TST: Viação Torres é condenada por não fornecer condições de trabalho para motorista e cobradores

Não havia banheiros limpos nem lugar para refeições nos pontos de apoio.

Por maioria, a Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento ao recurso da Viação Torres Ltda., de Belo Horizonte (MG), contra a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo de R$ 200 mil. Segundo o colegiado, a empresa de transporte coletivo deixou de observar a norma que trata das condições sanitárias e de conforto nos locais de trabalho.

Pontos de controle
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em março de 2016, para obrigar a empresa a garantir que motoristas e cobradores tivessem condições mínimas de conforto e higiene quando utilizassem os Pontos de Controle (PC). Os PCs são pontos de apoio onde há o controle dos horários de partida da linha, a parada e o estacionamento dos veículos e de seus operadores. Também é o local onde os trabalhadores passam os intervalos intrajornada, usam as instalações sanitárias e fazem suas refeições.

Irregularidades
Entre as irregularidades apuradas pelo órgão de fiscalização, os pontos não forneciam água potável em todos os locais de trabalho nem material para limpeza e secagem das mãos no lavatório. As instalações sanitárias também não eram higienizadas regularmente e não forneciam privacidade. Ainda, segundo os fiscais, não havia local para refeições ou equipamento para aquecê-las.

Sem dano à sociedade
Em defesa, a Viação disse que em momento algum foi demonstrado o efetivo dano para a coletividade e que o fato não era grave o suficiente para presumir que sua repercussão negativa para o grupo ou a sociedade. Para isso, deveria haver prova robusta do dano sofrido pelas vítimas.

Concessão
A empresa sustentou ainda que a instalação dos PCs nos trajetos é estabelecida pelo poder público. “As linhas de transporte coletivo decorrem de concessão do município de Belo Horizonte, e a empresa não tem a livre disponibilidade de suas ações”, argumentou.

Dignidade
Segundo o ministro Dezena da Silva, relator do caso no TST, o empregador deve observar as disposições contidas na Norma Regulamentadora (NR) 24 do Ministério do Trabalho, que trata das condições sanitárias e de conforto nos locais de trabalho na área de transporte coletivo. Dessa forma, a Viação deve fornecer instalações sanitárias adequadas e água potável nos pontos finais e terminais rodoviários. “São condições mínimas de trabalho, cuja não observância ofende, de forma cabal, a dignidade do empregado”, concluiu.

A decisão foi unânime.

Processo: Ag-AIRR-10310-58.2016.5.03.0111

TRT/MG: Empresa é condenada por empregada sofre assédio sexual

No período em que atuou como titular da 2ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora/MG, o juiz Fernando César da Fonseca condenou uma empresa do ramo de engenharia ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5 mil, à trabalhadora que sofreu assédio sexual no trabalho. A profissional exercia a função de técnica de enfermagem e alegou que, durante o período contratual, era diariamente importunada sexualmente pelo supervisor, sendo alvo de comentários pejorativos.

Na defesa, a empregadora explicou que o empregado apontado pela trabalhadora não era o supervisor dela e que, antes mesmo de tomar conhecimento dos fatos, dispensou o empregado, que já não faz mais parte do quadro. Argumentou ainda que não tomou conhecimento da situação narrada no momento oportuno, “não sendo possível sequer fazer uma investigação”.

Mas uma testemunha ouvida no caso confirmou a versão da trabalhadora. O depoimento prestado revelou que o supervisor costumava assediar a profissional diariamente. Indagado sobre que tipo de assédio, o depoente falou o que ele “cantava” a trabalhadora e que ela ficava constrangida.

Segundo a testemunha, a vítima chegou a denunciar o caso ao gestor. “Foi realizada uma reunião, com a participação do acusado; e, mesmo assim, ele continuou assediando a autora da ação”.

Para o magistrado, ficou evidente a ocorrência do assédio sexual. “O fato violou a dignidade sexual da trabalhadora, causando vários transtornos de ordem psíquica e influenciando negativamente a rotina profissional, já que ela teve que conviver com o superior, além dos prejuízos de caráter pessoal, os quais são presumíveis”.

Segundo o julgador, o assédio sexual se caracteriza quando o empregador, ou quem detém poder hierárquico sobre o empregado, tenta obter dele favores sexuais através de condutas reprováveis. “Isso com o uso do poder que detém sob forma de ameaça e condição de continuidade no emprego, ou quaisquer outras manifestações com conotação sexual que prejudiquem o desempenho laboral da vítima por parte de qualquer pessoa que faça parte do quadro funcional da empresa, independente do uso do poder hierárquico”.

Provada a culpa do empregador, por ação ou omissão, com nexo relacional entre a conduta antijurídica da empresa e o dano que sobreveio à empregada, o julgador entendeu que surge a obrigação de indenizar, que encontra amparo nos incisos I, V e X do artigo 5º, inciso XXXII, do artigo 7º, da Constituição Federal, e artigo 186 do Código Civil.

“O dano moral corresponde ao sofrimento da vítima, decorrente da privação, temporária ou permanente, de algum bem da vida, seja físico, psíquico ou social, relacionado à saúde, integridade física, ao estado emocional ou ao convívio social e familiar”, concluiu o julgador, determinando o pagamento da indenização de R$ 5 mil.

O juiz considerou na decisão o porte da empresa, a necessidade de punir a conduta faltosa e o caráter pedagógico da indenização. “Por outro lado, adoto o preceito doutrinário de que a reparação não pode ser fonte de enriquecimento e sim de abrandamento da dor moral sofrida”. Os julgadores da Quarta Turma do TRT-MG confirmaram a sentença. O processo já foi arquivado definitivamente.

TJ/MG: Justiça condena hospital por submeter idosa a espera excessiva

Paciente de 90 anos aguardou atendimento médico por cinco horas.


A 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou um hospital a indenizar a família de uma idosa em R$ 15 mil, por danos morais, devido à demora no atendimento da paciente, mesmo depois de a triagem classificar o quadro dela como urgente.

