentas com apologia a tortura e torturador) não pode prevalecer sobre o interesse público, sobre o interesse da coletividade, que se realiza no respeito ao Estado Democrático de Direito, às instituições da República e à história do Brasil, que nos conduziu à promulgação de uma Carta Maior que privilegia a prevalência dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do bem comum em detrimento aos interesses particulares”, destacou a relatora.

A julgadora concluiu que o exame do caso, com base no artigo 8º da CLT, leva à inequívoca conclusão de que o ato praticado pelo trabalhador é capaz de atingir outras pessoas e de prejudicá-las, “notadamente porque atenta contra a sociedade e contra o Estado Democrático de Direito”. Atualmente, o processo aguarda decisão de admissibilidade do recurso de revista.

STJ: Remição de pena por curso profissionalizante a distância exige cadastro da instituição de ensino no MEC

Para que o preso seja beneficiado com remição de pena por ter feito um curso profissionalizante a distância, é necessário que a instituição de ensino tenha vínculo com o presídio e esteja cadastrada no Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica, do Ministério da Educação (MEC). Os procedimentos são necessários para que o curso tenha respaldo das autoridades educacionais competentes e a remição cumpra os requisitos previstos na Lei de Execução Penal (LEP).

O entendimento foi estabelecido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter decisão monocrática do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e negou o pedido de remição de pena, por entender que a instituição responsável pelo curso que embasava o requerimento do benefício não era devidamente credenciada pelo poder público para essa finalidade.

No recurso, a defesa do preso alegou que, embora a instituição de ensino não fosse conveniada com o presídio, ela tinha idoneidade para prestar serviços educacionais, o que daria direito à remição de pena pela conclusão do curso a distância.

Caso não diz respeito à falta de fiscalização estatal
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca lembrou que, nos termos do artigo 126, parágrafo 2º, da LEP, as atividades de estudo que possibilitam a remição de pena devem ser certificadas pelas autoridades educacionais.

Ainda segundo o relator, a Resolução 391/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê que as atividades de educação não escolar – a exemplo daquelas destinadas à capacitação profissional – devem ser integradas ao projeto político-pedagógico da unidade prisional e realizadas por instituições de ensino autorizadas ou conveniadas ao poder público para esse fim.

No caso dos autos, o ministro reforçou que, além de não estar cadastrada na unidade prisional, a instituição de ensino que emitiu o certificado ao apenado não comprovou estar credenciada no Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica do MEC para oferecer os cursos – situação que viola os requisitos da LEP para a concessão da remição.

“Não se olvida da orientação jurisprudencial de que o apenado não pode ser prejudicado pela inércia do Estado na fiscalização. No caso, contudo, não se cuida de falha na fiscalização. O que se verifica, na verdade, é a efetiva ausência de prévio cadastramento da entidade de ensino na unidade prisional e no poder público para a finalidade pretendida, conforme expressamente consignado pelo juízo das execuções penais”, concluiu Reynaldo Soares da Fonseca.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 2105666

TRT/MG: Vale não terá que ressarcir engenheiro por contratação de advogado particular em caso de Brumadinho

Um engenheiro da Vale, envolvido nas investigações sobre o rompimento da barragem de Brumadinho, teve negado o pedido de ressarcimento do valor pago pela contratação de advogado particular na esfera penal. A decisão é do juiz Mauro César Silva, titular da 1ª Vara do Trabalho de Nova Lima/MG.

A barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale, rompeu no dia 25 de janeiro de 2019. Após o acidente, o engenheiro se viu envolvido em investigações do CREA-MG, polícias, Ministério Público, Assembleia Legislativa de MG e CPI do Senado Federal.

Na reclamação trabalhista, o profissional relatou que, apesar de a empresa ter contratado advogado com o objetivo de promover sua defesa e de outros empregados investigados, optou por contratar advogado de sua confiança. Para tanto, despendeu a grande quantia de R$ 1 milhão em 2020, o que, na visão do engenheiro, deve ser suportado pela empregadora.

Entretanto, após examinar as provas, o julgador não lhe deu razão. “A Ré não se descurou de seu dever de boa-fé, não agiu com abuso de poder e não se furtou de promover a melhor assistência jurídica ao reclamante”, concluiu na sentença, julgando improcedente o pedido.

Segundo apurado no processo, o autor teve a prisão decretada em 15/2/2019 e foi solto em 27/2/2019 após a impetração de habeas corpus pelo advogado contratado pela empresa. Voltou ao cárcere em 13/3/2019 e saiu em 14/3/2019. Os honorários do advogado foram custeados pela Vale.

Por entender que a defesa em conjunto poderia lhe ser prejudicial, o engenheiro alegou ter solicitado à Vale a substituição do advogado, o que, todavia, foi negado a ele. “Eu tenho direito a um advogado que não patrocine a causa de qualquer outro envolvido nesse imbróglio da barragem da Mina Córrego do Feijão, pois, a ser defendido em bloco, corro o risco de ser condenado”, argumentou na ação.

Em defesa, a Vale sustentou que, apesar de não estar obrigada a custear o assessoramento jurídico do autor, contratou renomado advogado, com vasto currículo acadêmico. Foi esse advogado quem obteve a soltura do autor e de outros dirigentes da empresa.