Em 25 de agosto de 2013, por volta das 11h40, a mulher, então com 90 anos, foi levada de ambulância a um hospital. O quadro foi avaliado como grave e urgente. Por volta das 14h30, a filha da paciente procurou funcionários para obter informações sobre uso de insulina e fornecimento de alimentação, pois a idosa se mostrava cada vez mais prostrada. Conforme consta na ação, a demora se prolongou até 19h40, quando a mulher foi levada para o CTI.

O hospital se defendeu sob o argumento de que, durante todo o tempo, desde a entrada, a paciente estava sendo monitorada e foi considerada estável, e a situação prosseguiu sob controle até o encaminhamento para o CTI e posterior alta. O estabelecimento também sustentou que prestou atendimento às 17h, bem antes do horário informado pela família da paciente, por isso não deveria ser responsabilizado.

Em 1ª Instância, essas alegações foram aceitas pela Comarca de Contagem. Diante da decisão e devido à morte da paciente no decorrer do processo, a família recorreu.

A relatora, desembargadora Aparecida Grossi, modificou a sentença. A magistrada ponderou que o fato de uma senhora de 90 anos, com quadro classificado como urgente pela triagem, ser atendida só após cinco horas de espera acarreta danos passíveis de indenização.

A desembargadora avaliou que a responsabilidade do hospital, como prestador de serviços, é objetiva, “sendo excessivo e fora dos padrões da razoabilidade o prazo para atendimento médico da paciente idosa”.

Os desembargadores Roberto Soares de Vasconcellos Paes e Amauri Pinto Ferreira votaram de acordo com a relatora.

TRT/MG: Merendeira tem reconhecido direito a adicional de insalubridade por exposição a calor excessivo

A Justiça do Trabalho reconheceu o direito à percepção do adicional de insalubridade no grau médio a uma empregada do Município de Poços de Caldas, que trabalha na produção de merendas escolares. Ela foi admitida pelo município para exercer a função de merendeira, após aprovação em concurso público. No período em que era juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Poços de Caldas/MG, o desembargador Delane Marcolino Ferreira constatou que a empregada exerceu atividades com exposição a calor excessivo.

A decisão se baseou em perícia técnica, que verificou a presença de “stress térmico” no trabalho da merendeira. As medições realizadas pelo perito apontaram intensidade de calor acima dos limites de tolerância estabelecidos no Anexo 3 da Norma Regulamentar, levando-o a concluir pela caracterização de atividade exercida sob condições insalubres, em grau médio.

O município impugnou as apurações do perito, mas não apresentou prova capaz de afastá-las. Conforme ressaltou o magistrado, o laudo pericial foi confeccionado por profissional de confiança do juízo e baseado nas reais condições de trabalho da merendeira, devendo prevalecer como meio de prova acerca da insalubridade na prestação de serviços.

Na sentença, considerando que o contrato de trabalho ainda estava em curso, o município foi condenado a pagar à merendeira o adicional de insalubridade em grau médio (20%) a incidir sobre o salário mínimo (Súmula nº 46 do TRT da 3ª Região), desde o início do período contratual não prescrito, em valores vencidos e vincendos. A manutenção do pagamento do adicional foi condicionada à permanência da situação de fato que o gerou.

O Município de Poços de Caldas interpôs recurso ordinário, mas a sentença foi mantida, por unanimidade, pelos julgadores da Quinta Turma do TRT-MG. Não cabe mais recurso e, atualmente, o processo está em fase de execução.

STJ: Em caso de dúvida, prova do consentimento do morador para entrar na residência é responsabilidade do Estado

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que, em caso de dúvida sobre o consentimento do morador para que a polícia entre na residência para apuração de algum crime, a prova da autorização cabe ao Estado.

O entendimento foi definido ao negar recurso do Ministério Público contra decisão monocrática do relator, ministro Sebastião Reis Junior, que concedeu habeas corpus para declarar a nulidade de flagrante por tráfico de drogas, em razão do entendimento de que houve invasão da casa do réu pela polícia.

Em fevereiro de 2023, os agentes policiais, em resposta a uma denúncia anônima de tráfico de drogas em uma residência específica, dirigiram-se ao local e encontraram o suspeito arremessando uma sacola para cima da laje do banheiro. Durante a busca na casa, foram descobertos diversos entorpecentes, armas de fogo, munições, uma balança e um colete balístico.

Justiça de Minas considerou dispensável termo escrito ou outro registro de consentimento
Inicialmente, em primeira instância, o juízo considerou que a ação policial tinha justificativa, dada a suspeita de flagrante delito, dispensando a exigência de termo escrito ou registro audiovisual do consentimento do morador. A legalidade do ingresso dos policiais foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Posteriormente, o réu foi condenado em primeiro grau a cinco anos de reclusão, em regime semiaberto.

Ao STJ, a defesa do réu alegou invasão de domicílio e ausência de autorização de entrada, especialmente pela falta de registro do consentimento pelos policiais. Apontou, ainda, que é incabível sugerir que alguém permitiu que os policiais entrassem em sua casa, após o investigado supostamente ter jogado algo no telhado da residência, ciente de que havia armas, munições e drogas no interior.

Divergências nos depoimentos afastam indícios para justificar entrada sem permissão
O ministro Sebastião Reis Junior destacou que a entrada em domicílio sem autorização judicial só é admissível quando o contexto anterior à invasão sugere a ocorrência de crime que exige ação imediata para a sua interrupção.

O ministro também apontou divergências nos depoimentos dos policiais e a falta de descrição do conteúdo da sacola arremessada pelo réu, o que sugere que os elementos eram insuficientes para justificar a entrada na residência sem consentimento claro e voluntário dos moradores.

“A ação policial não foi legitimada pela existência de fundadas razões – justa causa – para a entrada desautorizada no domicílio do agravado, pois a fundamentação na natureza permanente do delito, a existência de mera denúncia anônima, desacompanhada de outras diligências preliminares, e a ausência de documentação do consentimento do morador para ingresso em domicílio maculam as provas produzidas na busca e apreensão domiciliar sem autorização judicial”, apontou o ministro.

Citando precedentes do STJ, Sebastião Reis Junior lembrou que é responsabilidade do Estado provar a legalidade e a voluntariedade do consentimento para entrada na residência do suspeito e a prova do consentimento deve ser registrada em áudio e vídeo e preservada durante todo o processo.

Veja o acórdão.
Processo: HC 821494

TRT/MG: Município é condenado a indenizar viúvo e filhos de agente comunitária de saúde que faleceu por Covid-19

Empregada era diabética e não foi afastada do serviço.


A falecida foi contratada pelo Município de Belo Horizonte, após aprovação em concurso público, em abril de 2008, para trabalhar como agente comunitária de saúde. Em fevereiro de 2021, foi afastada do serviço por ter contraído a Covid-19. Apenas 16 dias depois, morreu em decorrência da doença. Contava com 42 anos de idade, deixou viúvo e dois filhos, um deles menor.

O juiz Walace Heleno Miranda de Alvarenga, no período em que atuou na 19ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, foi o responsável pelo julgamento da ação trabalhista ajuizada pelos herdeiros da falecida contra o Município de Belo Horizonte. Na sentença, o magistrado reconheceu a existência de doença ocupacional e a responsabilidade civil objetiva do empregador pelo ocorrido com a empregada. Entendeu que o município foi negligente na adoção das normas de segurança e medicina do trabalho, principalmente tendo em vista que a agente comunitária de saúde era diabética e não foi afastada de suas atividades durante a pandemia do coronavírus.

Na decisão de primeiro grau, o município foi condenado a pagar a cada um dos herdeiros indenização por danos morais de R$ 100 mil (perfazendo R$ 300 mil), além de indenização por danos materiais, na forma de pensão mensal, no valor de R$ 1.474,77, a ser dividida entre eles, quantia correspondente a 2/3 do último salário da falecida (de R$ 2.212,16 mensais). Em grau de recurso, os julgadores da Oitava Turma do TRT-MG aumentaram o valor da indenização para R$ 250 mil para cada um: o viúvo e os dois filhos, totalizando R$ 750 mil.

Defesa do município
O réu sustentou a impossibilidade de se afirmar que a doença tenha sido contraída pela ex-empregada durante a realização de suas atividades de agente comunitária de saúde. Argumentou que não houve culpa/negligência de sua parte e que adotou todas as medidas e cuidados para evitar a contaminação e a disseminação da Covid-19 durante o contrato de trabalho. Alegou não ser o caso de incidência da responsabilidade objetiva do empregador.

Doença ocupacional
No exercício de suas atividades como agente comunitária de saúde, a falecida atuava de forma direta no enfrentamento e atendimento de pacientes acometidos por Covid-19. Em 6/2/2021, ela foi afastada do trabalho por ter contraído a Covid-19. O óbito ocorreu em 22/2/2021. Comunicação de acidente de trabalho (CAT) emitida pelo próprio município identificou como doença profissional a patologia que causou a morte da trabalhadora.

Na conclusão do juiz, a doença que vitimou a empregada (Covid-19) se amolda integralmente ao conceito legal de doença ocupacional. Ao formar sua convicção, o magistrado se baseou no artigo 20 da Lei 8.213/1991, que considera acidente do trabalho as seguintes entidades mórbidas: “I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I”.

O entendimento adotado pelo magistrado também levou em conta o disposto no parágrafo 1º, alínea “d” da mesma norma legal, que não considera como doença do trabalho a “doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”, como ocorrido no caso.

Responsabilidade civil objetiva
Na decisão, foi ressaltado que, pela teoria da responsabilidade civil subjetiva, nos termos dos artigos 186 e 927, do Código Civil, o dever jurídico de indenizar exige a presença dos seguintes elementos: o ato ilícito omissivo ou comissivo, culposo ou doloso, o nexo de causalidade e o dano.

Registrou-se que há ainda a teoria da responsabilidade civil objetiva, prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, quando o dever de indenizar incide sem a necessidade do elemento subjetivo culpa. Essa modalidade de responsabilidade ocorre nas hipóteses legalmente previstas, ou quando a atividade do agente causador do dano implicar risco à vítima. De acordo com o magistrado, essa situação se verificou no caso, tendo em vista que as atividades de agente comunitária de saúde, que a falecida exercia em prol do município, são consideradas de risco, por natureza, diante da necessidade do contato direto com pessoas contaminadas com o coronavírus, sendo evidente o perigo de contágio, especialmente no período da pandemia.

Constitucionalidade
Segundo o pontuado na sentença, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 828040, com repercussão geral reconhecida, decidiu que o trabalhador que atua em atividade de risco tem direito à indenização em razão de danos decorrentes de acidente de trabalho, independentemente da comprovação de culpa ou dolo do empregador. “Assim, a Corte Suprema assentou ser constitucional a imputação da responsabilidade civil objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em atividades de risco”, destacou o magistrado.

Risco inerente à atividade
Conforme ponderou o julgador, a responsabilidade objetiva exige, para sua incidência, que o risco causador do dano seja uma circunstância inerente à atividade empreendida pelo tomador da mão de obra, como no caso. Citou, no aspecto, a doutrina do desembargador do TRT-MG, Sebastião Geraldo Oliveira: “não é necessário que haja comportamento anormal ou ilícito do empregador para gerar o direito à indenização, pois o simples exercício da sua atividade rotineira, ainda que normalmente desenvolvida, pode acarretar o direito à indenização, caso tenha provocado danos à vítima”. (OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, São Paulo: Ed. LTR, 2014 – pág. 135).