Na sentença, o juiz reconheceu a versão da empresa e ressaltou que o autor não defendeu uma tese, mas fez uma suposição de que a defesa conjunta lhe traria prejuízos. “Uma tese necessita ser demonstrada e pode ser confirmada ou negada, entretanto, seria impossível nesse caso extrair um resultado, posto tratar-se de situações excludentes: fica-se com o Advogado que já está a cuidar da causa, ou vai-se a outro.”, explicou, arrematando com o poema “Ou isto ou aquilo”, de Cecília Meirelles: “Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva”.

Conforme ponderou o julgador, ambos os advogados contratados são dotados de notória especialização e afirmar que a defesa em conjunto poderia trazer prejuízo ao autor ou a qualquer deles é uma suposição carente de sustentação jurídica. Dizer que a tese defendida pela empresa “pode” incriminar outros colegas que estão sendo patrocinados pelo mesmo advogado significa suposição e não afirmação.

De acordo com o juiz, cabia ao advogado decidir quanto à estratégia da defesa. Se não houve recomendação de busca de um advogado para cada investigado, é porque o “expert da ciência penal” não viu validade dessa estratégia. “Um leigo na matéria penal não deveria se arvorar em fazer ilações desprovidas de fundamentos e desqualificar o trabalho do advogado”, registrou a respeito da conduta do engenheiro.

O autor ainda sustentou a necessidade de um advogado para si, porque a tese de defesa de um colega poderia lhe incriminar, ou vice-versa. “O autor não quer ser defendido pelo mesmo advogado que defende dirigentes da Vale, pois a atuação do profissional não seria isenta: pode ser necessário incriminar alguém ou alguém pode o incriminar”, destacou o juiz.

Mas, para o magistrado, o raciocínio conduz à presunção de má-fé, de irresponsabilidade profissional, incúria de um advogado, o que não se admite. “A hipótese de se esgrimir teses conflitantes desafia a lógica e o bom senso e flerta com a má-fé”, registrou na sentença.

Por tudo isso, o juiz concluiu que o autor não tem direito a ser ressarcido por ter escolhido outro advogado para tratar exclusivamente de sua defesa no processo que apura as responsabilidades sobre o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. O julgador, inclusive, chamou atenção para o fato de o engenheiro ter recebido o mesmo tratamento dado à sua chefia, a qual também foi incluída na defesa conjunta contratada pela Vale. O pedido do autor de ressarcimento da despesa pela contratação do advogado particular foi julgado improcedente.

O engenheiro foi condenado a pagar custas no valor de R$ 20 mil, calculadas sobre o valor da causa, de R$ 1 milhão. Os honorários advocatícios devidos aos advogados da Vale foram arbitrados em 5% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 791-A, parágrafo 2º, da CLT.

A decisão foi confirmada em grau de recurso: “A empresa prestou a assessoria jurídica ao reclamante, a mesma que concedeu aos seus superiores hierárquicos, inexistindo qualquer fato nos autos que comprove a alegação de que a banca de advogados escolhida pela Vale fosse, de alguma forma, prejudicar a defesa do reclamante”, constou do acórdão da 9ª Turma do TRT-MG. O processo foi remetido ao TST para exame do recurso de revista.

TRT/MG: Empresa deverá indenizar vendedor externo por uso de celular particular no serviço

Um trabalhador que exercia a função de vendedor de uma empresa de comércio atacadista de produtos alimentícios deverá receber indenização no valor de R$ 60,00 por mês, para reembolsar gastos com celular particular no serviço. Ele trabalhava com veículo, visitando clientes e prestando contas à empresa, em tempo real, com o uso do celular. Por cerca de quatro anos, arcou com os custos pelo uso do próprio aparelho, com pacotes de dados e minutos para ligações, sem qualquer restituição por parte da empresa.

A sentença é da juíza Sabrina de Faria Froes Leão, titular da 43ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Ao condenar a empresa a indenizar o ex-empregado, a magistrada se baseou no princípio da alteridade, segundo o qual recai sobre o empregador todos os ônus do empreendimento, não podendo o empregado arcar com despesas essenciais para o desenvolvimento das suas funções, na forma prevista no artigo 2º da CLT.

O trabalhador afirmou que era obrigatório o uso do próprio aparelho celular no serviço, com pacote de dados e de minutos para ligações, gastando cerca de R$ 60,00 mensais, exclusivamente em razão do trabalho, que não lhe eram restituídos. Disse que a situação perdurou até julho de 2021, quando a empresa passou a fornecer telefone corporativo.

A prova testemunhal e o depoimento do próprio representante da empresa confirmaram as afirmações do vendedor. Os relatos demonstraram que a prestação de serviços exigia o uso do celular particular do empregado, seja para se comunicar com o gerente e clientes, seja para enviar fotos e informar ao empregador sobre as visitas e vendas realizadas ao longo do dia. Inclusive, havia grupo de WhatsApp da empresa para tratar de questões relacionadas ao trabalho. O aparelho celular ainda era um meio de o empregador fiscalizar a jornada de trabalho do vendedor, tendo em vista que ele trabalhava externamente.

Segundo o apurado, a utilização do próprio celular no trabalho pelos vendedores externos gerava para eles uma despesa média de R$ 60,00 a R$ 70,00 por mês, sem que houvesse restituição do empregador, situação que permaneceu até julho de 2021, quando a empresa passou a fornecer celular corporativo.

A empresa foi condenada a pagar ao ex-empregado o valor de R$ 60,00 mensais, desde a admissão até julho de 2021, quantia considerada razoável pela juíza para reembolsar gastos com celular particular. As partes apresentaram recursos, em andamento no TRT-MG.


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