Coronavírus
Sobre o coronavírus, o magistrado ressaltou que é fato cientificamente comprovado, além de amplamente divulgado, que se trata de um agente viral de rápida transmissão e mutabilidade, que não escolhe quem contamina, e que tem a capacidade de produzir efeitos nocivos à saúde e levar a óbito qualquer ser humano, sem distinção.

“Qualquer ambiente que vier a ser periciado, em qualquer momento, desde que por ele circulem pessoas contaminadas, com ou sem sintomas, pode apresentar condições que destaquem a presença do agente viral em determinado momento, e a sua ausência no momento seguinte. E isso é tão evidente que o coronavírus transformou-se em pandemia”, destacou Miranda.

Para o juiz, não houve dúvida de que a ex-empregada atuava de forma direta no enfrentamento do coronavírus e no atendimento de pacientes acometidos por Covid-19. O fato, além de demonstrado por documentos apresentados no processo, foi confirmado pelo próprio município, que informou que a manutenção de agentes comunitários de saúde no exercício de suas funções era necessária ao cumprimento do “relevante papel de levar informações à população sobre medidas preventivas (…), evitando assim risco de maior número de infecções”.

Covid-19 X Doença ocupacional
Sobre a possibilidade de se considerar a existência de nexo causal entre a Covid-19 e o trabalho desempenhado, foi pontuado que o Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado de constitucionalidade que realizou sobre o artigo 29, da MP 927/2020, entendeu que o dispositivo legal, ao excluir, como regra, a contaminação pelo coronavírus da lista de doenças ocupacionais, transferindo o ônus da comprovação ao empregado, contrariou entendimento do STF em relação à responsabilidade objetiva do empregador em alguns casos (ADI’s 6342 e 6380).

Comorbidades – Prova – Autodeclaração X Atestado médico
Conforme esclareceu o magistrado, decisão proferida na Ação Civil Pública 0010253-77.2020.5.03.0021 determinou “o afastamento, mediante autodeclaração, dos agentes comunitários de saúde acometidos de doenças que possam agravar seu estado pelo contágio do Covid-19, tais como diabéticos, diagnosticados de pneumopatia e doenças neurológicas, problemas renais, obesidade, asmas e outras comorbidades”.

Decisão que julgou o Mandado de Segurança 0010656-12.2020.5.03.0000O manteve o afastamento das pessoas inseridas no grupo de risco para a Covid-19. Entretanto, determinou que a existência da comorbidade, inclusive para os agentes comunitários de saúde, fosse comprovada por relatório ou atestado médico, e não por autodeclaração.

Comorbidade da empregada – Ciência do empregador
No caso, ficou provado por atestado médico que a ex-empregada era portadora de diabetes do tipo 2, fazendo uso contínuo de insulina. Embora ela não tenha apresentado o atestado/relatório médico comprovando a situação, na análise do juiz, não houve dúvida de que o empregador tinha conhecimento da comorbidade da falecida, principalmente por ela ter realizado o tratamento e recebido a prescrição da medicação na própria unidade de saúde em que trabalhava, conforme comprovado por documentos.

“Isso demonstra que o Município reclamado tinha evidente conhecimento acerca da doença da empregada falecida, de modo que, por ser seu dever manter um meio ambiente de trabalho hígido e equilibrado (art. 19, § 1º, da lei 8.213/91), preservando a integridade física e a saúde de seus trabalhadores, o que mínima e razoavelmente se esperava era a sua própria iniciativa de afastamento da empregada”, destacou o juiz, observando que, entretanto, a esperada conduta do empregador não ocorreu.

Laudo pericial – Necessidade de afastamento do serviço
Laudo pericial provou que houve a infecção por Covid-19, com necessidade de tratamento hospitalar que evoluiu para o óbito da agente comunitária de saúde. Sobre a agressividade do coronavírus no corpo humano, o perito esclareceu que a patologia que acometia a ex-empregada – “diabetes mellitus” – representa um risco adicional de morte. Além disso, registrou que houve a comprovação do diagnóstico da patologia que determinava a necessidade de afastamento do trabalho.

O réu juntou parecer de assistente técnico afirmando que não houve prova de que a falecida solicitou o afastamento do trabalho e que, se ela o tivesse feito, teria sido afastada. A afirmação causou estranheza ao juiz, por induzir à conclusão de que, sob a ótica do empregador, a responsabilidade pelo próprio óbito foi da ex-empregada, que não cumpriu uma formalidade burocrática de autodeclaração da comorbidade que possuía. Como frisou o magistrado, o município tinha conhecimento do quadro de saúde da falecida, que era sua empregada desde 2008 e ainda tratava da diabetes na própria instituição de saúde em que trabalhava. Para o julgador, a justificativa apresentada pelo réu indica desprezo pelo quadro clínico de seus empregados ou, no mínimo, desorganização quanto ao controle das informações específicas de seus trabalhadores.

Nexo de causalidade
A sentença concluiu pela existência do nexo causal entre o trabalho e a doença contraída pela ex-empregada, que conduziu ao falecimento dela, bem como pela responsabilidade civil do município pelo ressarcimento dos danos sofridos pelos autores. Incidiu, no caso, a responsabilidade civil objetiva do empregador, que dispensa a configuração de culpa na ocorrência do evento danoso.

Embora o laudo pericial não tenha concluído de modo categórico pela caracterização do nexo de causalidade entre a atividade da agente comunitária de saúde e a doença da Covid-19 que a levou ao óbito, foi ressaltado na decisão que, nos termos do artigo 479 do CPC/2015, o juiz não está adstrito às conclusões da perícia, cuja função é apenas auxiliar o julgador na apuração e esclarecimento de matéria que exija conhecimentos técnicos especiais. “Por isso mesmo, o juízo, sendo livre na formação do seu convencimento, poderá decidir de forma contrária”, destacou o Miranda.

Ficou esclarecido ainda que o nexo de causalidade entre a Covid-19 e o trabalho desempenhado poderá ocorrer de forma objetiva, ou seja, por previsão expressa em lei, ou quando a atividade, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial maior. Para o julgador, esse era o caso das atividades exercidas pela agente comunitária de saúde, consideradas de risco por natureza, porque implicava contato direto e habitual com pessoas contaminadas com o coronavírus. “O nexo de causalidade entre a atividade exercida pela obreira e a contaminação por Covid-19 também se faz presente, sobretudo pelo fato de restar provado que a comorbidade que a falecida possuía (diabetes) era sim de conhecimento da parte reclamada”, destacou ainda o julgador.

O entendimento sobre a existência do nexo de causalidade também se baseou no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 14.128/2021, que assim dispõe: “Presume-se a Covid-19 como causa da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, mesmo que não tenha sido a causa única, principal ou imediata, desde que mantido o nexo temporal entre a data de início da doença e a ocorrência da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, se houver: I – diagnóstico de Covid-19 comprovado mediante laudos de exames laboratoriais; ou II – laudo médico que ateste quadro clínico compatível com a Covid-19”. Segundo observou o julgador, é presumível que a ex-empregada, quando supostamente contraiu a doença, encontrava-se exercendo suas funções sujeitas a alto risco de contaminação pela Covid-19, que resultou em seu falecimento, conforme registrado na certidão de óbito.

Teoria do risco criado
Tendo em vista as circunstâncias apuradas, o juiz não teve dúvida da incidência, no caso, da teoria do risco criado, citando a doutrina de Caio Maio da Silva Pereira: “O conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado”. (Responsabilidade Civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 270).

Princípio da alteridade contratual
A aplicação ao caso da teoria objetiva da responsabilidade civil tornou desnecessária a pesquisa de eventual culpa do município pelo ocorrido com a ex-empregada. Como ponderou o juiz, pelo princípio da alteridade contratual, os riscos do empreendimento devem ser suportados única e exclusivamente pelo empregador (artigo 2º da CLT). “A interpretação de tal preceito, conjugada com os princípios fundamentais da valorização social do trabalho, da dignidade da pessoa humana e da função socioambiental da propriedade inerente à ordem econômica (arts. 1º, III, IV e 170, III, da CF/88), leva à inexorável ilação de que os riscos que o empregador assume em sua atividade ultrapassa os estritos limites financeiros da relação jurídica trabalhista, pois também deve se responsabilizar pelas lesões acarretadas a seus empregados no exercício do trabalho do qual tira proveito”, destacou.

Danos morais reflexos ou “em ricochete”
Os autores pediram indenização por danos morais em ricochete, decorrentes do acidente de trabalho que resultou no falecimento da esposa e mãe. “Todos os autores se enquadram como vítimas indiretas do evento morte derivado da doença ocupacional sofrida pela vítima, eis que atingidos em sua honra e intimidade (art. 223-C da CLT)”, concluiu a sentença.

Segundo o pontuado, os danos morais são lesões que afetam os atributos íntimos do indivíduo e atingem frontalmente os seus direitos da personalidade, como a vida, honra, dignidade, imagem, privacidade e outros, sendo passíveis de indenização compensatória, nos termos do artigo 5º, V e X, da Constituição Federal de 1988. Ainda, entre as lesões de cunho extrapatrimonial, há o dano moral indireto, reflexo ou em ricochete, “em que o ato ilícito praticado em detrimento da vítima direta reverbera seus efeitos e atingem os detentores de certo vínculo de afetividade para com aquela, notadamente os familiares e parentes mais próximos, o que lhes acarreta o chamado prejuízo de afeição”, explicou Miranda.

Conforme consignado na decisão, a doutrina e a jurisprudência trabalhistas sedimentaram o entendimento de haver uma presunção relativa de dor moral dos filhos, cônjuge ou companheiro(a) e pais do trabalhador falecido em decorrência de acidente de trabalho. O entendimento decorreu da interpretação por analogia do artigo 16, parágrafo 4º, da Lei nº 8.213/1991, segundo o qual o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho se presumem economicamente dependentes do segurado da previdência social, bem como do artigo 20, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece a legitimidade do cônjuge, ascendentes e descendentes para requerer indenização no caso de violação da honra, boa fama ou da respeitabilidade da pessoa falecida.

“No caso dos autos, a perda da esposa e genitora, de apenas 42 anos de idade, vítima da fatídica doença que assolou a humanidade nos últimos anos, não deixa espaço para dúvidas acerca do sofrimento extremo impingido aos autores”, destacou o juiz, ressaltando que, para tanto, basta pensar na angústia do marido e filhos que tiveram que acompanhar a evolução negativa do quadro clínico da trabalhadora, que resultou em sua morte.

O juiz chamou atenção para o fato de que um dos autores e filho da falecida contava com apenas seis anos de idade à época do óbito: “terá que prosseguir com sua vida levando de sua mãe apenas as poucas lembranças dela quando viva, tendo em vista a sua tenra idade”, frisou.

“Tal situação acarreta dor, saudade, indignação, sentimento de impotência, sofrimento e transtornos de toda a ordem aos autores, pois formam o núcleo familiar básico que, de forma natural, desenvolve uma relação de intimidade especial entre os seus componentes. Tais sentimentos negativos são deduzidos de forma clarividente do fato de ser paradoxal que uma trabalhadora que sai de casa para ‘ganhar a vida’ com o seu labor acaba por perdê-la em decorrência do exercício de suas funções”, destacou o magistrado.

Dano presumido
Conforme constou da decisão, no caso dos autores, o dano é presumido, sendo desnecessária a prova da lesão ao patrimônio imaterial dos ofendidos, o que se extrai da simples percepção do fato ocorrido por qualquer observador externo que tenha o mínimo senso de cognição. Nessa situação, basta que a vítimas indiretas demonstrem o fato gerador do dano, como ocorreu no caso.

Ao arbitrar o valor da indenização por danos morais reflexos, o julgador considerou a gravidade da conduta praticada pelo ofensor e o grau de sua culpa, os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, bem como o caráter punitivo, pedagógico e compensatório da medida.

Tarifação dos danos morais – Inconstitucionalidade
Na sentença, foi reconhecida, de forma incidental, a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 223-G, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), que dispõem sobre a tarifação dos danos morais, para fins de fixação da indenização compensatória. Conforme pontuado, os dispositivos são claramente contrários à Constituição da República, sobretudo ao artigo 5º, V e X, bem como aos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da isonomia (artigos 1º, III, e 5º, caput, da CF/1988), conforme jurisprudência pacificada no Superior Tribunal de Justiça (Súmula 381), no Superior Tribunal Federal (ADPF 130) e no TRT-MG (ArgInc 0011521-69.2019.5.03.0000).

“O sofrimento impingido aos autores é incomensurável, não se podendo estabelecer de forma objetiva se haverá em médio ou longo prazo a superação psicológica da perda do familiar, sendo incontestáveis os reflexos da lesão no universo pessoal e social dos ofendidos, considerando a perda de sua esposa e genitora (art. 944, do CC/02)”, frisou o juiz.

Danos materiais – Pensão mensal vitalícia
A agente comunitária de saúde contratada pelo município teve como último salário bruto a quantia de R$ 2.212,16 e contava com 42 anos de idade à época do óbito, ocorrido em 2021. Era responsável pelo sustento dos filhos e vivia com o cônjuge, pai de seus filhos. Ao analisar o pedido de indenização por danos materiais, o juiz considerou a situação de dependência econômica dos autores.

“Os danos de ordem material, por sua vez, dizem respeito às perdas patrimoniais sofridas pela vítima em decorrência do ato ilícito praticado pelo agente ofensor, abrangendo os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 402, do CC)”, destacou Miranda.

Na sentença, foi negado o pedido de pagamento em parcela única, considerando que o objetivo da indenização é a recomposição do patrimônio do ex-empregado, ou de seus dependentes, e não o enriquecimento sem causa. Ressaltou-se ainda que o pagamento em pensão mensal gera muito menos transtorno financeiro do que um valor quitado de uma só vez.

Levando-se em conta que parte do salário que a empregada falecida recebia era para despesas pessoais, o valor da pensão mensal foi fixado em 2/3 do salário (R$ 1.474,77) a ser dividido igualmente entre os autores, com termo inicial na data do óbito (22/1/2021) e termo final em 6/10/2058 (quando a empregada completaria 80 anos idade), considerando a expectativa de vida de pessoas do sexo feminino no Brasil em 2021, conforme última Tabela do IBGE, a não ser no caso de um dos autores falecer antes.

A cota-parte dos filhos cessará quando eles completarem 25 anos de idade, quando o valor deverá ser revertido aos beneficiários remanescentes, por aplicação analógica do artigo 77, parágrafo 1º, da Lei nº. 8.213/1991. A cota-parte do filho menor deverá ser depositada em caderneta de poupança, aberta para essa única finalidade.

Pelo princípio da restituição integral (artigo 944 do Código Civil), a pensão mensal vitalícia incluiu 13ºs salários anuais, com pagamento no mês de dezembro de cada ano, nos termos da Lei 4.090/1962, e uma parcela anual será acrescida de 1/3, a título de férias anuais remuneradas. Os julgadores da Oitava Turma do TRT-MG aumentaram o valor da indenização, que passou a ser de R$ 250 mil para cada autor da ação: o viúvo e os dois filhos, totalizando R$ 750 mil. O processo foi remetido ao TST para exame do recurso de revista do município.

TST: Lavrador submetido a trabalho escravo em MG e SP pode ajuizar ação no Piauí

A 6ª Turma levou em conta a situação de vulnerabilidade extrema do trabalhador.


A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve o direito de um trabalhador rural de Valença do Piauí (PI) de ajuizar reclamação trabalhista no local onde reside, embora tenha prestado serviços em fazendas de Minas Gerais e São Paulo. Ao rejeitar recurso de uma fazenda e de três pessoas físicas envolvidas no caso, o colegiado levou em conta a situação excepcional de vulnerabilidade do trabalhador, diante da comprovação de que ele havia sido submetido a condições análogas à escravidão.

Promessa
Na ação, ajuizada contra a fazenda e três pessoas físicas, o lavrador disse ter tomado conhecimento de que o dono de uma agência de viagens de sua cidade estaria contratando pessoas para trabalhar no corte e no plantio de cana-de-açúcar em Delta (MG). As despesas de transporte seriam pagas por um empreiteiro local e descontadas posteriormente.

A promessa incluía a possibilidade de carteira assinada e alojamento, alimentação e transporte para o local de trabalho sem custo. Em março de 2020, 35 trabalhadores embarcaram com destino à cidade mineira, num percurso de mais de dois mil quilômetros.

Realidade
Ao chegar, o grupo foi dividido em casas que, segundo o lavrador, não tinha nenhuma estrutura. Eles tinham de dormir em papelões e foram informados de que teriam de pagar aluguel, comprar alimentos e preparar a comida. O material de trabalho e os equipamentos de proteção individual (EPI) também foram descontados.

De Delta, eles eram levados diariamente para um local identificado como “Fazenda Brasil”, distante cerca de três horas, onde não havia água nem local para refeições. De acordo com a reclamação, os familiares tiveram de contratar um ônibus para resgatá-los, seis meses depois da viagem inicial.

Competência territorial
O transportador, em sua defesa, argumentou que não deveria fazer parte da ação, porque não tinha contratado o trabalhador, mas apenas vendido as passagens. O empreiteiro seguiu na mesma linha e também questionou a competência da Vara do Trabalho de Valença do Piauí para julgar o caso. O fundamento foi o artigo 651 da CLT, segundo o qual a competência é determinada pela localidade onde o empregado prestar serviços, ainda que tenha sido contratado noutro local.

No depoimento, ele confirmou que trabalhava em Delta, transportando trabalhadores para fazendas entre Minas Gerais e São Paulo em seu próprio ônibus, mas não forneceu os nomes dos contratadores.

A “Fazenda Brasil” não apresentou defesa, e pesquisas realizadas pela Justiça não encontraram uma pessoa jurídica com esse nome.

Condenação
O juízo de primeiro grau reconheceu a situação como trabalho escravo contemporâneo. Segundo a sentença, havia um mecanismo de aliciamento de trabalhadores do Piauí para outros estados que, ao chegarem ao destino, eram vítimas de servidão por dívida e submetidos a condições degradantes.

O juiz também registrou a vulnerabilidade do trabalhador, “por sua condição social, com pouca instrução formal, o que o torna ainda mais propício para acreditar nas falsas promessas do recrutador”, ao condenar o empreiteiro a pagar todas as verbas trabalhistas devidas e indenização por dano moral de R$ 10 mil.

Acesso à justiça
A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (PI), que rejeitou o argumento da incompetência do juízo de Valença. Para o TRT, a competência territorial prevista na CLT tem de ser compatível com o princípio constitucional do acesso à justiça e da proteção às pessoas sem recursos econômicos, de modo a permitir que ajuízem sua ação na localidade em que tenham melhores condições de fazê-lo.

Atuação nacional
Ao rejeitar o recurso de revista do empreiteiro, o relator, ministro Augusto César, observou que, em situações excepcionais, o TRT tem considerado válido o ajuizamento da ação trabalhista no local do domicílio do empregado, nos casos em que a empresa preste serviços em âmbito nacional e em que ao menos a arregimentação ou a contratação tenham ocorrido nesse local.

Para o relator, o fato de o lavrador, arregimentado no Piauí, ter prestado serviços em fazendas de cana-de-açúcar com atuação em duas outras unidades da federação demonstra a atuação nacional do empreiteiro.

Situação excepcionalíssima
Outro ponto destacado pelo ministro foi a comprovação de que o trabalho ocorreu em condições análogas à escravidão, o que demonstra situação extrema de vulnerabilidade do trabalhador. Na avaliação do relator, obrigar o lavrador a ajuizar a ação no foro onde foi submetido à condição de escravidão não se compatibiliza com a interpretação do dispositivo da CLT nem com as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tratam do trabalho forçado e de sua abolição e de questões relacionadas aos direitos humanos e à dignidade do trabalhador.

A decisão foi unânime.

Veja o acórdão.
Processo: RR-301-73.2020.5.22.0109

TJ/MG: Justiça nega indenização a homem que se feriu por não seguir regras ao acender fogo de artifício

A 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a sentença da 3ª Vara Cível da Comarca de Montes Claros e negou provimento ao recurso de um consumidor que entrou com ação de indenização por danos materiais e morais contra uma empresa de fogos de artifício após acidente com rojão.

Pela sentença, o juiz julgou improcedente o pedido inicial e condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 4 mil. O valor foi aumentado pelos desembargadores da 11ª Câmara Cível para R$ 4,2 mil.

Segundo consta no processo, em 19 de março de 2017, o autor foi gravemente ferido no rosto após soltar um rojão. Ele argumentou que a carga se desprendeu do bastão e explodiu. Por conta disso, sofreu ferimento no supercílio esquerdo, várias escoriações, perda auditiva e catarata traumática.

Em sua defesa, a fabricante de fogos de artifício sustentou que houve ausência de comprovação de aquisição e utilização de seus produtos pelo autor, bem como inexistência de defeito de fabricação e culpa exclusiva da vítima, o que afastaria o dever de indenizar.

Para o juiz, o autor descumpriu as normas de segurança no manejo do produto, configurando culpa exclusiva dele. Com isso, a vítima decidiu recorrer.

O relator, desembargador Marcelo Pereira da Silva, afirmou que “a dinâmica do acidente é incontroversa, não negada pelo autor e confirmada pelos depoimentos das testemunhas, sendo certo que a vítima estava estourando os foguetes na mão, sem a utilização da base de lançamento e sem guardar distância de segurança do artefato explosivo”. Ele disse portanto que p consumidor não seguiu as instruções expressas na caixa do produto.

Ainda segundo o relatou, o autor optou por acender o rojão sem observância das recomendações de segurança fornecidas pelo fabricante.

A desembargadora Mônica Libânio Rocha Bretas e o juiz convocado José Maurício Cantarino Villela votaram de acordo com o relator.

TRT/MG: Motorista de teste será indenizado por uso de celular particular no trabalho

Um motorista de teste que utilizava o próprio celular em atividades exigidas no trabalho será indenizado em R$ 30,00, por mês, como forma de compensação por gastos com planos de dados e voz.

A condenação envolveu uma empresa de consultoria e, de forma subsidiária, a tomadora dos serviços, uma fábrica de veículos e equipamentos automotivos.

O profissional alegou que necessitava utilizar o celular particular para o trabalho, uma vez que a empregadora exigia o encaminhamento de fotos e vídeos. Além disso, segundo o trabalhador, o equipamento também seria usado para marcar a jornada em ponto digital. A pretensão era de recebimento de R$ 50,00 por mês pelo uso do aparelho e custos com planos de telefonia/internet.

O caso foi decidido pelo juiz Helder Fernandes Neves, no período de atuação na 3ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas/MG. O magistrado reconheceu a versão do trabalhador como verdadeira. “A prova oral evidenciou a necessidade de uso de telefone particular para o serviço, para registro de ponto e envio de fotos”, registrou na sentença. O juiz observou ainda que a empresa sequer alegou que havia fornecimento do equipamento, tampouco foi produzida prova nesse sentido.

Para o julgador, o contexto apurado pelas provas impõe a condenação das empresas envolvidas na contratação. “Não havendo ajuste quanto ao valor pela disponibilização do bem particular em prol da empresa, é justa a fixação de uma indenização, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa e a transferência dos riscos do negócio”, pontuou.

Entretanto, o valor deferido foi limitado a R$ 30,00 mensais, considerando-se a utilização do celular também para fins particulares. “Evidentemente, o telefone não era usado apenas para fins de trabalho, visto que a experiência comum conduz à conclusão de que o reclamante, certamente, utilizava-se do mesmo bem para fins particulares”, ponderou o magistrado na decisão que condenou as empresas. Não houve recurso. O processo já está em fase de execução.

TST: Dano-morte: espólio de vítima de Brumadinho pode ajuizar ação de reparação de danos

A indenização diz respeito aos danos causados diretamente à vítima e, para a 6ª Turma, pode ser transmitida a seus herdeiros.


A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a legitimidade do espólio de um operador de equipamentos da Vale S.A. para pedir na Justiça a reparação de danos decorrentes de sua morte no rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019. O que diferencia este caso de outros julgados pela Justiça do Trabalho é o fato de a indenização ter como origem os danos causados diretamente ao trabalhador, e não ao chamado “dano em ricochete” sofrido por seus familiares.

Com a decisão, o caso retornará ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que havia mantido a extinção do processo por entender que o espólio não era parte legítima para apresentar a ação.

Espólio
O espólio é o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados pela pessoa que morre, e seus destinatários são os seus herdeiros. Esse conjunto é administrado pelo inventariante, pessoa designada para gerir temporariamente o patrimônio até que o processo de inventário seja concluído e os bens sejam partilhados entre os herdeiros.

Resultado morte
O trabalhador, na época com 34 anos, era empregado da Vale desde 2010 e tinha um filho de três anos. A ação trabalhista foi ajuizada por sua esposa na condição de inventariante, ou seja, a responsável pelo espólio. O objetivo era obter a reparação dos danos diretamente causados ao operador pela perda da própria vida.

Um dos argumentos era o de que a Vale, comprovadamente culpada pelo rompimento, estava até agora impune e isenta de responsabilidade por esse “resultado morte”, pois não havia nenhuma outra ação em curso em que o trabalhador (ou seu espólio) reclamasse os danos sofridos diretamente por ele.

Nome próprio
O juízo da 6ª Vara do Trabalho de Betim entendeu que o espólio não poderia pedir a indenização, por não ser titular de nenhum direito. Os titulares, segundo a sentença, seriam os herdeiros, que deveriam ajuizar ações em nome próprio. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG).

Precariedade
A relatora do recurso de revista do espólio, ministra Kátia Arruda, observou que a morte do trabalhador no rompimento da barragem demonstra a precariedade de sua segurança, que o expunha a situação de risco durante a execução do contrato de trabalho. “Ou seja, os danos já vinham sendo causados ao trabalhador de forma constante”, assinalou.

Nessa circunstância, o TST tem entendido que, considerando que o empregador tem controle e direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação da unidade em que o acidente ocorreu, sua culpa é presumida, surgindo o dever de indenizar.

Patrimônio jurídico
De acordo com a ministra, uma vez reconhecido o acidente de trabalho, a reparação dos danos sofridos se incorpora ao patrimônio jurídico da vítima e, no caso da morte do seu titular, o espólio tem legitimidade para pedi-la em juízo.

Ela lembrou que, conforme o artigo 943 do Código Civil, o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la se transmitem com a herança. No mesmo sentido, citou a Súmula 642 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Ou seja, o que se transmite é o direito à indenização, tendo os herdeiros, através do espólio, legitimidade para requerer a indenização ou nela prosseguir, caso já tenha sido ajuizada pela vítima”, destacou.

Distinção
A ministra observou, ainda, que o debate dos autos é diferente de situações comumente analisadas pelo TST envolvendo Brumadinho. “O que se pretende aqui é o reconhecimento de que o empregado que faleceu por ocasião de um acidente do trabalho tenha tido – ele próprio – direito violado passível de reparação”, explicou. Considerando que a eventual indenização passa a integrar a universalidade dos bens que compõem a herança, o espólio é titular do direito de reivindicá-lo em juízo.

Análise preliminar
Por fim, a relatora ressaltou que a discussão, nesse julgamento da Turma, diz respeito apenas à legitimidade do espólio. “A procedência ou não do direito à indenização pretendida é matéria que diz respeito ao mérito da causa”, concluiu.

A decisão foi unânime.

Sobrinha e tia
Em outros dois casos envolvendo Brumadinho, a Sétima e a Oitava Turmas do TST reconheceram o direito a indenização de uma sobrinha e de uma tia de vítimas pelos danos em ricochete, indiretamente causados pela morte dos trabalhadores.

O caso julgado pela Sétima Turma diz respeito à sobrinha de um empregado terceirizado da Vale. Embora com mais de 18 anos, ela tem microcefalia e órfã de pai, e o tio havia assumido esse papel. Na ação, sua mãe relata que, incapaz de entender a morte, ela teve de tomar remédios para depressão e ansiedade. Ela obteve o direito a indenização de R$ 50 mil.

Para o relator do recurso da Vale, ministro Evandro Valadão, o quadro descrito pelo TRT demonstra a consistência do vínculo afetivo entre a sobrinha e o tio, reforçada pela condição de saúde da moça e pela carência paterna. Para mudar esse entendimento, seria necessário rever os fatos e as provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST.

De modo semelhante, a Oitava Turma restabeleceu sentença que havia deferido indenização de R$ 100 mil à tia de um trabalhador terceirizado morto no rompimento. Ela alegava ter sido privada do convívio do sobrinho, que morava em bairro vizinho e com quem tinha uma relação maternal.

Para a relatora, ministra Delaíde Miranda Arantes, ficou comprovada a estreita relação entre eles. Segundo ela, não há impedimento para que os parentes da vítima, sobretudo os ligados a ela por relação sanguínea, como no caso, peçam reparação.


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